Essência em palavras

19 de julho de 2014

Foto: Teresa Tomaz



Hoje queria que a saudade estremecesse e desabasse do meu mundo, que as glórias provindas na descoberta desse amor trouxessem as bases para me reerguer e inspirar novos olhares, renovadoras poesias. Há um descenso nos elementos que circulam pelos sentimentos nascidos no hangar dos desejos. Recapitulo as emoções para sanar rimas deslocadas pela falta de resposta, pelo retrocesso de caminhos que se tornaram ausentes, encantos limados por traços erradicados e reflexos embaçados no espelho.

Queria que a distância extinguisse suas longas garras, armas proeminentes que atemorizam minha alma sedenta pelo abraço derradeiro, de carinhos prometidos numa extensa lista de encontros fortuitos e intensos. Anseio uma vazão que oriente os passos e conclua meus temores pela perca, ou que conserte as rotas quebradas pelo inócuo silêncio que se formou nessa busca. Há um vácuo que desestabilizam minhas palavras e a farta essência que se acumula por letras cada dia mais perdidas pela falta de consonância.

As poesias suicidam-se no colo, porque temem se perder na essência desajustada, hoje aclimatada com a frieza dos dias em que sobrevivi à mudez das ruas vazias. Esvaiu-se o eco que jazia emparelhada às minhas rimas apaixonadas, leve e docemente inspiradas por olhos que não me saem à cabeça. As palavras solucionavam o querer, homenageando a essência que ainda incinera e atenua as dores. Mas hoje, contudo, fervem com a inexata sensação desprovida de um retorno falho, quase ínfimo que se acentua no peito.

Há relevos que ainda consigo pôr nas entrelinhas, vulto sincero do amor que me acompanha, de uma cor de pele que teima em colorir meus olhos, de um riso doce e faceiro que persiste – e jamais me abandonará – no semblante das declarações soltas pelos dedos que amam. Após [a semente do amor] brotar até houve época de bonitas colheitas [e inspirações], porém, as palavras passam por dias difíceis para se regar; dias nublados, torrencialmente chuvosos, frios ou secos demais. A luz quase não adentra. Poucas palavras dão consolo à farta essência que embeleza o coração.

Com dificuldade, jorro a essência em palavras arrancadas de um solo fértil onde o amor sobrevive em meio às muitas condições adversas. Poetizar na solidão, com falta de recursos e sintonia, é uma delas. Entretanto, ainda lanço-me no intuito de desalojar os muros erguidos pelo destino, pela pouca ousadia condizente nesse intervalo tão escasso de reflexos. Mantém-se, enfim, a vontade em nascer de novo, em renovar as camadas de cores de uma bonita pintura, hoje meio relegada, mas ainda muito presente. Porque o que sinto não se esvai. Bem como os olhos castanhos e infinitos que [ainda] refletem com fervor nos meus...



Aspas do Autor: As palavras seguem numa vazão, num caminho, com toda a razão... A essência é. E as palavras traduzem, ainda, o que sinto: saudade.

16 comentários:

Bandys disse...

Toda separação é triste.Ela guarda memória de tempos felizes ( ou de tempos que poderiam ter sido felizes....)e nela mora a saudade."
"As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos palavras para melhorar os olhos. Porque é nos olhos que esta
a essência da alma.
A saudade é o bolso onde a alma guarda aquilo que perdeu.
Gostei do texto.
beijos

Mayra Borges disse...

Como sempre um texto muito bonito, mas impregnado de melancolia e saudosismo. Suas palavras doídas, me fizeram lembra um dos poemas de Drummond:

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Pois é, e que apesar das despedidas, da saudade e adversidades; tudo aquilo que for lindo permaneça.

Forte abraço, Alexandre.

eraoutravezamor.blogspot.com
semprovas.blogspot.com

Ariana Coimbra disse...

Soaria masoquismo eu dizer que amo "poetizar na solidão" ?
Mas sem separações e finais tristes.
Você continua poetizando lindamente bem Alê!

Carol Rodrigues disse...

Tão visceral que não sei o que dizer. Sinto falta dessa explosão, de escrever assim. Que bom que vc não se perdeu. É muito bom vir aqui te ler ♥

Vitor Costa disse...

Você descreveu liricamente o processo criativo tortuoso, pelo qual o poeta imerge em busca de inspirações para ordenar as palavras espalhadas "mar", sendo que essas epifanias se revelam, quase sempre, em lembranças e momentos soturnos enjaulados nos porões do coração.

Muito belo!


O Mundo Em Cenas



Lunna disse...

O adeus é sempre assim, um pouco dolorido e cheio de flashes, de memórias que não conseguimos controlar.

Beijos

http://manuellamontesanto.blogspot.com.br/

Renato Almeida disse...

Fiquei sem palavras diante de tais palavras. Como sempre nos prendendo ao texto de forma única. Muito bom!
http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

Anônimo disse...

Perdas acabam se tornando poesia, que coisa. Escrever sobre o fim acaba ajudando a seguir em frente. Espero que você encontre leveza por aí e deixe o peso só nas palavras.

Um beijo

Mafê Probst disse...

Me soou tão, tão, mas tão triste Alê. Sei lá, isso de solidão e saudades sempre me remetem lembranças estranhas, embora a rotina faça tudo ficar levemente bem.

Beijos!

Aline Goulart disse...

Apesar da dor e da tristeza, cada palavra deste post é a essência do verbo sentir. Apesar de... é belíssimo o seu texto. E a tal solidão, apesar de tudo, ela inspira de forma profunda e intensa, não é mesmo? Obrigada pela sua visita.

Mari Mari disse...

"As poesias suicidam-se no colo, pq temem se perder na essência desajustada" - eu sempre tenho que citar alguma coisa no seu post, pq sempre tem aquela frase que eu acho genial. Preferi aquar(ela), pq faz mais meu tipo, mas esse texto também está muito bom, de verdade.

Anônimo disse...

O que tá acontecendo, você está bem? Porque essa depressão toda?!

Nanda Torres disse...

Obrigada pela visita e pelo carinho :)

Nanda,
http://lladodedentro.blogspot.com.br/

Unknown disse...

Confesso que faz muito, muito tempo, que não leio esse tipo de literatura. Muito menos tempo ainda em que o escrevo. Tive que ler algumas vezes para realmente entender o que estava falando, e estou impressionada com tua linha de raciocínio e lidar com as palavras.
Me lembro de ter me sentido assim, mas está meio torpe essas memórias. Sabe, por mais clichê que seja, tudo passa. Inclusive a saudade.
Adorei seu espaço. :)

beijos.

Gabriela Freitas disse...

Das marcas mais doídas que um amor pode deixar a saudades é a pior delas, esse clima nublado que invade a nossa casa no meio do verão e entristece a alma só tem uma cura, por mais clichê que seja, o tempo. Vai passar, essa tristeza toda logo dará lugar para um novo dia azul reinar.

http://www.novaperspectiva.com/

Essência e Palavras disse...

Tingimos o imaginário com cores de esperança... Belo, o seu texto!