O amor não é cego

5 de maio de 2012




E quem disse que é, nunca amou... 


Foi num fim de tarde, no café na esquina da rua em frente ao parque. Foi num esbarrão. O copo de milk-shake de morango caiu na blusa de seda azul da moça. E ele acabou molhando seu suéter vinho com o seu suco de laranja. Nenhum dos dois soube o que fazer. Depois de tanto tempo acostumados à suas dificuldades, dificilmente se esbarravam em alguém. Ficaram visivelmente sem graça e um pouco deslocados. Ficaram soltando palavras no ímpeto do acidente e se confundiam em pedidos de desculpas embaralhados com perguntas sobre o estado um do outro. Estavam nervosos e preocupados.

Em meio à confusão do esbarrão suas mãos se encontraram. Neste exato momento, as outras pessoas ao redor num instante desapareceram. A realidade ao redor se diluiu. O roçar de seus dedos soube elucidar bem algo que eles tanto buscavam decifrar. Dois universos se chocaram. Talvez num primeiro momento eles não soubessem a magnitude daquela sensação, mas algo os deixou inebriados. Os dois tinham seus tatos aprimorados. Talvez por conta de suas necessidades. O silencio permeou um pouco aquele inusitado encontro. Mas mal eles sabiam, aquela mudez explicava com maestria o que surgia. Inesperado? Quem sabe?

A calmaria então foi morar no semblante dos dois, embora isso não fosse relevante para eles. A pele um do outro ardia, mas em fragrância. E os dois se sentiram, exalaram e se entenderam numa muda interpretação. Leram o que suas peles sussurravam uma para a outra. Ambos ficaram enrubescidos. Desvencilharam os dedos sob um acanhamento mágico que reluzia no jeito puro dos dois. Mas sentiram um ardor percorrer o corpo. Agora depois do susto conseguiram sentir com mais plenitude o perfume um do outro. E os pensamentos flutuaram sobre tapetes invisíveis de poesia. Os toques tocaram, só que mais fundo, mais além da pele. Os perfumes passearam pelo olfato, mas aquele que vive lá dentro.

E acabaram se sentando juntos numa mesa para se desculparem, se ajudarem. Mas no fim o esbarrão acabou sendo deixado de lado e quaisquer problemas foram esquecidos. Suas mãos se encontraram novamente. E o modo como se tocavam e buscavam um ao outro era bastante familiar. Isto por si só foi suficiente para que descobrissem o melhor que tinham em comum. E não era só o apuro no tato. Era mais. Eles sorriram em sintonia diante da descoberta. Seus dedos falavam um ao outro. Suas mãos se confessavam e se rendiam diante daquela intervenção do destino.

Eles conversaram muito. Ele falou de seu cotidiano, de seu gosto por pop rock, bateria e pintura. Ela falou de sua fissura por balé, por flores e violão. Ela falou de seu gosto em ler, e ele em compor canções. Ela se emocionou ao falar de seu cachorro de estimação, o Lu. Ele contou o quanto ama sua avó Neida; que quer se tornar um artista plástico. Ela disse que adora cheiro de chuva e ele que ama cheiro de rio. Ele falou da sua vontade louca de viajar para Nova Zelândia e se aventurar. E ela contou que sonha ir para Madrid para namorar.

Por durante horas ficaram ali. Vez ou outra ele afagava o rosto dela para senti-la, para delineá-la com a pura imaginação. Suas mãos macias passeavam pela textura dos cabelos dela. As mãos dela pareciam compor melodias ao acariciarem o rosto doce do rapaz. As mãos dele pareciam seguir o ritmo das batidas dos seus corações. E os dela soluçavam em sentimento. Muito eles imaginavam. E isso era o que os encantavam. Suas mentes ficavam inundadas em supostas imagens. E tudo era perfeito por isso. Porque era da forma como eles queriam e pensavam.

Algumas coisas se perdiam porque os dois não podiam enxergar. É verdade! Ela tinha olhos azuis, e mechas louras que estribilhavam seus encaracolados. Mas ele nunca iria conhecer. Ele tinha olhos castanhos, e cabelos de um preto vivo que jamais ela iria ver. Ela tinha uma pele branca, e ele era moreno. Detalhes assim eles jamais iriam mensurar. Mas o que era isso diante do que podiam ler no toque, do que podiam enxergar só no farejo leve do coração? Nada. O que era importante eles viam sem que precisassem ver. Sei que os encontros continuaram. Bem ali, no café na esquina da rua em frente ao parque. O sentimento cresceu. A história dos dois se firmou e transcendeu pra além dali. Um bonito enlace de amor surgiu de forma inesperada, mas não permaneceu por acaso. Afinal de contas, eles eram cegos, mas o amor não...





