Coração liquefeito

30 de novembro de 2013




Coração desfeito,
Liquefeito
Denso como
Ar rarefeito

Coração afeito
Sem jeito
Solitário
No meu peito

Coração sem leito
Um amor pra ele
Eu espreito



Aspas do Autor: ...um amor pra ele eu espreito. Missão que tem sido a das mais difíceis...

O convite do vento

23 de novembro de 2013




O vento remexia o seus cabelos no instante em que vislumbrava o brilho intenso das estrelas no céu. O surrupio doce da vida tocava com soberania sua pele. Um frio sutil se percorria pelo seu corpo, trazendo à tona velhas sensações. A melodia ao redor enunciava o que no peito se deslumbrava. O coração entoava a melodia sob a orquestra calorosa do sopro da vida, do oxigênio puro que se envolvia pelo ar.

Ela sentia a força do vento lhe impelir, lhe empurrar. Algo no ar sugeria pra ir, para seguir, para do alto pular e voar, suportada pelas asas do sentir, pela força imperiosa do amor dispersado no ar. Seus olhos refletiam a aurora convidativa que no horizonte reluzia. Um chamariz para a sua alma tão incendiada pelo intenso desejo de flutuar pelas paisagens. Seus pés saltavam com uma fagulha de coragem nunca sentida antes na sua vida.

Suas pupilas absorviam a magnitude que o mundo fosforescia com ímpeto. Seu medo ainda perpetuava por entre suas veias. Tremia. Seu corpo confrontava-se com a possibilidade, com a derradeira escolha, com a chance de descobrir um infinito mundo novo, repleto com encontros novos e emoções nunca vividas. Seu desejo era ímpar. Era o de mudar. Era o de voar, desbravar distâncias num simples sopro, num rasante impulso.

O vento aquecia seu coração, tornando-se trilha sonora para esse momento que seu íntimo ansiava com todas as forças. Ao abrir os braços, sentiu o vento impregnar seus corpo inteiro. E um universo inteiro se abriu diante dos seus olhos. Suas mãos almejavam “tatear” o espaço, o mundo sobre a superfície, um universo inteiramente tátil ao seu coração de pássaro. Sua alma cobiçava sustentar-se no ar, e que os braços fossem as asas que permitissem esse tão ousado voo.

Ela temia, mas parecia decidida. Aproveitou o momento em o vento deu uma forte rajada pra aceitar o convite. E no abismo seu corpo caiu. Atravessou as camadas de vento como se fosse uma rocha. Ela sentiu o prazer de voar, o de culminar sua alma nesse esplendor exultante e único. Foram poucos segundos, mas eternos até o voo findar, fatalmente, no chão. Sua vida, por inteiro, fragmentou-se. Esvaiu-se. Sua alma, enfim liberta, pôde voar. Até o além do horizonte. 



Aspas do Autor: Às vezes a vida pode nos dar convites traiçoeiros... Às vezes não. É bom sabermos avaliar cada caminho que surge diante de nós, para que não possamos cair em abismos.

Estado cíclico

16 de novembro de 2013




O que está sempre passa. Mas volta. A alma apaixonada é oscilante, ancoradouro de sentimentos que retumbam repetidas vezes no peito. Um estado que nunca se diluirá, da mesma maneira como dias cinzentos nunca deixarão de existir, nem noites deixarão de escurecer. A transitoriedade da vida é o que embala. As mudanças climáticas são o que nos faz maiores, o que nos ensina após cada tempestade o valor do sol nascendo, da vida se renovando.

Tudo flui, num vai e volta indefinível, onde cada momento abstrai de si, pousando em nossa alma uma sequela de sentimentos que nunca debandaram do nosso íntimo, relicário das vivências mais marcantes, até dos golpes mais debilitantes. Porque vez ou outra, nosso coração se deságua num estado cíclico, rememorando o que nem sempre queremos relembrar. E as gotas de sentimentos respingam no íntimo, desequilibrando-nos de nossa caminhada.

A alma que dispõe a ir adiante está sempre sujeita a reviravoltas. É algo indissociável a cada um de nós. A gente fica em declínio, enumerando olhares exauridos e chorosos, que pesam dentro de nós e fragiliza o pulsar do coração, numa latente emoção; numa vertente dolorida que nos afunda em afagos passados. Mobilizamos em uma tentativa vã de desabrochar a dor alojada, de deslocar o amor já esmaecido pelo tempo. Coração gira esbaforido numa soltura que só o leva a se cansar, a ficar diante de um abismo íngreme e sem retorno.

