Olh(ar) rarefeito

2 de novembro de 2013




O olhar amanhece e adormece vestido numa insolúvel esperança; numa inexorável coragem. Carrego dentro de mim o reflexo conciso do amor que me apetece. Mas por vezes, inesperadamente, alimento-me de uma poesia que se estende além do meu limite humano. O que supera meus limites se aninha oculto na minha alma, numa presença difícil de sentir. O além da minha capacidade é tão rarefeito que mal consigo espreitar ou assimilar. 

O infinito do que me acata surge turvo; é difícil identificar a poesia espessa que submerge sem querer. Acontece que eu me disponho a voar em alturas pouco convencionais, e isto me faz cair em armadilhas, situações imprevistas, em tropeços incalculáveis. Meus olhos não conseguem se adequar inteiramente a baixa pressão da altitude em que me coloco no mundo. Arrisco-me a pender o corpo, inerte, rumo a um abismo sem fim, a uma queda de proporções indescritíveis. 

Meu voo tem a sede de quem busca incessantemente a felicidade. Mas ela prepondera sua dificuldade e seu perigo. Sou ciente – e temerário. Porque o ar que respiro neste ambiente, cansa-me, deixa-me ofegante com seu oxigênio poético tão dilatado. Viro vítima desse passageiro encanto que acumula e me gravita ao chão. Corro e me perco, falta-me o ar. A condição em viver me tonteia e desfoca as paisagens dentro do meu olhar cansado.

Estrangulo meus olhos pelas alturas sombrias, espreitando as desejosas luzes de alegria, do apego cíclico que prepondera no meu vasto universo traiçoeiro. Universo que se expande num mosaico de sonhos e poesias, recheando-me com deduções misteriosas sobre meus caminhos, rotas apontadas por um coração incitante e sedutor, que se aventura bravamente sem ligar para a ameaça abundante e dispersa por essa trilha difícil de seguir. 

Mas há pouca resistência. Há uma mínima alteração que conflui meu ser. Viro passageiro dessa passageira magia, intrínseca e alargada. Este vento que me impulsiona, na verdade me tortura, embaçando minha vista com sua vertiginosa presença. Porque hoje estou alheio ao tempo rasteiro e ligeiro que se propaga em meu espaço. Hoje estou incapaz de focar o que tanto almejo. Não me asseguro em nenhum lampejo. Falta-me inclinar em direção a uma invisível solução.

E a solução se esconde onde? Como o encontro nesses dias tão apáticos, neste momento desprovido de força? Meu olhar busca um arremate para a alma, um alinhamento preciso onde poderei rejuntar o elo mais íntimo que une meus mais belos sonhos. Estou vítima de um tempo desleal, que rarefaz meu olhar numa ótica embaçada. Respiro com dificuldade nesta altura em que, num ímpeto corajoso, lancei-me. Respirar esta poesia que alimenta meu ser tem sido complicado, porque as feridas a dilatam com crueldade.

Sigo meu voo com a certeza de que preciso estacionar; para reabastecer as energias; a esperança; para descansar a vista e aprimorar o foco. Só assim conseguirei, com mais segurança, suportar esta poesia tão além da minha superfície humana. Porque eu quero, eu a persigo. Sei que serei capaz, um dia. De olhá-la. De respirá-la. De amá-la.



Aspas do Autor: Sublinho os olhares perdidos para depois me encontrar. Preciso descansar. A imagem, ultimamente, anda meio desfocada. Mas há de ressurgir. Assim espero. 

10 comentários:

Wendel Valadares disse...

"[...] Acontece que eu me disponho a voar em alturas pouco convencionais, e isto me faz cair em armadilhas..."

Incrível isso Alê!!!

Logo logo vou postar sua resenha meu amigo.

Um abraço meu.

Palladino disse...

UAU... Sensacional...

TOM MORAIS disse...

Cada vez mais você me surpreende. Acho que esse foi o texto que eu mais gostei, de todos. O modo como você usa as palavras evolui á cada post, e eu realmente estou adorando isso.
cronicasdeumlunatico.blogspot.com

Anônimo disse...

Engraçado, estou lendo um livro (espírita, veja só), no qual um dos personagens reencarna cego, pois na vida passada ele fechava os olhos para as belezas da vida, mas deixava-os bem abertos quando praticava maldades.
Abraços.

♥Sophie♥ disse...

Fantástico *-*

r: obrigada :) E sim é verdade primeiro temos que ter o desejo de mudar-mos a nos próprios para depois mudar o mundo. :b

Ariana Coimbra disse...

Enquanto o seu voo for rumo a felicidade, ele estará indo na direção certa.

Beijos

Mayra Borges disse...

Eu me perco em vários níveis de sentimento ao ler tuas palavras, eu já disse aqui e não me canso de repetir, você, meu caro amigo, escreve com alma, coloca tudo de si em cada letra... É fantástico, vir aqui me faz pensar sempre no monte de coisas indizíveis e que você traduz sempre com destreza, não é tarefa fácil se derramar assim através das palavras, traduzir sentimentos, e você faz isso sempre com muita destreza.

E se agora falta foco, há de aparecer repouso para esse corpo cansado de voar e quem sabe ao pousar você não descubra que o que procurava estava um pouco mais perto que o esperado.

Forte abraço, Alexandre.
eraoutravezamor.blogspot.com
semprovas.blogspot.com

Ana Carolina disse...

Suas palavras nos levam a viajar...lindo texto!

beijinho *-*

Gabriela Freitas disse...

Sempre bom, sempre me deixando sem palavras.

http://denovomaisumavez.blogspot.com.br/

Bandys disse...

Voce como sempre arrasa.

Saiba que tudo passa, principalmente olhares...

E aí a gente sempre se encontra.

Beijos