Coisas vagas

30 de junho de 2012




Porque sempre existem ventos que sopram contra.


Você já parou pra notar? É impossível que não tenha tido essa sensação de esvaziamento. O aroma está impregnado no oxigênio que respiramos. Não lembramos exatamente o porquê dessa sensação tão vaga, desse obscuro repentino, mas ficamos com a cara boba tentando entender o que faz o ambiente se tornar tão inóspito. O ar cheira a nada. E o nada se finca. O essencial escapole. O coração se contrai. O medo se interna em nós.

Não é possível determinar exatamente o que é. Muito doloroso conceber o fato de algo sumir. O fraquejo não é físico, mas algo que vai além da nossa própria alma. Esse calafrio que permeia a pele não tem explicação, mas acontece porque estamos a perder alguns elementos intrínsecos. O que ocorre é um mínimo tremor, um sussurro praticamente inaudível e vago, mas o suficiente para ficarmos alertas. É uma dor invisível e silenciosa. Parece inofensiva, mas que na realidade tem um efeito brutal.

A vida está perdendo a sua essência, a luz já não tem o mesmo brilho de antes, o arco-íris perdeu um pouco da sua cor, a água não é tão límpida, nem o amor tem o mesmo sabor de antes. As rimas não parecem mais fazer sentido. Os sentimentos estão esquecidos, empoeirados e largados por vielas sujas, ambientes mundanos relegados por conta do descaso de desejos, sonhos ínfimos e incompletos. O que se sobressai não é mais que um acervo abandonado gritando através de folhas amareladas pelo tempo. Tudo ao redor pede socorro. Vagamos num mundo vago, onde as pessoas não se importam mais com as pessoas.

Há um engalfinhar de caminhos que cruelmente nos aprisiona e nos cega perante as escolhas das quais são necessárias. É difícil enxergar o que aparentemente nós mesmos tampamos. Tudo parece vago. As coisas ao redor estão ausentes. Os verdadeiros valores parecem cortinados pela nosso orgulho, nossa incapacidade de sermos fieis e honestos, leais e verdadeiros humanos conosco mesmos. Parece que destronamos o bem maior pelo bem menor, que é tudo o que se acentua pelos bolsos de nossos casacos pesados com nossos pecados.

Não se vê mais nada definido, nem nada inteiro. Ou talvez tudo esteja coberto pela iniquidade que praticamos contra tudo e todos ao redor. Nós, seres humanos, parecemos perdidos e entregues a uma brutalidade que só faz mal. A gente vê um espetáculo vazio, onde as cores se desbotam ao longo do tempo e as sensações vão se esvaindo e perdendo a essência. A energia da crença se esgota dia após dia. A esperança começa a desfalecer. A luz está falhando. As folhas se esfarelando. A textura das coisas está embaçada e a pele frágil. As peças estão se soltando. É como se tudo tivesse com a validade vencida e a garantia perdida.

O vento contra parece nossa falta de consideração, a nossa indiferença perante as coisas boas e reais. Não se tem mais cuidado com nada. O amor está em falta. Sentimentos autênticos são raros. Falta zelo, mas sobra descuido. Nem toda escolha é saudável. E às vezes não escolher fazer nada pode ser pior. É uma mera ilusão achar que se resolve ficar à margem e pensarmos que não temos responsabilidade. Não é mais sutil. É golpe com força lancinante, amparada por um escapismo infantil, tolo e acovardado.

A dor pode ser maior quando simplesmente ficamos indiferentes ou sumimos diante do encargo em viver e sentir. Onde está o respeito? Cadê os verdadeiros valores, a legítima preocupação? É muito fácil se extrair e fugir. É cômodo que as coisas se diluam sozinho. O tempo sempre se torna o bode expiatório. Mas não é a melhor maneira de tratar a epiderme vital do mundo. As coisas não estão bem. Estão por demais vagas. Tudo porque não curtimos mais a responsabilidade que inerentemente devemos ter com a vida, conosco e com todos. Paramos de regar a semente e ignoramos nosso dever, prejulgando que a própria semente é responsável pelo seu crescimento ou sua morte.

As coisas perecem. E pioram cada vez mais ao verem como cresce a nossa falta de humildade em às vezes reconhecer que podemos errar sim, que não somos perfeitos e não somos referências de conduta. Esquecemos as particularidades de tudo ao redor, da vida e das pessoas, e só focamos o que somos sem ouvir e dar valor ao outro lado e às diferenças. O mundo morre lentamente com o veneno que produzimos e nele injetamos. As essências vagam com as identidades roubadas, os elementos da vida somem e minuto a minuto se tornam mais elusivos e vagos, exatamente porque decidimos esquecê-las e feri-las com a nossa soberba...





