Estilhaço

31 de maio de 2014

Foto: Asrul Dwi


Pele em estilhaço
mas a poesia
é de aço

Não espatifa
tão fácil



Aspas do Autor: Não é tão fácil me espatifar mundo...

Arco-íris

24 de maio de 2014

Imagem: Lindsay Tiry


Existiam apenas três cores no mundo: a azul, amarelo e a vermelha. Nenhuma podia invadir o domínio da outra. Era terminantemente impossível. Seus limites eram protegidos por muralhas negras, proteções ausentes de luz e de imagem própria. Uma cerca sem cor, sem vida. Os recantos dessa dimensão tinham suas regras, mas eram muito obscuras. As cores viviam em seus territórios sem que pudessem atravessar o negrume que os separava das outras. Seria fatal a aproximação à negra cerca. Sem luz, dissipar-se-iam sem misericórdia.

Porém num belo dia, os muros foram burlados por uma faísca de luz que se soltou de um raio cósmico, um dos tantos faróis que geravam a vida nos coloridos domínios. As mortas divisórias extinguiram-se num sopro iluminado. As cores, em suas respectivas moradias, foram capazes de avistar os domínios alheios. Numa cintilação incomum ao universo, fez-se luz onde não deveria. O negro esvaiu, dando lugar a um translúcido de pureza inimaginável. O ar tornou-se transpirável. 

As cores então, curiosas, avançaram pelos territórios das distintas raças. Em uma fração de segundos, misturaram-se sem culpa entre os pigmentos que se refletiam pela falha cósmica de uma luz sabotadora de regras. Ou não seria falha? Azuis mesclaram-se com amarelo; que cruzaram com os matizes vermelhos; que respectivamente uniram-se às nuances azuladas da luz. Um espetáculo sem precedentes dava vida um novo universo, um recanto nascido de uma misteriosa intervenção. 

Após um indefinido tempo, a faísca de luz se apagou, fazendo com que os muros escurecessem novamente. As cores, novamente trancafiadas pelo destino. Contudo agora seus territórios continham, não apenas suas cores originais, mas as outras migrantes, além de derivadas de suas uniões. Da união das três nasceram as laranjas, as verdes e as violetas. Os três lugares haviam-se colorido de tal maneira que suas cintilações enfraqueciam as defesas escuras. Tornou-se menos dificultoso migrar de um limite para o outro.

Certo dia, outro fenômeno misterioso uniu os três cantos, desobstruindo qualquer muralha sombria. Uma forte luz, vinda de todos os lados, cercou-as. E as coletou. Foram sopradas, energizadas em raios cósmicos, proeminentes de encanto inigualável. A luz dirigiu-as até acrílicos, muros puros de energia, colidindo-as com afeição e sensibilidade. Em um esplêndido prodígio, elas se viram refletidas num universo de tamanhos incalculáveis, dando vida a domínios desprovidos de qualquer sentimento e cor. Luziram-se, lado a lado, feito um arco-íris de beleza sem precedentes.



Aspas do Autor: uma liberdade poética, explorando as cores e o arco-íris. Gosto de trabalhar contos fantásticos...

Releituras e mudanças

17 de maio de 2014



Nem tudo acontece como esperamos. É uma verdade absoluta. E creio que nunca aprendemos com esta premissa. Acho que faz parte da nossa natureza teimar por essa esperança que se preenche, nos faz voar, idealizarmos... Porém, a vida é mais real, e marchamos numa rua em constante construção. É preciso ver de outro modo. De uma maneira que possamos encarar as adversidades e os acontecimentos com receptividade, a ponto de colorirmos melhor esse caminho que nos surge, na maioria das vezes cinza. Acho que é a questão da sutileza, que acalma a mente para absorver melhor.

Mas não tem sentido olharmos de outro jeito se não para trás. É preciso olhar para o que ficou pelos caminhos de um modo especial. Olhar para trás não significa voltar. E voltar é que não precisamos. Voltar é se deixar afetar. E este não é o propósito. O que passou é como um livro de cabeceira. Afinal, o livro de cabeceira é um livro que nos identifica de alguma maneira, é aquele que já lemos milhões de vezes, mas sempre o consultamos regularmente; às vezes para encontrarmos este algo que nos coloca no chão e nos faz lembrar o que somos; além de elementos que nos atestem de sabedoria e nos ajuda a renovar, para o amanhã melhorar. 

