Florescência

7 de dezembro de 2016

Foto: Missninaka













Todo dia eu mudo. A cada dia [fico] mais mudo. Emudeço em efeito ao acalanto doce do curso diário. Mudo, pois sou passageiro. Mesmo que eu já tenha sido mais afoito um dia, não me importa mais ter o controle. Já faz alguns anos que me desprendi e, hoje, feito folha solta ao vento, sou conduzido, sem que tenha muita escolha, sem precisar deliberar descansos. O tempo e a vida nunca dão pausa. Deixo os dois agirem em mim. É preciso seguir o curso, afinal.

Com isso, compreendi que para certos caminhos, não basta apenas querer segui-lo, mas estar capacitado a adentrá-lo. Não se pode forçar a vista para enxergar o que é [ainda] difícil entender. Tampouco abrir demais os olhos quando há luz em excesso. Ela pode cegar. Aprendi que só a vida distribui permissões. E que é preciso agarrá-las com vontade. Não é fácil. Elas se escondem na persistência, por trás de muita força de vontade. Foi através da minha capacidade em acreditar, que descobri recursos para crescer.

Nunca desisti, mesmo que por muitas vezes eu tenha desejado. Ainda que as tempestades me afetassem, a calmaria sempre trouxe clareza na mente. Diante de tudo o que tenho e já vivi, seria indigno inventar motivos para lamentos ou abandonos. A felicidade caminha do meu lado. Esse é outro aprendizado. Nos braços da dor, de toda a aflição que espeta o peito, nós não enxergamos o essencial, o coração parece ficar coberto por uma cortina, soltamos nossas mãos do que é realmente bom. Tristeza causa cegueira. Desconexão. Sob os seus efeitos, nenhum ato soa coerente.

Os anos foram pincéis que aprimoraram meus traços mais humanos, e deram à minha alma, mais cor e vivacidade. Aprendi a me aceitar como um esboço que vez ou outra ganha uma nova demão. Não sou obra finalizada (e dificilmente serei), mas moldado pelas mãos do tempo, hoje tenho traços de homem, de um alguém melhor que ontem. Com temperança fui colhendo as permissões para crescer. Com serenidade, colhi um pouco de frutos. Pois a vida deu raízes aos meus pensamentos, fomentou minha seriedade, delineou meus comportamentos, disponibilizou recursos para que eu florescesse e frutificasse.

Olho as pessoas ao redor e vejo como se transformaram. Tudo ao redor me põe na realidade crua. Mas o olhar não envelhece. Continuo enxergando tudo com aquela inocência de seis anos. Afinal, nunca deixei de ser menino. Um menino que talvez nunca vai interpretar a dimensão daquilo que o cerca, tampouco compreender as nuances de uma vida astuta e indecifrável, muito menos o mistério que cerca os sentimentos. Isso às vezes é o que me desloca desse mundo. Aprendi a ir além. E moldei crenças que não se espelham por essas calçadas solitárias; cultivei amores que não se veem mais por aí.

A verdade é que as mãos macias da vida me silenciam a cada dia. Crescer é ganhar discernimento. Mudar é emudecer. O amadurecimento traz um pouco de solidão. Todavia isso me fez ver o essencial. Aprendi a focar meus esforços no que vale realmente a pena. Ficar mais velho traz certas vantagens. Parei de dar importância à alguns detalhes que agora são irrelevantes. À essa altura, pouco me chama a atenção. Amadurecer me fez renunciar de escolhas, descobrir outros caminhos e enumerar novas prioridades. Continuo em franca evolução, não sabendo bem o que encontrar adiante, porém, sabendo muito bem o que deixar para trás...


Aspas do Autor: Eu no eterno processo de maturação. Ser humano é isso. Viver é isso.

5 comentários:

Wendel Valadares disse...

Alê, meu irmão, Uau!!!!

Que texto maravilhoso. Poético, maduro, intenso. Me vi refletivo em muitas palavras e reflexões. Também me encontro nesse processo de amadurecimento e emudecimento. Você bem o disse, a vida não dá descanso e a gente vai mudando o foco e ficando um pouco mais mudo. A gente muda. Graças a Deus.

Que bom ver você por aqui, ver o blog de cara nova, mais arejado, mais maduro, mais simples, mais você!

Saudade demais dos nossos papos.

Te abraço bem forte!

Bandys disse...

Ninguém pode atravessar os caminhos que são seus no seu lugar. Algumas rotas são só nossas, e as chaves que abrem nossos recintos, também.. só podemos florir aquilo que plantamos e assim é a vida a colheita é certa.
Brilhe,
Beijos

Mafê Probst disse...

Saudades, Alê :*

Bandys disse...

Um feliz natal pra ti meu anjo. Que todos os seus pedidos se realizem e a felicidade lhe abrace com plenitude.

Muita poesia, muito amor, muita paixão pra nós!
Seja feliz porque o que vale nessa vida são os momentos
que somos assim: felizes.
Te amodoro.
Beijos

B. disse...

Como dizia Raul "eu prefiro ser essa metamorfose ambulante", como todos nós somos. Acredito que cada um tem a sua maneira de amadurecer diante do tempo e das situações que a vida nos coloca. Você citou sobre o seu emudecimento, e,já no meu caso, ocorreu o inverso. Mesmo assim, foi preciso, é particular de cada um e me sinto bem com o que sou atualmente.
Parabéns pelo texto, muito significativo!