Paraíso

27 de setembro de 2014

Foto: Tony Pérez



Não precisei ir
tão longe
para encontrar
o paraíso

Achei-o
no céu da tua boca



Aspas do Autor: Quem nunca conheceu esse paraíso? rs

Virtual

13 de setembro de 2014

Arte Digital: Lina



Ao ver quem lhe mandava recado, sorriu largo, mas disfarçado. Guardou solene a pasta com contratos e briefings de clientes no sofá da sala e foi à cozinha beber uma água antes de preparar seus pensamentos. Calmamente se aconchegou no quarto, trocou a roupa por uma mais leve e casual, condizente com o que iria transmitir. No anseio de suas tentações, coube repassar os registros daquela outra vida que em nada lhe refletia. Ali ele parecia liberto.

Ao sentar em frente ao notebook, vestiu o capuz do nobre e desejado, do romântico e sedutor jovem Paulo de 20 e poucos anos. Ali abriu a janela de e-mail, e pôde ver a mensagem de uma garota com quem ele conversava há alguns meses. Reviu alguns anteriores e adequadamente respondeu, com doçura e amor. Abriu sua rede social e sons de notificações o atraíam para fora da realidade. Ficou um pouco confuso se inteirar novamente daquele universo tão diferente.

Curtiu algumas publicações, respondeu outras e conversou um pouco com os amigos virtuais do seu perfil. Mas seu prazer era dedicado em dar atenção a uma mulher em especial: Júlia. Loura, baixa, com 26 anos e engenheira civil, a moça tinha se encantado com Paulo desde a primeira conversa. Seu jeito romântico tinha sintonizado com o compreensivo e poético modo de Paulo. Ambos se davam muito bem. Foi o tipo de situação que ele não previra, mas acabara se envolvendo de alguma maneira.

Júlia estava online tinha deixado um recado há pouco tempo para ele. Mas esse dia não era propício para conversas. Respondeu algumas mensagens, selecionou uma foto aleatória na pasta específica e publicou junto à outra frase fortuita sobre seu momento de vida. Para a moça deixou uma resposta dizendo ter saudades dela. No celular, outra mensagem chegou segundos depois. Era Júlia perguntando se podia ligar para conversar. Ele franziu a testa e respondeu que não. Disse estar em meio a uma reunião e ia chegar tarde.

Em meio a isso, ouviu o barulho de um carro chegar. Cansado, desligou o notebook, despediu-se do Paulo virtual e preparou-se para deitar. Minutos depois viu uma mulher entrar com duas crianças, que correram felizes até seus braços. A mulher, ao se aproximar, beijou-lhe com intenso amor. Desligar o notebook, foi também despedir-se de Paulo, que só existia no e-mail, nas redes sociais e no celular. Ali vivia Fernando, publicitário de 48 anos, marido de Amanda, 37, pai de José e Alice, um lindo casal de seis e oito anos respectivamente.




Aspas do Autor: Há alguns dias, uma amiga confidenciou estar decepcionada com um amigo virtual que dizia ser e sentir algo, mas na verdade não era nada do que sentia e falava. É preciso ficar atento aos personagens que as pessoas criam para ludibriar as outras e satisfazer suas motivações mais obscuras. Nem sempre é real quem existe no virtual. É preciso atenção redobrada...

Sopro célere

6 de setembro de 2014

Foto: Sandra Engberg


Tudo aparenta passar tão depressa, embaçado às vistas que mal se inteiram do ambiente que transaciona célere, em uma desenfreada fuga desapegada. A essência flui como uma correnteza sem piedade, sacolejando a estrutura móvel dos dias e esvaziando todas as estantes onde se estacionam as belezas, os aprendizados e a sanidade espiritual que tanto há na vivência sistemática e cadenciada.

Pouco se ajusta nessa soltura acelerada dos aspectos que nos abraçam. Estatelam pelos infinitos horizontes, feito luz que se dissipa inesperadamente. Perdemos o apego instantâneo, o ritmo enclausurado em nossas bases humanas. Talvez pelo desajuste íntimo e humano do tão essencial em ser, estar e viver. As brasas ondulam numa avidez pouco perceptível, de tão rápidas.

Há pouca nitidez nos pontos aos quais nos arremetemos. O raciocínio parece estar burlado por uma massa opaca, um campo de força que se alimenta de nossa concentração. Falta retoque e zelo, carinho e emoção. Dias passam como olhos piscam; anos se atropelam, feito uma frenagem que acidenta carros. Não há regra que diminua o solavanco da busca desordenada, da aceleração que incide nossos passos a um fatal arrebatamento.

Não é saudável ver a falta de cores, o cinzento se impregnar por causa do despreparo, da imperícia em pintar dias mais bonitos, em avistarmos o belo horizonte que se ostenta em nossas íntimas reclusões. O sopro célere de nosso descuido faz com que falte clareza nos detalhes ao redor, retira nossa perspicácia em perceber a avidez de um mundo essencial, de um templo que ancora nossas principais alegrias e vontades.

Perdemos o tato, o elo com a vida, com o primordial. Pairamos num ritmo deslocado e além, em uma paralela dimensão, próxima e distante ao mesmo tempo. Tudo parece desbotado, sem emoção e importância. Acontece que dispensamos em excesso nossa capacidade humana de subverter o simples em grandeza, de conferir poesia ao miserável, em dar cor ao que aparenta desprovido de vida.

A verdade é que tudo continua em sua condição normal – e natural –, desde os primórdios. Nossas nuanças humanas é que desprenderam do ciclo e se desligaram do fluxo universal, suspendendo-nos em uma correria sem precedentes. Há uma falsa noção de que as coisas passam voando. Nós é que apressamos sem precisão, sem o apuro de se alinhar nos sonhos que realmente movem nossos pés. No momento em que delegamos importância a mixarias, o essencial se perde das mãos. Tudo parece rápido, mas no fundo somos nós que aceleramos o compasso. Tornamo-nos vítimas de uma lufada ríspida e célere, lançando-nos sem direção, a lugar nenhum...



Aspas do Autor: Às vezes é bom desacelerar, apurar os olhos para o quadro bonito da vida e perceber o que de fato é essencial para nosso crescimento. Estou me disciplinando a isso.