Ao abrir a gaveta da minha escrivaninha encontrei aquele colar contendo um pingente com a inicial do seu nome. Me deste naquele nosso encontro no terraço do seu prédio. Lembra-se do pôr do sol? Do vento morno que acariciava nosso abraço? Uma das coisas mais bonitas que ganhei de ti em um dos momentos mais felizes da minha vida. E agora estava ali, tamanho tesouro, misturado aos papéis sem relevância espalhados pela gaveta. Perdoe-me. Eu errei em querer escondê-la, em tentar ludibriar os olhos do meu coração. Perambulei absorto sem querer raciocinar. Abrir a gaveta me permitiu acender novamente o coração. O suficiente pra te ver bela e radiante. Ainda.
Acordei ainda sonolenta, com a cabeça pesando quilos e ao esticar o braço derrubei sem querer a caixinha de música: aquela que você ganhou no “tiro ao alvo” na última vez em que o circo esteve em nossa cidade. Ouvir “Für Elise”, de Beethoven, me transportava até você. Eu podia sentir os teus dedos gelados sobre as minhas mãos, tua respiração quente sobre o meu ombro, o cheiro doce de madeira que vinha do seu corpo... Doía-me saber que nós nos resumimos a lembranças e objetos inanimados. Segurei a lágrima e respirei fundo. Eu não posso chorar, não devo e não vou.
Seu perfume ainda impregnava o colar. Ao acariciá-lo com a mão, senti desnudar-me com a inflamada lembrança da sua pele macia e cheirosa. Suspirei. Você rimava em meu coração feito poesia de Vinícius. Cambaleei inebriado no quarto enquanto você me penetrava à distância. Por um momento senti falta do teu calor, da tua presença febril que aninhava meu olhar e causava frisson em meu sorriso. Transportei-me até o gosto doce do teu beijo, aquele devagarinho e cheio de mordidas leves. Senti que já não raciocinava direito. Percebi-me incapaz de te encobrir do coração. Fui tolo demais. Teus vestígios eram fortes e intensos. Lágrimas nasceram... Não tive forças pra segurá-las...
Eu não tinha domínio sobre mim e as lágrimas, involuntárias, traíam-me descaradamente. Sentia-me, apesar de tudo, feliz por estar sozinha naquele quarto. Por não ter de dar explicações a ninguém e sentir os olhos piedosos de quem quer que fosse sobre mim. Os meus olhos chorosos assemelhavam-se as cascatas que outrora visitamos e, até isso, me fazia chorar. Desaguei. Não compreendia como todo o universo conspirava a nosso desfavor e não entendia como tudo ao meu redor me conectava a você. Guardei a caixinha de música e tentava preservar ali dentro o meu coração, ou que sobrara dele, numa tentativa quase que vã de mascarar o que realmente sentia por você e a falta evidente que você causava aos meus dias.
Tentei me recuperar e espairecer. Fui até a biblioteca ler um livro para ocupar a cabeça. Mal conseguia intercalar os pensamentos. Peguei o primeiro por impulso. Por obra do destino foi “O Caminho pra distância” de Vinícius. Um dos que mais gosto. Mas a minha surpresa maior foi quando encontrei, dentro dele, um pedaço de papel com a sua letra. Tive um sobressalto. Meu coração acelerou. Não sabia dele. Li com emoção... Havia trechos de uma música muito especial, da sua banda favorita: You don't understand me, my baby, You don't see to know that I need you so much. You don't understand me, my feelings. Senti você ali sussurrando no meu ouvido aquelas letras tão significativas. O coração se rendeu de vez... Talvez agora eu seja capaz de te entender...
Enxuguei os meus olhos e ao olhar para o espelho pude perceber o leve inchaço que havia recebido de brinde. Não podia ser tão fraca, eu não queria ser. Olhando para a cabeceira vi aquele cd do Roxette que você me deu no nosso primeiro natal juntos, coloquei-o no pc e procurei minha faixa preferida: “You don't understand me”. Queria poder dizer a você que ouvisse aquela música, que soubesse que realmente é o único, que estou aqui caso queira me encontrar, que eu aceito as suas desculpas e posso confiar que as coisas serão diferentes, que você mudou e que nossa história será bonita. Porque assim como a canção diz, quando minha boca encontra a sua já não tenho certeza de onde começo e termino. Só queria que tudo fizesse sentido, que você viesse, que mostrasse e me ajudasse a vencer o meu orgulho. Mas você não me entende, meu bem. Não entende.
Aspas do Autor: Esse texto inaugura um novo ''elo'' aqui no blog, o ''Mãos e Olhares" - uma novidade para esse ano - onde publicarei textos em parceria com alguém. Será um elo de almas e pensamentos, uma troca de olhares na escrita. Poderá ser um conto, um poema ou mesmo uma crônica, sempre seguindo o propósito desse blog de passar mensagens e escrever sentimentos da maneira mais verdadeira. Pra começar de forma brilhante, publico este conto em parceria com a linda e talentosa Mel Marques, do blog Pedaços. Espero que gostem. Quem tiver interesse em escrever um texto comigo é só falar. Abraços à todos.
11 comentários:
Poxa que lindo. É tão triste quando algo que era tão importante acaba e a gente olha para trás e é estranho pensar que agora aquilo tudo são apenas lembranças; Vocês dois escrevem muito bem e eu adorei essa ideia de texto em conjunto
Beijos
barradosno-baile.blogspot.com
Uma bela iniciativa teclar a quatro mãos, principalmente quando os autores conseguem alcançar a alma da gente.
Começos e fins encontros corriqueiros em nossas vidas...mas aqui teve outro sabor.
Abraços aos dois.
Nossa! Que lindo esse texto.
Intensidade, amor, saudade...
Belo....
Beijinho
Uma parceria de sucesso, sem dúvida. Perdi o fôlego!
Beijinhos!
Também adorei a parceria! e o tema... sensacional né? falar sobre a mudança. A saudade. tudo de bom!
bjo
Essas recordações são as mais lindas!!!
Que lindo! Esse foi um dos contos mais belos e sublimes que já li. O amor quando é verdadeiro sempre fica uma lembrança espalhada por todos os lugares, e mesmo se não houvessem os objetos para fazer-nos lembrar, mesmo assim, o coração não deixa esquecer.
Beijos. Obrigada pelo carinho de sempre.
Olá, eu adorei seu blog e resolvi indica-lo lá no meu :)
Espero que goste
Beijos
http://barradosno-baile.blogspot.com.br/2013/04/tag-e-parcerias.html
Se não me engano, já li esse texto, lá no "Pedaços" mesmo.
E achei que a parceria deu certo. Há muita sensibilidade em vocês dois.
Abraços.
Bela parceria Alê, ficou muito intenso o conto e lindo!
Adorei!
Beijos
Olá me chamo Henrique Albuquerque editor chefe do Garotos Modernos. Um blog referente a moda masculina no Brasil e no mundo. Estamos convidando a todos para visitar o nosso novo espaço. você esta sendo convidada(o)
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