Um amor para ser feliz?

21 de junho de 2014

Imagem: Adrian Borda



Quem nunca se sentiu incompleto, carente de complemento, de um olhar que faça companhia, um abraço que traga toda a alegria que falta? Os passos, por vezes, caminham em busca de outros passos, para que se sintam menos sozinhos ou mais seguros. Como se nascêssemos sem um pedaço crucial de nós mesmos, feito sequela de nascença, uma síndrome de incompletude. A busca pelo amor se fundamenta no fato de que somos metades em busca da outra para a felicidade ser plena. Será? 

Deixamos de ser quem somos porque nos falta algo? Uma pessoa? Um amor? Somos infelizes pela ausência de um(a) companheiro(a)? Falta ar pra respirar? Faltam motivos para viver? Será que nossa alma está metade morta porque não encontra sua alma gêmea, não se entrelaça numa outra, como se ela fosse solução para os problemas, a cura para nossas lágrimas? A nossa solidão tão velada é culpa de quem? Da nossa ineficiência em encontrar a peça que nos completa, desse alguém ou do destino? 

É certo conferir o ônus da culpa de toda a tristeza e solidão à ausência de uma pessoa ou até mesmo ao destino? Não deixamos de andar porque falta alguém. Não estamos sozinhos porque nos falta uma companhia. O sangue bombeia e nos dá vida, mesmo que essa falta deixe alguns doídos, com o coração melancólico. A vida prossegue sem alterações. Continuamos a ser o que somos na mais pura essência. Não podemos desviar os olhos de quem realmente é o culpado e responsável pela nossa felicidade: nós mesmos. 

Não somos incompletos, como copos meio vazios, carros sem motores ou metades de laranja. Somos inteiros, e não despedaçados ou inacabados como uma obra em construção, uma pintura não terminada, carente de complemento. Nem a felicidade tem como pré-requisito um amor. A companhia ajuda na caminhada, mas não morremos sem ela. Mãos entrelaçadas tornam o caminho mais suportável, bem mais bonito, mas não é a única responsável para a derradeira alegria. Os pés caminham por conta própria. Outros ao lado tornam a rota mais macia e prazerosa sim. Contudo, não podemos pensar que uma companhia é imprescindível ou que só um amor confere sentido em viver. 

Às vezes é importante nos desprendermos de convenções, dos tabus que nos impõem e com os quais aprendemos a conviver durante nosso crescimento. Necessitamos ter a noção realista de que somos inteiramente responsáveis pelas nossas próprias vidas, e capazes de viver com os nossos próprios meios, sem ficarmos dependentes de outra pessoa ou demais fatores. Sigamos adiante, rumo à felicidade, sem aferir responsabilidade ao final feliz em alguém.



Aspas do Autor: A nossa felicidade não está nas mãos de ninguém, mas claro que um amor - para quem tanto busca um - é uma coisa bonita, que torna a vida mais aprazível e enriquece as alegrias. Podemos ser felizes por nossa conta, mas se aparecer alguém para compartilhar a felicidade, é claro que vai ser lindo.

Passivo

14 de junho de 2014

Foto: Nuno Ramos



Deito em meus pensamentos, cansado da engenharia que me organiza e fabrica minha pele. Isso é revolta com o momento externo que pouco me condiciona. Sinto apenas o tempo fluir sem surtir o efeito necessário para gerar ondas. Calcifico. Surto. Os dedos tremem na passividade dos momentos, hoje tão dormentes. Falta-me um pouco da força para intencionar o sorriso, dar elasticidade aos gestos que me envolvem feliz.

Regurgito sensações amassadas, entregues a uma pálida transição dos dias. Torpes. Cinzentos. Tempestuosos. Porque as horas se transfiguram lascivas, adornando um mundo por onde meus pés caminham passivos. Torno-me um contemplador do que perpassa circundando minha presença. As imagens ficam desfocadas, incididas com uma frágil luz, vestidas com uma película fosca e quase opaca.

Só descanso na grama, sentindo a fluência do oxigênio, a textura do vento que, morno, acaricia meus ralos cabelos e refresca um corpo extenuado pelo abate de tantos desencontros. Resta-me assistir, passivo, a passagem das horas, a mudança das estações, a noite tornar-se dia, o dia tornar-se noite. Nada mais me chama a atenção. Quase nada tira o fôlego ou desequilibra minha respiração. Nada tem sido ofegante a ponto de desarrumar minhas bases.

O amor parece ter esvanecido. E a emoção capturada. Raptaram meus sonhos e uma parcela importante da esperança. Porque os olhos não exalam mais o brilho que tanto carregavam há anos, e o coração não é mais abrigo de inspirações e bonitas poesias, das quais tanto o enfeitaram. O cerco se fechou na minha limitada alma. O limite se estreitou no pouco que já sou. Os pensamentos se arrebatam sem vigor, sem um mínimo de relevância ou identidade. Perco-me em suas insignificâncias.

Prontifico minhas virtudes para qualificar o que me é potencial. Mesmo na indiferença das nuvens que flutuam sem me ver, sem saber da minha pífia existência. Tudo soa sem rima, sem harmonia e um mínimo de afinação. Cada esforço é em vão, porque os pés afundam na areia movediça de uma vida cruel, tão repleta de pessoas vazias e carentes de legítimos sentimentos e bonitos gestos.

Fiquei órfão dos momentos que embalavam a alma, tudo porque já não há mais aquele fervor que incita as palavras a fiarem beleza. É um desassossego que invadiu o quintal do peito e trouxe apenas dormência às pernas e sonolência aos sonhos ornamentados no salão íntimo do coração. É um momento de baixa, apenas um intervalo onde as nuvens tampam a beleza dos céus. Isso contagia o espírito com desesperança, com uma sensação de impotência. Precipito-me sob as margens do abismo, numa passividade que me assusta.



Aspas do Autor: Em meio às transições, falta reação...