Passivo

14 de junho de 2014

Foto: Nuno Ramos



Deito em meus pensamentos, cansado da engenharia que me organiza e fabrica minha pele. Isso é revolta com o momento externo que pouco me condiciona. Sinto apenas o tempo fluir sem surtir o efeito necessário para gerar ondas. Calcifico. Surto. Os dedos tremem na passividade dos momentos, hoje tão dormentes. Falta-me um pouco da força para intencionar o sorriso, dar elasticidade aos gestos que me envolvem feliz.

Regurgito sensações amassadas, entregues a uma pálida transição dos dias. Torpes. Cinzentos. Tempestuosos. Porque as horas se transfiguram lascivas, adornando um mundo por onde meus pés caminham passivos. Torno-me um contemplador do que perpassa circundando minha presença. As imagens ficam desfocadas, incididas com uma frágil luz, vestidas com uma película fosca e quase opaca.

Só descanso na grama, sentindo a fluência do oxigênio, a textura do vento que, morno, acaricia meus ralos cabelos e refresca um corpo extenuado pelo abate de tantos desencontros. Resta-me assistir, passivo, a passagem das horas, a mudança das estações, a noite tornar-se dia, o dia tornar-se noite. Nada mais me chama a atenção. Quase nada tira o fôlego ou desequilibra minha respiração. Nada tem sido ofegante a ponto de desarrumar minhas bases.

O amor parece ter esvanecido. E a emoção capturada. Raptaram meus sonhos e uma parcela importante da esperança. Porque os olhos não exalam mais o brilho que tanto carregavam há anos, e o coração não é mais abrigo de inspirações e bonitas poesias, das quais tanto o enfeitaram. O cerco se fechou na minha limitada alma. O limite se estreitou no pouco que já sou. Os pensamentos se arrebatam sem vigor, sem um mínimo de relevância ou identidade. Perco-me em suas insignificâncias.

Prontifico minhas virtudes para qualificar o que me é potencial. Mesmo na indiferença das nuvens que flutuam sem me ver, sem saber da minha pífia existência. Tudo soa sem rima, sem harmonia e um mínimo de afinação. Cada esforço é em vão, porque os pés afundam na areia movediça de uma vida cruel, tão repleta de pessoas vazias e carentes de legítimos sentimentos e bonitos gestos.

Fiquei órfão dos momentos que embalavam a alma, tudo porque já não há mais aquele fervor que incita as palavras a fiarem beleza. É um desassossego que invadiu o quintal do peito e trouxe apenas dormência às pernas e sonolência aos sonhos ornamentados no salão íntimo do coração. É um momento de baixa, apenas um intervalo onde as nuvens tampam a beleza dos céus. Isso contagia o espírito com desesperança, com uma sensação de impotência. Precipito-me sob as margens do abismo, numa passividade que me assusta.



Aspas do Autor: Em meio às transições, falta reação...

6 comentários:

Bandys disse...

Oi Alê,
Vou deixar um texto que gostaria que lesse com atenção
e a mente aberta e pelo tempo da nossa amizade estou em condições
de fazer esse pedido. :)

A Faxina

Estava precisando fazer uma faxina em mim… Jogar fora alguns pensamentos indesejados,
Tirar o pó de uns sonhos,
Lavar alguns desejos que estavam enferrujando…..

Tirei do fundo das gavetas lembranças que não uso e não quero mais.
Joguei fora ilusões, papéis de presente que nunca usei, sorrisos que nunca darei…
Joguei fora a raiva e o rancor nas flores murchas
Guardadas num livro que não li.

Peguei meus sorrisos futuros e alegrias pretendidas e as coloquei num cantinho, bem arrumadinhas.
Fiquei sem paciência! Tirei tudo de dentro do armário e fui jogando no chão:
Paixões escondidas, desejos reprimidos, palavras horríveis que nunca queria ter dito, mágoas de uma amiga sem gratidão, lembranças de um dia triste…

Mas lá havia outras coisas… belas!!! Uma lua cor de prata…os abraços….
Aquela gargalhada no cinema, o primeiro beijo….
O pôr do sol…. uma noite de amor .

Encantada e me distraindo, fiquei olhando aquelas lembranças.
Sentei no chão,
Joguei direto no saco de lixo os restos de um amor que me magoou.
Peguei as palavras de raiva e de dor que estavam na prateleira de cima -
Pois quase não as uso – e também joguei fora!

Outras coisas que ainda me magoam, coloquei num canto para depois ver o que
fazer, se as esqueço ou se vão pro lixo.
Revirei aquela gaveta onde se guarda tudo de importante: amor, alegria, sorrisos, fé….. e muito carinho.
Como foi bom!!!

Recolhi com carinho o amor encontrado,
dobrei direitinho os desejos,
perfumei na esperança,
passei um paninho nas minhas metas
e deixei-as à mostra.

Coloquei nas gavetas de baixo lembranças da infância;
em cima, as de minha juventude, e…
pendurado bem à minha frente,
coloquei a minha capacidade de amar… e de recomeçar…

Sei que vai de encontro com seu texto, mas fiz de proposito. :)
Deixo um beijo carinhoso pra você.
Um presente é tudo aquilo que é dado com amor.

Ariana Coimbra disse...

Eu estou orfã desse momentos faz um bom tempo.
Mas como tu mesmo disse, é uma fase, um momento de baixa.

Belo post!

Mafê Probst disse...

Posso ficar sem saber o que dizer? Porque, de fato, não sei.

Beijinho Alê ;*

Gabriela Freitas disse...

To orfã desses momentos também, acho que essa fase da transição é a mais difícil... :/

http://www.novaperspectiva.com/

TOM MORAIS disse...

Mesmo depois de tanto visitando o seu blog, eu ainda me surpreendo com o modo como você escreve. Muito lindo o texto.
cronicasdeumlunatico.blogspot.com

Nayara Fernandes disse...

Passividade é uma morte lenta – indolor à pele. Sangrando a alma. Morremos em vida nos negando a matar o conformismo.

Beijo Alê!