Virtual

13 de setembro de 2014

Arte Digital: Lina



Ao ver quem lhe mandava recado, sorriu largo, mas disfarçado. Guardou solene a pasta com contratos e briefings de clientes no sofá da sala e foi à cozinha beber uma água antes de preparar seus pensamentos. Calmamente se aconchegou no quarto, trocou a roupa por uma mais leve e casual, condizente com o que iria transmitir. No anseio de suas tentações, coube repassar os registros daquela outra vida que em nada lhe refletia. Ali ele parecia liberto.

Ao sentar em frente ao notebook, vestiu o capuz do nobre e desejado, do romântico e sedutor jovem Paulo de 20 e poucos anos. Ali abriu a janela de e-mail, e pôde ver a mensagem de uma garota com quem ele conversava há alguns meses. Reviu alguns anteriores e adequadamente respondeu, com doçura e amor. Abriu sua rede social e sons de notificações o atraíam para fora da realidade. Ficou um pouco confuso se inteirar novamente daquele universo tão diferente.

Curtiu algumas publicações, respondeu outras e conversou um pouco com os amigos virtuais do seu perfil. Mas seu prazer era dedicado em dar atenção a uma mulher em especial: Júlia. Loura, baixa, com 26 anos e engenheira civil, a moça tinha se encantado com Paulo desde a primeira conversa. Seu jeito romântico tinha sintonizado com o compreensivo e poético modo de Paulo. Ambos se davam muito bem. Foi o tipo de situação que ele não previra, mas acabara se envolvendo de alguma maneira.

Júlia estava online tinha deixado um recado há pouco tempo para ele. Mas esse dia não era propício para conversas. Respondeu algumas mensagens, selecionou uma foto aleatória na pasta específica e publicou junto à outra frase fortuita sobre seu momento de vida. Para a moça deixou uma resposta dizendo ter saudades dela. No celular, outra mensagem chegou segundos depois. Era Júlia perguntando se podia ligar para conversar. Ele franziu a testa e respondeu que não. Disse estar em meio a uma reunião e ia chegar tarde.

Em meio a isso, ouviu o barulho de um carro chegar. Cansado, desligou o notebook, despediu-se do Paulo virtual e preparou-se para deitar. Minutos depois viu uma mulher entrar com duas crianças, que correram felizes até seus braços. A mulher, ao se aproximar, beijou-lhe com intenso amor. Desligar o notebook, foi também despedir-se de Paulo, que só existia no e-mail, nas redes sociais e no celular. Ali vivia Fernando, publicitário de 48 anos, marido de Amanda, 37, pai de José e Alice, um lindo casal de seis e oito anos respectivamente.




Aspas do Autor: Há alguns dias, uma amiga confidenciou estar decepcionada com um amigo virtual que dizia ser e sentir algo, mas na verdade não era nada do que sentia e falava. É preciso ficar atento aos personagens que as pessoas criam para ludibriar as outras e satisfazer suas motivações mais obscuras. Nem sempre é real quem existe no virtual. É preciso atenção redobrada...

11 comentários:

Nina disse...

Me lembro de um seriado na MTV (sdds MTV) em que eles promoviam encontros entre pessoas que se conheciam na internet. A maioria era adolescente mesmo. E foi impressionante ver o tanto de mentiras que eram apresentadas nas redes sociais e o qunto isso era diferente do "real". Mas foi algo chocante e psicológico ao mesmo tempo. Eram adolescentes gordos quese diziam jovens modelos em ascensão, alguns depressivos que faziam os outros acreditarem ems ua vida perfeita. triste reflexo de nossa sociedade, né.
Beijão.

Camila disse...

Hoje em dia é facil se passar por outra pessoa na net!! Voce mesmo sabe disso...
Foi um texto muito real ao meu ver.

www.chadecalmila.com

Flor de Lótus disse...

Oi,ALF!Nossa já me meti em cada fria por acreditar nas pessoas,principalmente nas paixões virtuais,mas agora tenho tomado muito mais cuidado com isso, porque é muito fácil criar um personagem na internet.
Beijos e uma ótima semana!!!

Vitor Costa disse...

O nome do seriado da MTV é CATFISH e ainda passa na TV, está na 3ª Temporada, eu assisto sempre quando posso, pois reflete o mar de mentiras e desilusões que se tornou a internet. Eu sei do que estou falando, pois já fui enganado, e dói demais.

Seu texto é muito verdadeiro e, como sempre, muito bem escrito Alexandre.

Grande Abraço

Carol Russo S disse...

Alexandre como são reais as suas palavras, visse?
Adorei o desfecho. Muitas vezes nós somos assim, não literalmente. Somos pessoas diferentes quando através de uma tela de computador! Tão livres, pensamos poder fazer o que bem queremos, sem nos auto julgarmos, sem observamos as consequências.
Gostei do texto, parabéns!

Mari Mari disse...

o.O
Bizarro. Não esperava o final.
Mas e aí, na sua opinião: no meio virtual conta como traição de verdade?
Eu acredito que sim.

Mayra Borges disse...

Super interessante sua abordagem sobre o tema. São dois lados da moeda, utilizar o mundo virtual e as máscaras de que ele dispõe para ser algo que não somos ou que queremos ser e também o fato de querermos fugir da realidade. Se cara a cara já está difícil conhecer alguém, imagine pela internet terra de tantos mascarados(as). Adorei os rumos que você deu a narrativa, nos levando a uma reflexão durante todo o texto e principalmente no final, onde fica aquele pensamento ecoando na mente, quem é de verdade? Quem é de mentira? Onde eu estou no meio disso tudo, quem sou eu? Real ou alguma versão melhorada de mim mesma? Perguntas interessantes, respostas curiosas. Adorei o texto!

Beijos, Alexandre.

Coração a Flor da Pele Sem Provas

Ariana Coimbra disse...

Texto que descreve a realidade de muitas pessoas.
Há quem, por carência ou sei lá o que, se mete em muitas frias.

B. disse...

As redes sociais as vezes parecem ter a função de mascarar as pessoas. E consequentemente, é mais fácil enganar alguém no mundo virtual, o qual é tão amplo, do que no mundo real. As vezes a pessoa não tem coragem para realizar o ato na realidade e recorre a um mundo paralelo.
O fato é que, seja na realidade ou no mundo virtual, mentir para si mesmo, é uma das piores mentiras.
Texto interessante, diferente!

Carol Rodrigues disse...

Quem nunca? Conheço alguns Paulos por ai.
Sei da história de uma conhecida que "namorou" um cara que não existia.
=/

Bandys disse...

Oi Ale,
Você tem esse blog desde 2008 mas acredito
que antes disso já andava pela net exatamente
igual a mim. Fico pasma que só agora você aborda
esse tema qdo a tv há muito tempo mostra crimes bárbaros
com origem no facebook, fotos de presidiarias, etc...
essa atenção "redobrada" que você solicita, os experts
ja tem há muitos anos.EX: Facebook ´e proibido para menores
de 18 anos.quantos você conhece que estão fora da lei???
alguém denuncia??
É complicado né?
beijos