O desvio

17 de novembro de 2012




Aquela tarde no centro da cidade deixou o moço bastante cansado. Depois de vender todas as frutas e legumes, arrumou todas as coisas, juntou-as na carroça e seguiu rumo a seu sítio, que ficava a muitos quilômetros dali. O cavalo seguia com firmeza, porque ao contrário dele, estava descansado e com muita energia. Durante o caminho, o moço abria e fechava os olhos. Era tão nítido o abatimento, que mal percebeu o cavalo desviar da rota e seguir por outro caminho. Uma trilha pouco utilizada por levar o dobro do tempo que o outro comumente seguido, por conter muitas curvas, devido aos rios e as florestas. 

Quando ele se deu conta, ficou um pouco assustado. Era tarde pra voltar. Não conhecia a trilha. Porém sabia que ia demorar muito mais tempo que o previsto para chegar. Sua família ia ficar preocupada. Resignado, só restou-lhe ficar atento aos perigos e às surpresas. Porém, ao prosseguir, ia se maravilhando com o que via e seu semblante ia se tranquilizando. As muitas curvas o levaram a ver um bonito campo de cerejeiras e vastos jardins floridos com as mais belas tulipas e margaridas. Ele nem piscava. Ele nunca tinha visto coisa mais linda. 

Ao adentrar uma floresta densa, pôde atravessar um riacho raso de água cristalina. E logo em seguida uma queda d’água de esplendor sensacional. Vislumbrar as belezas o deixou agraciado, com a alma intensamente elevada. Tudo encantava as vistas e amansava o coração. Ante a magnitude das belezas visíveis a cada metro que andava, seguia com os olhos vibrados e o coração bastante acariciado. Ele percebia pelo modo como o vento resvalava um encanto sublime, uma essência que, devido à fluência desenvolta ao redor, penetrava doce no peito. Absorvia o néctar do oxigênio com uma vontade esfuziante. Ao caminhar por entre o campo de lavandas, sentiu-se inebriado com a transfiguração suave que os olhos captavam. Os aromas se impregnavam em seu espírito. 

Ao sair da floresta a noite ia pedindo licença, o que permitiu ao moço presenciar um lindo poente no horizonte, quando o sol se escondia aos poucos entre as montanhas e as nuvens, criando faróis de primorosa formosura que chispavam com uma claridade frouxa, mas graciosa, os campos à sua frente. O céu, nesse espetáculo que antecedia a noite, se pincelava em puro contraste, reluzindo uma mescla de tons alaranjados e arroxeados, em consonância com a fuga furtiva do sol e seu brilho... 

Teve a grata oportunidade, após um inesquecível crepúsculo, de testemunhar o surgimento gradual das estrelas no céu noturno. Um sentimento de paz se alastrou em seu íntimo ao ver aqueles vagalumes tão distantes no céu a conversarem com ele por meio de suas cintilações encantadoras. Já tinha esquecido o cansaço e até que ia para casa. Estava em estado de êxtase, profundamente tocado com as belezas pelas quais ele fora capaz de contemplar. 

Mal percebeu quando chegou. Muito tarde, quase três horas depois. O casal de filhos estava no portão à sua espera. E ambos correram felizes até o encontro do pai. Estavam preocupados e com extrema saudade. O moço abriu um largo sorriso e os braços para receber os filhos. A mulher mais ao longe corria para alcançá-lo. Visivelmente preocupada, abraçou e o beijou muito. Nada precisou ser dito. O moço não se conteve ao revê-los, ao sentir tanto carinho e amor. A emoção do momento, de ser envolvido em seus braços desmanchou de vez sua alma tão enlevada pelas ultimas horas. Foi a dádiva derradeira... 

Nunca um reencontro com sua família tinha sido tão intenso quanto àquele. A saudade tinha se inflado e num instante, dissipado. Chegar em casa nunca foi tão feliz... A vida, ao fazê-lo desviar da rota comum lhe presenteou com um belo ensinamento: o caminho mais longo pode esconder maravilhas jamais vistas e sensações jamais sentidas, mas nada comparado ao que a saudade tinha propiciado a ele e sua família. Depois das enriquecedoras experiências vividas e sentidas no desvio, aquele reencontro era sem dúvida a maior de todas...



Aspas do Autor: Creio que não devemos nos intimidar com os desvios em que a vida naturalmente nos leva a fazer. Algumas maravilhas e ensinamentos se escondem nos caminhos mais longos. Essas descobertas extasiam a alma e permitem-na chegar mais plena no destino. As belezas se tornam preparativos para uma felicidade mais intensa, algo que talvez o caminho mais rápido e curto não propicia, porque não dá tempo de nos preenchermos em encantos e em aprendizados, ou mesmo naquela saudade bonita pra depois ser esvanecida nos braços de quem amamos e nos amam...

10 comentários:

Luzia Medeiros disse...

Um conto perfeito! E eu amo contos!

Muitas vezes precisamos desviar o caminho para encontrarmos outras maravilhas que dá brilho a vida, que reluz em tons únicos, abrilhantando o nosso viver.

As vezes não damos valor as pessoas ao nosso lado, mas quando a saudade aperta o peito percebemos o quanto são importantes.

Amei cada palavra, parabéns por essa sensibilidade ao manusear as palavras com tanta delicadeza, com riquezas de detalhes. Me vi caminhando naquela floresta, vendo o crepúsculo, as estrelas brilhando no céu de uma noite perfeita.