A poesia aprisiona, aperta, nos aglutina. Nosso seio dilata e finda. Lá. Pairamos em pensamentos que oscilam no eterno terno do nosso ser, do ricocheteio que sofre o nosso interior que ainda ama. A gente se dilata em significados que transcendem. Inquietudes que desafiam os sonhos que moram belos no olhar do coração. Nossa soltura esvai nesse abraço prisional que faz a mente encontrar os delitos internos. Um silêncio culposo que desfaz atos e desata nós. Lá dentro a gente se perde tentando sair. Para libertar-se. Flutuar. Amar.

Na vida não há como fugir dos balanços bruscos de sensações. A vida gira e a gente circula em instantes que pedem para serem sentidos e esvaídos. Somos dia e noite. Somos as quatro estações. Amanhecemos e anoitecemos periodicamente. Bom seria termos a luz para todo o sempre. Bom seria o amor nos preencher integralmente. Mas, limitados como somos, precisamos girar, como uma estrela ao redor do sol, atraídos pela gravidade do amor. E só na delicadeza de nos movimentarmos é que entenderemos a beleza e importância das noites e dos dias, do sol e da lua, das tempestades e das bonanças.



Aspas do Autor: Como impedir que certos sentimentos retornem? Nossa alma é reduto de sensações que por vezes nunca nos abandonam. E vez ou outra, como qualquer tempestade, elas vem para causar desequilíbrios. Mas é assim mesmo. A alma é oscilante. E sempre há de ser. 

Olh(ar) rarefeito

2 de novembro de 2013




O olhar amanhece e adormece vestido numa insolúvel esperança; numa inexorável coragem. Carrego dentro de mim o reflexo conciso do amor que me apetece. Mas por vezes, inesperadamente, alimento-me de uma poesia que se estende além do meu limite humano. O que supera meus limites se aninha oculto na minha alma, numa presença difícil de sentir. O além da minha capacidade é tão rarefeito que mal consigo espreitar ou assimilar. 

O infinito do que me acata surge turvo; é difícil identificar a poesia espessa que submerge sem querer. Acontece que eu me disponho a voar em alturas pouco convencionais, e isto me faz cair em armadilhas, situações imprevistas, em tropeços incalculáveis. Meus olhos não conseguem se adequar inteiramente a baixa pressão da altitude em que me coloco no mundo. Arrisco-me a pender o corpo, inerte, rumo a um abismo sem fim, a uma queda de proporções indescritíveis. 

Meu voo tem a sede de quem busca incessantemente a felicidade. Mas ela prepondera sua dificuldade e seu perigo. Sou ciente – e temerário. Porque o ar que respiro neste ambiente, cansa-me, deixa-me ofegante com seu oxigênio poético tão dilatado. Viro vítima desse passageiro encanto que acumula e me gravita ao chão. Corro e me perco, falta-me o ar. A condição em viver me tonteia e desfoca as paisagens dentro do meu olhar cansado.

Estrangulo meus olhos pelas alturas sombrias, espreitando as desejosas luzes de alegria, do apego cíclico que prepondera no meu vasto universo traiçoeiro. Universo que se expande num mosaico de sonhos e poesias, recheando-me com deduções misteriosas sobre meus caminhos, rotas apontadas por um coração incitante e sedutor, que se aventura bravamente sem ligar para a ameaça abundante e dispersa por essa trilha difícil de seguir. 

Mas há pouca resistência. Há uma mínima alteração que conflui meu ser. Viro passageiro dessa passageira magia, intrínseca e alargada. Este vento que me impulsiona, na verdade me tortura, embaçando minha vista com sua vertiginosa presença. Porque hoje estou alheio ao tempo rasteiro e ligeiro que se propaga em meu espaço. Hoje estou incapaz de focar o que tanto almejo. Não me asseguro em nenhum lampejo. Falta-me inclinar em direção a uma invisível solução.

E a solução se esconde onde? Como o encontro nesses dias tão apáticos, neste momento desprovido de força? Meu olhar busca um arremate para a alma, um alinhamento preciso onde poderei rejuntar o elo mais íntimo que une meus mais belos sonhos. Estou vítima de um tempo desleal, que rarefaz meu olhar numa ótica embaçada. Respiro com dificuldade nesta altura em que, num ímpeto corajoso, lancei-me. Respirar esta poesia que alimenta meu ser tem sido complicado, porque as feridas a dilatam com crueldade.

Sigo meu voo com a certeza de que preciso estacionar; para reabastecer as energias; a esperança; para descansar a vista e aprimorar o foco. Só assim conseguirei, com mais segurança, suportar esta poesia tão além da minha superfície humana. Porque eu quero, eu a persigo. Sei que serei capaz, um dia. De olhá-la. De respirá-la. De amá-la.



Aspas do Autor: Sublinho os olhares perdidos para depois me encontrar. Preciso descansar. A imagem, ultimamente, anda meio desfocada. Mas há de ressurgir. Assim espero.