Despedidas

31 de dezembro de 2016














Chega aquele dia em que você abre os olhos e se sente noutro mundo. O dia irrompe com um aspecto incomum, pouco familiar, suprimindo aquele bem-estar tão característico das manhãs. Nem o cheiro da rotina é capaz de despertar o frescor das memórias, aquela intimidade estabelecida com o que lhe cerca. Diante do espelho, você mal se conhece. A imagem é meio embaraçada. A procura por respostas é irrefletida, demasiadamente vã. Não há um impulso frenético, uma intuição cutucando os cantos da alma. Não há nada, de fato.

Essa imersão insere você em um estado quase mudo, em uma maestria furtiva que acalenta a alma. Ante o desconhecimento, o silêncio faz-se mãe de todas as ações, superfície que apazigua brandamente esta aflição. É um estado erradio, em que o corpo nem sempre responde direito aos sinais externos, como em um ato de fuga, em que tudo responde apenas ao ato desesperador de correr. O momento, ao se prolongar, evidencia a apatia pela qual se vira refém. A vida transfigura e estranha-se inicialmente este “virar de página”.

O mundo se apresenta como se fosse a primeira vez, igual dia em que você abriu os olhos, logo ao nascer. Você é reapresentado a este ciclo que gira interminavelmente, período após período. O corpo sente a transição, e fica deslocado, simplesmente perdido. A mudança de um dia para o outro é abrupta, e o coloca vítima de uma inesperada despedida. É tudo muito fugaz. Em um sopro você se aparta das texturas de ontem. Mal tem tempo para se desligar das nuances de outrora, da simetria enternecida das memórias, que davam formas à vida.

Viver é repleto dessas despedidas, desses giros que estacionam e impulsionam, logo em seguida, a alma a voar. A semente é regada todos os dias. Quedas e experiências moldam a alma, o corpo – a mente. As vivências tornam-se professoras de diversos aprendizados. Você absorve e aprimora; e quando menos se espera, floresce e frutifica. Todo dia você se despede de partes que já te representaram, para dar lugar a um novo ser humano. Mudar é sempre entrar em um estado de êxtase, em um novo cômodo jamais visto antes; um espetáculo solitário, apreciado por ninguém além de você mesmo.

Crescer é ganhar nova forma. Amadurecer e mudar são eventos pelas quais inevitavelmente todos estão sujeitos a vivenciar. Fazer novas escolhas, seguir e definir novos rumos e prioridades são sinais de que a sua alma está se despedindo de resoluções velhas. Você se sente em outro mundo, pois está adentrando em uma nova caminhada, rodeada de novas paragens. É necessário sempre estar pronto para despedidas, dar lugar a novas páginas, a novas paisagens e olhares. O mundo segue sem esperar. E cabe apenas persegui-lo, agarrando as oportunidades de crescimento que surgem diariamente, deixando para trás os dias velhos e dando boas-vindas aos novos dias, que estão de braços abertos para você.



Aspas do Autor: É assim que eu quero me sentir em 2017, adentrando novas paragens, deixando para trás velharias e dando espaço para viver novas experiências e conquistas. Uma nova fase. Assim espero. Feliz 2017 a todos. 

2 comentários:

Vitor Costa disse...

Esse texto me caiu como uma luva, Alê! Passei o dia escutando uma música do Guilherme Arantes, cujo refrão era assim: "É hora de partir, o coração sentir, saudade de você, amor"

Nunca é fácil se despedir, mas como brilhantemente você colocou no texto, há uma renovação necessária nesses processos, que são essenciais para o auto-conhecimento.

Saudades daqui! Grande abraço, amigo!

Wendel Valadares disse...

"Todo dia você se despede de partes que já te representaram, para dar lugar a um novo ser humano. Mudar é sempre entrar em um estado de êxtase, em um novo cômodo jamais visto antes; um espetáculo solitário, apreciado por ninguém além de você mesmo."

Isso aqui me pegou muito, Alê. Tenho vivido essa expectativa de querer a mudança, mas parece que algum apego acaba me segurando. Preciso fazer essa despedida pra conseguir receber o novo. Lembrei da música do Belchior: "mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem".

Sempre vem.

Te abraço.