Da mesma forma é o que vive lá atrás. Em alguns momentos é bom olhar para o que passou; revisitarmos o que vivemos; os momentos que experimentamos; recapitularmos os aprendizados que colhemos nas dadas circunstâncias. Olhar para trás é uma releitura que traz enriquecimento. Este processo é o que nos ajuda a renovar, a construir melhor o nosso alicerce, que nos prepara para pisar o futuro que chega adiante, para encontrarmos, com mais zelo e cuidado, o que fitamos à frente. Este processo é o mudar de estrada.

Lembrando que nem sempre mudar de estrada significa alterar o horizonte que se segue, ou desistir do sonho pelo qual tanto perseguimos... Mas que o que aprendemos foi útil para renovamos o chão em que pisamos e as veredas da nossa alma. Pulamos uma etapa com engrandecimento, elevamos a alma para um rumo revestido pelo concreto das lições passadas... E depois só olhar pra frente, caminhando pelo novo caminho, seguindo a linha do horizonte... Se guiando pela luz, pelo sentimento que se acende em nós. Sem deixar de aprender, sempre.



Aspas do Autor: Para ser bem sincero, é um texto escrito no fim de 2011, após algumas amargas experiências e uns aprendizados essenciais. Foi esta releitura que me salvou e me transformou. Aliás, sempre me salvo nesses vislumbres passados...

Reboot

10 de maio de 2014




“Pane no sistema alguém me desconfigurou 
Aonde estão meus olhos de robô? ” 
(Admirável Chip Novo – Pitty)


Ando anestesiado. Minha atual condição assemelha a um sistema reinicializando. A verdade é que dei reboot. Reiniciei meu sistema, porque ele travara após uma alta carga de processamento. Não soube suportar a pressão. Talvez... Certo é que a corda rompeu e explodi. Briguei com os meus sentimentos, com o coração. Lágrimas escapuliram do meu peito cansado e ferido. Não há mais subterfúgio que me faça realinhar.

Meus cabelos desgrenhados zombam da minha careta de resmungo. Balançam com mínima coreografia, denunciando meu molestado momento. Sinto-me ofendido com as configurações obsoletas de certas áreas dentro de mim. Há perigo nítido em intercalar tantas vivências. Há poeira acumulada, e meu cooler pifou. Hoje sofro de aquecimento. A qualquer momento posso desativar. Preciso viver de ponderações, sob um tapete de serenidade pouco habitual para mim.

Há ainda espaços sobrecarregados. Principalmente com o lixo empilhado nas minhas pastas internas. Tanto arquivo morto que não quer morrer, espalhado pelos cantos mais obscuros do meu espaço interno só ocupando espaço. Quero me desvencilhar do transbordamento de tantas informações. Mas há áreas restritas, impenetráveis, lugares onde meus sonhos não atravessam com facilidade. Há bugs gerando caos e pane em todos os meus programas internos. O sistema está corrompido pelo cinza deste mundo cão.

Dei reboot porque precisava reanimar as partes extinguidas pelo longo tempo ligado. Sobrecarreguei a esperança tão absorvida pelos cabos antigos da fé. Faltou apuro e cuidado com meu íntimo, com os hardwares que compõem a engenharia da minha alma. As conexões estão desgastadas por minha culpa, pelo meu parco zelo nas quase nulas manutenções. Sempre negligenciei a necessidade de limpeza dos meus componentes. Sofri por intermédio da minha arrogância.

Sofri também com o mau uso alheio. Terceiros que não souberam tratar o meu sistema com respeito e dedicação pelas quais eu merecia. Caí em vagas promessas, em falsas confissões e barbaridades pouco louváveis, outros absurdos que não merecem ser contados aqui. A pane no sistema deflagrou a falha das minhas proteções – todas desatualizadas e antiquadas. O crash me mostrou a deficiência nas minhas estruturas. 

Reiniciei para que eu possa desfragmentar meu corpo estilhaçado pelas garras do tempo ­–­­­ e da vida ­­–, para rejuntar as partes internas tão desunidas por mãos de outrem. Preciso de novos drivers e reinstalar tudo novamente. Consertar peças e comprar outras novas, conectar meu coração a fios mais resistentes. Depois da ação vil de um vírus terrível, meu intento é formatar e logo após, atualizar as minhas configurações. Eu preciso.



Aspas do Autor: Por pouco o meu processador não queima... Preciso ter cuidado comigo mesmo. Que o reinício seja de fato, bom.