A lagartixa

18 de maio de 2013




Ele escondia os sonhos numa velha gaveta na escrivaninha da sala. Os amores ficavam na estante da sala, agora empoeirados pelo tempo e pelo descaso. As lembranças estavam coladas no mural do quarto, porém desbotadas e desorganizadas. As dores foram espanadas para debaixo do tapete, as vitórias e os tesouros encaixotadas no sótão. As alegrias foram aprisionadas no porão e a felicidade escapuliu pelo ralo do banheiro... 

A fé, tão pujante foi expulsa de casa. A esperança que tanto queria adentrar ao recinto fracassava ao topar com as janelas e a portas trancadas. Tudo se foi quando ele deixou de viver. Tudo findou quando se escolheu morrer. Apenas a solidão esfriava suas espinhas, cutucava com dedos ásperos a sua vaga alma, perdida em si, alienada e abstraída do mundo.

Os olhos trancafiaram as belezas mais profundas e incisivas, as bonitezas que se alastravam faceiras pelo seu coração – agora triste e amuado. A chama tinha se apagado e o escuro dominado o seu íntimo ferido e desalmado. Quem o faria? Quem o salvaria? O sangue já não corria tão escarlate quanto antes, nem tão morno quanto deveria. A vida esvaía-se com ferocidade, evidenciando a sua indiferença pessoal, seu abandono a si.

Mas tudo mudou quando uma pequena e fina luz encontrara um mínimo espaço para penetrar na sala, desvencilhando-se por uma brecha entre a cortina e a janela. A luz incidiu bem em seu peito. Isso o alertou, aqueceu e o inquietou. A poesia e a esperança tinha um jeito estranho de reviver as coisas mortas. Quem ia imaginar que uma lagartixa faria a cortina se mexer o mínimo suficiente para a luz adentrar... Coisas curiosas da vida.

A luz – e a lagartixa – reavivara sua vontade em viver, em ser feliz. Ele saiu do limbo e renasceu ostentando o sorriso mais lindo que já se vira.



Aspas do Autor: Às vezes uma pequena intervenção da vida pode nos deixar suscetíveis novamente. 

12 comentários:

Tay disse...

Gostei bastante do conto :)
você escreve muito bem.
Bjus ;*

TOM MORAIS disse...

Você é muito bom em escrever. Texto super criativo.
cronicasdeumlunatico.blogspot.com.br

Mayra Borges disse...

Fantástico. Fiquei boquiaberta com esse teu texto, do começo ao fim me chamou muito a atenção, às vezes a gente se rende a dor e depois da dor a gente se rende ao desleixo de si mesmo. Eu costumo dizer que os sentimentos mais bonitos não são traduzidos nas grandes coisas, que eles estão nos detalhes e foi exatamente isso que o teu conto passou pra mim, o enorme poder que a gente quase desconhece, o poder das sutilezas e delicadezas da vida. A luz e a lagartixa, natural, pequeno e ainda assim de poder e significados incalculáveis.

Parabéns, você escreve divinamente.
Beijos, Alê. (Posso te chamar assim?) rs

www.semprovas.blogspot.com

Unknown disse...

Maravilhoso, Alexandre. Esses detalhes e a riqueza da sua escrita me encantaram do começo ao fim, parabéns! Além desse mergulho do protagonista e a intervenção da pequena lagartixa, super criativo e admirável. E as aspas do escritor foram perfeitas. Tudo lindo!

Beijos, Arih.

Monique Premazzi disse...

E é verdade. Alguns momentos que podem parer impossíveis de acontecer, acontecem e mudam tudo.

Não podemos desistir de viver, mesmo que seja dificil e mesmo que aparentemente não tenha nenhum motivo para isso. A vida é uma só, merece ser vivida até o fim.

Lindo texto, amigo. Você é ótimo com as palavras, isso ninguém tem dúvidas. Senti saudades daqui. Estava muito preguiçosa para responder comentários, fiquei muito mais tempo do que imaginava sem responder o pessoal, mas aqui estou para matar as saudades.

Beijos,
Monique Premazzi.
http://www.secretsofalittlegirl.com/

Ariana Coimbra disse...

Primeiro escolhi uma trilha sonora a altura do texto fiquei com " When I Was Your Man - Bruno Mars"

Ás vezes quando me encontro assim, sem fé, mergulhada na tristeza, desanimo,com minhas alegrias aprisionadas pode ser uma simples largatixa que faz o brilho dos meus olhos voltarem, essa lartatixa pode ser uma palavra, um texto, uma música, um abraço. Depende tanto e são coisas tão simples.
Mas nunca podemos desistir.
Lindo texto Alê, tenho muito o que aprender contigo.

Beijos

Renato Almeida disse...

"Fantástico", "Brilhante", e demais qualidades poderiam ser colocadas para esse texto. Como sempre tento uma delicadeza e sensibilidade incrível com seus texto, muito mais que bom, Excepcional. http://desventuras-em.blogspot.com.br/

Camila Mancio. disse...

Belo Texto

Anônimo disse...

Muitas vezes, necessitamos de um puxão de orelha para sairmos do vazio. Não basta exibir ou encaixotar as glórias no sótão: é preciso buscar novas conquistas.
Abraços.

Luzia Medeiros disse...

Que texto maravilhoso! Quantas vezes abandonamos a felicidade e depois algo tão singelo nos faz enxergar o brilho novamente o brilho lindo que a vida tem.

Beijos.

Amanda Tôrres disse...

Mas que lindo, nossa, eu adoro a forma como você escreve. Eu nem estava pensando em ler nada agora mas não consegui parar de ler esse aqui. Voce tem planos de lançar um livro ou algo assim :? Bom, já tem uma leitora.
Beijos
barradosno-baile.blogspot.com

Maíra Cunha disse...

Eu confesso me senti um pouco como o personagem, seu texto mexeu comigo, pois passei uma boa parte da minha vida morta e agora estou sentindo como se uma luz penetrasse sobre a minha sala! Alexandre meu querido, por favor, nunca deixe de escrever!

fazdecontatxt.blogspot.com