Beijos, tenha um lindo domingo.

Anónimo disse...

Oi Alexandre, querido!

Não li ainda esse teu texto, que logicamente, não poderei comentar, agora. Virei, depois.

Vim até "junto" de ti, para te agradecer o FABULOSO E ESTRONDOSO comentário, que deixaste no meu blog.
Atingiste o "Evereste", com a tua sapiência, sensibilidade e caramba: "um homem não é de ferro".
Gostei que te exprimisses daquele jeito, afinal, era o que estavas sentindo, então por que não o dizer?

És ainda muito jovem, mas tens um coração pronto a pulsar a qualquer instante, pronto a se desamarrar e saltar ameias, se necessário for.

São os elos, os teus elos, onde por vezes, fico prisioneira, como agora, mas há um horizonte, que é sempre nosso esconderijo.

OBRIGADA PELO TEU SENTIR E PELA FORMA COMO TE DÁS, QUANDO RECEBES.

Um dia desses, e a propósito de poesia, te vou lançar um desafio. Será que aceitas? Sei que a tua resposta será SIM, porque sonhas e "voas" muito alto.

Bendita a mãe e o pai que te geraram!

Boa semana, com amor.

Beijos da Luz, que te "enlaça" nas ciladas da sua escrita.

Bandys disse...

Olá Alê,

A vida as vezes nos faz essas surpresas e um desvio mais longo nos faz enxergar além.
O final do seu conto foi maravilhoso, porque não há surpresa maior do que aquela que as pessoas que nos rodeiam nos proporciona.

Depois desse elogio da Luz(inevitável não ler) você será o próximo candidato à Academia Brasileira de Letras.

Beijos
PS: ta amando hein!! rsrsrs

Blog Love In Red disse...

Eu sou apaixonada por contos, ainda não escrevi nenhum. Vou te confessar uma coisa. Para mim, a Luzia Medeiros (Luh) é minha blogueira favorita em contos, e voce, é o segundo do qual eu admiro e amo ler.


Perfeito! *-*

Daniel disse...

Que conto bonito, cheio de ensinamentos moço. Gostei muito do seu blog, se me permite, ja estou lhe seguindo. Gostei de todos os momentos e das criações em minha mente de cada fato contado por você. Tenha uma excelente semana!

Dan

Fabiana Nunes disse...

Oi, querido amigo! :)
Coincidência, mas sempre que venho ao seu blog é porque preciso de palavras doces e sempre encontro! O conto é muito bonito e sensível. Entendi que fala de amor pela vida e por Deus e suas belas obras. Obrigado!

Anónimo disse...

Oi, querido Alexandre!

Venha sentar-te junto de mim, venha!
Calma e mansamente, ele caminha até mim, me olhando como lince e como cordeiro, simultaneamente.
Se instalou no mesmo sofá que eu e começamos a nos olhar.
Que estranho! Que sensação!
Ele, era aquele "minino", que estava ali comigo. Dócil, perfeito, harmonioso e tão permisso.
Começamos nossa conversa, como geralmente, começam todas essas conversas: trivialidades.

Lhe toquei o rosto, num afago, quase maternal e lhe disse o que pensava da sua escrita. Pensamentos e desabafos, que precisa mostrar, revelar ao mundo.

Seus olhos brilhavam, incessantemente. Aparentemente, tímido, nem falou. Como resposta, agradecimento, me deu um beijo no cabelo, que ficou mais sensível e suave.
Esvoacei por entre o tempo e as nuvens do meu sentir.

Seu texto, querido, é mais um excerto perfeito da Literatura.
Sensações várias você nos consegue transmitir.

Por vezes, é bom, engrandecedor, um desvio. Conseguimos depois dar mais valor àquilo a que chamamos de normal.

Perdidos em algum lugar ou pessoa e apreciando tudo o que ele/ela nos possa transmitir, nunca devemos esquecer o anterior cenário.

Óbvio que há casos, em que o afastamento, o desvio voluntário ou não, é uma mais valia para nós, mas nem sempre assim acontece.

QUE BOM UM ABRAÇO, UM BEIJO E UM CARINHO NO TEMPO E NO LUGAR CERTO!

A família e os amigos são nosso amparo. Melhor que eles, só mesmo Deus.

Te desejo dias lumionosos, com harmonia e glórias.

Beijos da Luz, que, por vezes, te ilumina e te seduz, amigavelmente.

Juliane Bastos disse...

Você simplesmente arrasa nos contos, eu fico cada vez mais encantada toda vez que venho aqui e encontro tuas palavras cheias de vida, de sentimentos, de histórias.

Digo que sempre que desviamos de algo, encontramos algo melhor, ou não tão desejado. Tudo que passamos tem seus motivos, por isso é necessário as vezes fazer alguns desvios.

Gostei muito, parabéns! :)

Luzia Medeiros disse...

Que o seu dia seja cheio de luz.

Ps. Estou sentindo a tua falta no Chuva de palavras,quando tiver um tempinho e quiser aparecer será sempre bem vindo.

Beijos.

Srtª Elis° disse...

Ola grande e nobre .... lindo seus contos um verdadeira musica a vida...
Tão saber que parte de vc um jovem palavras tão belas....
Um enorme abraço e saudades..
Psiu: to dodoi... venho com muita dificuldade postar algo.. .mais um xero bem grandeeee !