Poética involuntária

21 de setembro de 2013




“De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.” [...]
Poética - Vinícius de Moraes


Escrevo por vezes, sobre nuances que não me cabem nos olhos e mal se encaixam na minha inocente meninice. Sou elevado pelo sabor de um vento que trepida minha pele com um afeto aprazível e aconchegante, tão afetuoso que me abranda com carinho. É este sopro que me traz o que não sei. Meus dedos assumem o controle, transcrevendo momentos que escapam ao meu humano entendimento. Só sei que às vezes falo sobre sentimentos pelos quais mal senti na minha vida, sobre fatos que sequer tive oportunidade de presenciar ou viver.

Meu peito é coberto com esses invólucros sensoriais, capazes de, no íntimo, precipitar sentimentos nunca antes assimilados, momentos jamais vivenciados. Torno-me possuidor de tesouros alheios a mim, de delicadezas que fogem da minha compreensão, do meu estado pueril e finito. Essa condição transaciona meu ser a um deslumbramento sem igual. Muito embora, é esse acalanto que entrincheira minha alma numa insuspeita osmose, numa forma curiosa – e involuntária – de colher encantos desconhecidos. Capto na distância, no limbo em mim, num abraço furtivo do mundo.

Cresço e decresço diante de adereços que circulam pelo meu coração de forma quase indescritível, numa presença invisível, mas sentida por mim. Sinto-as e traduzo, reitero-as numa franca confissão, em palavras muitas vezes ignoradas por mim, em construções literárias que vão além do que eu posso alcançar ou explicar. Sou porta-voz de olhares nunca vistos, de sentimentos nunca germinados e perpetrados nas vielas humanas. Padeço numa intromissão poética que me seduz com demasiada inspiração, pousando suave seu encanto nas minhas pétalas.

Inundo-me com uma poética que adentra sem pedir permissão, visitando-me à distância sem que haja o toque com o meu universo. Amor que rodeia e me abrange. E capto. Mergulho. Num segundo me abundo em uma nascença inconsciente, num mar de encantos que por vezes trespassa a fronteira do meu tatear, do meu fino e suave passo. Sou acalentado com a poesia do amor, de todo um afeto que adorna o ambiente ao redor. Sem explicar, sem entender, me torno mensageiro sem saber o teor do conteúdo. Sou poeta voluntário, numa involuntária inspiração, numa nascença que transcende o meu coração e quaisquer escolhas. Nasci sem saber. Exalo sem querer. Sou porque a vida me fez.



Aspas do Autor: Sou sujeito de um ato que se transcende. Porta-voz de um amor que, por vezes, mal sei explicar, mas inteiramente sinto-o em mim. A poética me alinha. Deixei de entender. Porque não dá. O importante é que sou.

15 comentários:

Wendel Valadares disse...

"[...] Pra quem mora na palavra
não existe casa sem poesia."
(Priscila Rôde)

Alê, a palavra mora no seu olhar.
Suas mãos escrevem o que se derrama do seu coração de homem-sensível, seu coração de poeta.

Escrever, é antes de qualquer coisa, a arte de aprender a olhar, ainda que de olhos fechados.

Um forte abraço.

Renato Almeida disse...

Como sempre um belo texto, adorei muitos dos quotes no texto, mas duas palavras juntas me chamaram muito atenção "cresço e descrevo" acho que vive acontecendo isso comigo, e com muitos.
Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

Ana Flávia Sousa disse...

Escrever é viver com a alma fora do corpo, por isso nos é permitido sentir e ver através de olhos, que podem ou não ser nossos.

Bom sua visita! Volte sempre ao Pratododia!

Ana

Kassya Araújo disse...

Gosto de encontrar blogs em que homens escrevem, gostei da forma como organiza as palavras

Flor de Lótus disse...

Oi,ALF!Belo texto como sempre é escrever é algo mágico a inspiração surge do nada as palavras simplesmente vem a tona sem muito porquê ou explicação elas simplesmente surgem do nada.
Uma ótima semana!
Beijoss

Gabriela Freitas disse...

Sempre me deixando sem palavras ♥
Lindíssimo.
Não tem nada mais bonito e especial do que escrever bem, saber escrever, e gostar disso.
http://denovomaisumavez.blogspot.com.br/

Ariana Coimbra disse...

O segredo de quem escreve poesias é esse. Sentir o que nunca sentir, viver o que nunca viveu e passar isso pro papel da maneira mais linda possível.
Você é porque o seu coração te faz.

Beijos

Fernanda Fraga disse...

É essa a magia da inspiração, nos fazer viver aquilo que não viveniciamos, aquilo que projetamos na escrita viver no futuro próximo. ou quem sabe afinar com ternura aquilo que já se viveu, mas com a delicadeza moldada vistas pelos olhos da inspiração. bjos.

Unknown disse...

Oie...
Tudo bom?
Que texto lindo... *-* Amei...

Adorei seu blog... Já estou seguindo...
Depois dá uma passadinha no meu cantinho para conhecer e se puder segui-lo ficarei muito grata...
Beijos

Relíquias da Lylu =D
http://reliquiasdalylu.blogspot.com.br

Kézia Martins. disse...

Que lindo! Acho que Caras que escrevem deveriam ter um valor enorme. muito perfeito.
http://b-uscandosonhos.blogspot.com.br/

Unknown disse...

Olá Alexandre
Estou conhecendo seu blog agora e adorando a forma como escreve. Gosto de pessoas que sabem usar as palavras e escrever belas poesias. Parabéns.

Estou seguindo seu blog para acompanhar as atualizações e sempre que puder fazer uma visita.
Abraços

http://reaprendendoaartedaleitura.blogspot.com.br/

Mafê Probst disse...

O que basta é ser. E se você nasceu sendo, que dom. ♥

Beijo

Raíssa França disse...

Muito bonita a forma que você escreve, parece que as palavras combinam com você. :*

Bandys disse...

Eu cheguei! Mas não tive como ler tudo isso.

As vezes a gente que faz a vida!1

beijos

Volto depois com mais calma

Anónimo disse...

Oi, querido Alexandre!

Obrigada por tuas palavras tão carinhosas e sinceras lá no meu blog.

Li teu texto mais recente, sobre partilha e doação, mas não encontrei o link dos comentários. Não sei se faz parte do teu livro ou não, esse texto. Achei estranho. Tens essa opção fechada, agora?

Beijos.