A luz que me ilumina

28 de julho de 2012




Há uma coisa linda
Luz que é bem vinda
O que sinto aqui
Amor que não finda,
Em mim, infinda
Um bonito querer
Ainda...




Aspas do Autor: O que nasce em mim não tem forças para extinguir. Minha alma é um terreno fértil, onde as raízes se fincam com solidez. Ainda há, e jamais irá me abandonar. Porque o que é verdadeiro não morre com o tempo, fortalece. Meu coração nunca desiste... E sempre me surpreendo com a sua capacidade de acreditar...

A verdadeira essência do Hanami

14 de julho de 2012




A primavera havia iniciado há poucos dias. Era época de Hanami, um costume tradicional no Japão, em que as famílias japonesas contemplam a beleza das flores. Recordo que naquele dia, não diferente de muitos em Tóquio, eu me reunia com a meus parentes num piquenique, para contemplarmos juntos o desabrochar das sakuras e a chuva de suas pétalas de fascínio notável. Em algum momento pedi licença aos meus pais e saí para caminhar pelo charmoso Jardim Imperial de Shinjuku. Não tenho costume de caminhar só, mas curiosamente naquele dia me deu vontade. Aquele jardim, adornado com a beleza majestosa das flores de cerejeiras, se tornava um recanto de deleite incomparável.

Foi durante a caminhada. Não me esqueço do momento em que o vi. Estava de costas, ao lado de um singular cãozinho, um Terrier japonês. Os dois juntos pareciam hipnotizados pela exuberância das cerejeiras e seus tons rosados tão preenchidos com a doçura pura e não lapidada da vida. Era uma cena espetacularmente graciosa. O menino e o seu cão estáticos, pasmados com a formosura que a paisagem se pintava aos seus olhos. Sorri numa comoção franca. A maneira como os dois contemplavam a natureza parecia captar a verdadeira essência do que significava o Hanami no Japão. Era uma celebração muito autêntica. Cativei-me.

Instintivamente peguei minha câmera para registrar o momento. Para a minha surpresa (e encanto), na hora em que me preparava para fotografar, um abrandado vento nasceu e começou a surrupiar as sakuras. Bati a foto, ao mesmo tempo em que uma chuva de pétalas decorava em poesia o ambiente. A foto captou o momento exato na qual as flores caíam e abraçavam o menino e seu cão. Ficou tão natural que até hoje não sei descrever o quão ficou esplêndida a fotografia. Meus olhos captaram talvez, o momento mais belo de toda a minha vida, e que fui feliz em registrar.

Infelizmente precisei ir embora, a minha família me chamava, mas jamais esqueci aquele menino e o seu cãozinho. Eu retornei todo dia ao jardim para ver se os encontrava. E sim, os vi todos os dias durante aquela primavera em Tóquio. Era soberbo vê-los ali contemplando e às vezes brincando. Era aprazível e me fazia sentir bem. A singularidade dos dois companheiros exaltava e cativava. Bati muitas fotos, mas nunca nenhuma tão bela quanto à primeira. Devo observar que em nenhum momento, em nenhum dia me aproximei do menino e o seu cão. E hoje me arrependo muito disso.

Só pude rever o menino na primavera do ano seguinte durante o Hanami de 93. E achei-os no mesmo cantinho daquele especial jardim. O cãozinho e ele estavam mais crescidos. Sorri ao vê-los. Pareciam mais alegres do que nunca. E fiquei vendo-os a semana toda. Era um bálsamo enxergar aquela inocente paixão pelo belo. Em certo dia daquela primavera, voltei ao jardim, como de costume, resolvido de que finalmente me aproximaria do menino para conversar e conhecê-lo. Mas me surpreendi. Não os vi. Confesso que me frustrei. Vasculhei o jardim inteiro e não os encontrei. E durante toda a primavera não os vi mais. Pelo menos não o menino...

A poucos dias do fim da estação, resignei-me e desisti de procurá-lo. Porém foi neste dia, antes de me retirar, que então vi o cãozinho deitado naquele pedaço de grama tão íntimo dos dois. Mas estava sozinho e parecia desconsolado. Olhava para o horizonte e meio que chiava um pouco. Não gostei da sensação que tive naquele momento ao vê-lo só. Mas não me contive. Pela primeira vez, desde que o conheci, fui à procura de saber do garoto. (Oh Deus! Porque decidi tão tarde?) Depois de conversar com muitas pessoas e alguns guardas do Jardim, soube que o menino se chamava Haru (que significava primavera, vejam que curioso) e que sempre brincava por ali mesmo. Era filho de uma distinta mulher, a Sra. Akyma, uma funcionária de uma das tradicionais Casas de Chá do Jardim de Shinjuku.