Aspas do Autor: Porque às vezes não é preciso ver pra saber, para sentir... As vezes os perfumes se mesclam como bons ingredientes, e as peles se entendem perfeitamente, como peças de encaixe... Numa muda sintonia! O amor não é cego. Nós é que às vezes somos... Diante dos "esbarrões"... Meu carinho à todos!

13 comentários:

Ale disse...

Ah!

O amor não é cego?
O meu sempre foi,

Sempre!


Ando saudosa de um encontro desses...



bjkas

Ataniel Santos disse...

Acredito que o amor nem sempre é cego, porque na maioria das vezes não somos suficientemente capazes de saber enxergar o amor do outro que vive do nosso lado. Faz-se necessário a ajuda de alguém pra que venhamos perceber os verdadeiros sentimentos que a mesma sente por nós.


Abraço!Mais um dos milhares de textos belíssimos que você escreve pra todos que o admiram como escritor.


Um ótimo fim de semana!

Anónimo disse...

Oi Alexandre,

Que magia põe em seus textos!
Como descreve cada pormenor!
Só mesmo quem está por fora, pode apreciar tudo isso, porque quem é protagonista, e todos nós já o fomos alguma vez, não consegue ver nossos gestos e reações. É, ou fica cego, ou não queremos ver, por vezes.
Será que cego ama com o sentido mais apurado: o tato?
Vamos refletir.

Grata pelo teu comentário.
Bom final de semana.
Beijos da Luz.

Luzia Medeiros disse...

Que encontro perfeito! Quero um assim.

As vezes num momento que não enxergamos o amor, é justamente neste instante que o amor aparece. Que nos visita e o deixamos ir embora.

Vamos prestar mais atenção aos esbarrões.rsr

Beijos.

Luzia Medeiros disse...

Tem um selinho no meu blog para vc.

Miksileide P disse...

E é tudo muito bem visível em todas as suas palavras....

Paixões e Encantos disse...

Amigo Alexandre! Que linda história de amor ,eles cegos,mas o mais importante ,o que lhes tocava na alma,o toque entre os dois eles enxergavam e não precisavam de ver,para sentir o amor que existia entre eles,Lindo! DE facto eu vim ao teu blog e dizia que tinha sido removido ,eu achei muito estranho ires acabar com o teu blog e com tantas horas de trabalho que aqui depositas ,
Desejo-te uma óptima semana,beijos

Carla Granja

http://paixoeseencantos.blogs.sapo.pt

Maíra Cunha disse...

Quem não quer um encontro desses? O amor não é cego, é ele quem faz os apaixonados se verem, porque como dizem, o essencial é invisível aos olhos, e assim nascem os amores verdadeiros! Texto tocante, adorei o blog e sigo, volte sempre!
http://fazdecontatxt.blogspot.com.br

Hellen Caroline disse...

Lindoooo!
E muitas das vezes é assim mesmo,o que é preciso ver,já havia visto antes mesmo dos próprios olhos.
Doce Alexandre,seus textos são como um chá para minha manhã,relaxo...reflito e sorrio sempre ao final =)
Um ótimo dia pra ti,Querido!
Ps: acho que vou voltar com meu cantinho,tomara que dê tudo certo,torça por mim rs
Beijos

Maria disse...

"é preciso força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do vê..."

a história do esbarrão é clichê, podia ser só um texto comum. mas foi além, foi poderoso, foi lindo. eram cegos, mas podiam ver. É isso.

um beijo

Bandys disse...

Oi Alê,

Que bom que conseguiu recuperar seu blog, senha , tudo.
Como dizia o pequeno príncipe
Só se vê bem com o coração... O essencial é invisível aos olhos.
Um lindo texto de amor, onde o sentir, o toque, o cheiro, é muio mais do que o enxergar..
Onde o perfume inebriante adoça o ar.
Beijos
também fiquei com saudade,
mas vc também sumiu... :(

Monique Premazzi disse...

Que palavras doce, amigo. Adoro quando leio seus textos, pois me sinto leve com a sua forma de escrever.
Não acho que o amor seja cego não, isso é besteira. Ele só nos faz dar uma oportunidade de entender os defeitos do outro e de não cobrá-los ou apontá-los.

Beijos,
Monique <3
http://www.secretsofalittlegirl.com/

INTENSIDADE DE UM MINUTO disse...

que lindooooooooo
amei.Fico por aqui.