Procurei a Sra. Akyma na Casa de Chá. O gerente me atendeu e gentilmente me explicou que, em face de um acontecimento grave, ela se ausentaria por uns dias. Foi aí que soube o pior. Ele me explanou que o filho dela, Haru, tinha falecido naquela noite devido a um raro câncer. Após ouvir isso, nem lembro mais da conversa com ele. Desmoronei. Saí dali consternado. Nem me despedi direito do gerente. Chorei muito. Inexplicavelmente tinha me afeiçoado ao menino sem mesmo tê-lo conhecido. Nossa! Como lamento isso... Quantas oportunidades eu tive e não o fiz... Fiquei desorientado por um bom tempo até me recuperar.

O fato me abalou. Demorei um tempo a voltar ao jardim. Exatamente uns três anos. Foi durante este intervalo que publiquei a primeira foto registrada por mim, do menino e seu cãozinho. Eu a guardava com muito afeto. Mas devido à sua beleza tão espontânea, achei que o mundo precisava vê-lo. Divulguei. A foto figurou no Japão inteiro, foi capa de muitas revistas, fez parte de centenas de campanhas publicitárias e me rendeu muitas entrevistas. Ela foi escolhida para ser o símbolo do Hanami em Tóquio (por representar tão bem a essência da nossa tradição), durante a primavera de 95 (mas vigora até os dias atuais). E em face da falência do menino, muitos lembram e o homenageiam até hoje. O Jardim imperial de Shinjuku ganhou mais visibilidade e recebe muito mais visitas hoje em dia. Ganhei muitos prêmios e dinheiro com a foto. Contudo, doei quase integralmente para a família de Haru.

Na primavera de 96, ano seguinte à divulgação da foto, consegui retornar à Shinjuku. Lembro que a emoção saltou aos olhos. Era impossível não recordar do menino e da boa sensação ao vê-lo a admirar as cerejeiras. A grata surpresa foi poder novamente reencontrar o cãozinho ali, no mesmo lugar de sempre. Estava enorme o animal. Meus olhos umedeceram. Partiu-me o coração vê-lo sem o seu amiguinho. Ele devia sentir bastante falta de Haru (assim como eu...). Aproximei-me. Sentei-me onde o menino costumava-se sentar. O cão me olhou cúmplice, balançou o rabinho. Arrepiei. Pareceu saber que eu compartilhava sua dor. E ali ficamos a vislumbrar o belo espetáculo das flores de sakura desabrochando e se desprendendo magnificamente das cerejeiras. Elas coroavam um momento de formidável felicidade. Era o amor se desatando dos galhos. A vista era fantástica! Naquela ocasião finalmente entendi o que o menino sentia e via. Eu jamais conseguiria registrar com a minha câmera. E, me perdoem, jamais serei capaz de transpor em letras neste depoimento.

Na hora em que o vento abrandou por mim e pelo cão, pude ouvir um tilintar metálico. Vinha do cão. Mais exatamente da sua coleira. E foi neste especial momento que, enfim, soube o nome da cativante Terrier (Sim! Descobri que era fêmea). Em sua medalhinha presa à coleira, estava inscrito, em kanji, o seu nome, um significativo e especial nome: Esperança. Ao lembrar-me de Haru, não me contive e chorei... Ele sempre teve a Esperança do seu lado... Que coisa!

Hoje se completam dez anos da primeira vez em que vi Haru e seis desde que voltei a apreciar as sakuras. Nunca mais deixei de visitar o Jardim de Shinjuku desde então. O Hanami pra mim hoje tem um significado muito mais especial, muito por conta da lembrança do garoto e do sentimento que ele me despertou. Ao contemplar as flores, pareço vê-lo. E sinto paz. Somente agora compreendi a verdadeira essência do Hanami. É inacreditável. Haru hoje mora na beleza infindável das flores de sakura. Ao apreciar as flores sempre o encontro. Sempre! Como hoje o encontrarei. É primavera. E estou pronto para visitar o jardim em companhia com a Esperança, sentar no mesmo canto para contemplar a majestade das flores e me comover com a época mais encantadora e luminosa do ano.

Por fim, espero que as pessoas, ao saberem desta tocante história em que pude viver, sintam paz e possam compreender o significado nas pequenas coisas. Desejo do fundo do meu coração que todos possam encontrar um Haru e uma Esperança, para descobrirem o real valor em admirar a vida. E que não deixem de apreciar as flores. Nunca! Não importa onde, nem em qual estação. É certo e absoluto, (e aprendi isto com Haru), ao praticar o Hanami, o amor ganha outro sentido...


Tóquio, em 2 de abril de 2002. 

Por 
Yamato Toshiyuki. 
Fotógrafo e apreciador de flores.





Aspas do Autor: O esplendor da vida pode ser encontrado muito facilmente. A beleza está nos detalhes. Só querer ver. O texto diz por si só. Meu carinho à todos. E até mais. Vou ali apreciar as flores...