Aspas do Autor: Será que realmente sabemos de nossas responsabilidades? Não sei... Nós parecemos preocupados conosco apenas e esquecemos que existem mil variáveis cercando nossa existência. Elementos tão essenciais para que a nossa vida não faleça. É preciso reconhecer o dever que temos para com o mundo e as pessoas que nos cercam. No mais, queria deixar de lado o texto e falar que no dia 28 de junho este blog completou quatro anos de existência. Quatro anos em que, com muito orgulho, posso afirmar que aprendi muito escrevendo tanto o doce quanto o amargo, tanto a tristeza quanto a alegria, tanto o encanto quanto o desamor. Entre mescla de sensações e enlaces de sentimentos, o legado mais importante que deixo em cada texto aqui é o meu sentimento, a minha autenticidade em dizer exatamente o que aponta no peito. Também não hei de esquecer as bonitas e tão importantes amizades nascidas por aqui. Ainda há muito pela frente. Meu carinho à todos...

Diários de Bicicleta

23 de junho de 2012




A Sensação da Descoberta


Lembro-me que desde minha tenra infância nutria a vontade de andar de bicicleta. E não era nada que não significasse, porque para mim tudo significa algo além do que se pode ver e sentir. Existe um prazer maior oculto em cada experiência que se vive. Pedalar e, enfim, me ostentar pelo mundo mágico que me abraçava, inicialmente não soava tão especial. Obviamente essa teatralidade que eu tanto desenhei, não foi como eu imaginei. Mas aí sempre me questionei se eu estivera realmente enganado. E sim, eu estive. Demorei então para finalmente decair em minhas reais suspeitas. A sensação prevista por mim não era de longe semelhante. Não sei exatamente quantas, mas devem existir pessoas que também sintam em pequenos prazeres, uma incomensurável felicidade. Aos poucos fui descobrindo, e me descobrindo.

Foi então que o mundo se abriu e meu sorriso o acompanhou. Talvez pelo motivo de que nessa ocasião pude ter maior noção da realidade em si, da verdadeira força que se atrelava nas emoções de minha alma. Era real e eu sentia essa fascinante experiência. E não por sonhar uma vivência, mas por vivenciar um sonho. Teorias e suposições não se encaixavam mais nas entrelinhas de minha patética mente. A prática se confluía naturalmente e, embora não soubesse ainda, estava pra descobrir coisas mais importantes. Sei que parece meio infantil falar de tudo isso, mas são essas pequenas coisas, esses ínfimos momentos, os que mais me completam.

A descoberta de aventurar-se pela selva de pedra, absorvendo o melhor dela, me deixava em êxtase. A chance de desbravar meu próprio ser era enfim relaxante. Porque hoje não pedalo só por pedalar, assim como não amo só por amar. Na verdade eu não pedalo, eu voo carregando um mundo e meu coração segue junto, ajudando-me a manter o equilíbrio. A descoberta completa desse imenso prazer não veio imediatamente. Aventurei-me muito para enfim compreender o real significado do vento que resvalava em minha face.

Hoje isto é transcendental.

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Texto originalmente escrito em 16 de outubro de 2007.





Aspas do Autor: É um texto antigo, de uma série que cheguei a começar no meu antigo blogue (e que rendeu 7 textos). Eu narrava minhas sensações e experiências com a minha bicicleta. Reler este texto me trouxe ótimas sensações, nostálgicas, mas ótimas. Fora a saudade em pedalar. Antes eu me deslocava só com a minha bike. Ia para trabalho, faculdade e pra todo o lugar que era necessário ir. Há quatro anos larguei a bicicleta pela moto e acabei deixando de pedalar. É uma pena. Mas a boa notícia é que ajeitei a bike e comecei a pedalar nos fins de semana. É isso mesmo. Mesmo fora de ritmo, estou adorando. Quem sabe eu não acabe escrevendo outro texto nos meus Diários de Bicicleta e poste aqui? É esperar pra ver. Meu carinho à todos.

Tremor

16 de junho de 2012




Só ouço a singela batida
De uma vida que agoniza
De um coração que doi
Uma dor que não ameniza

Só vejo um embaçado
Uma imagem desfocada
De olhos que se perderam
Numa trilha abandonada

Só entendo o que sinto
E o que por dentro acentua
Sentimento que estremece
Em dor sobre a pele nua

Só sinto o tremor no peito
Um medo que se faz expoente
Uma frieza que envenena
E corroi a alma lentamente





Aspas do Autor: Um tremor que às vezes surge repentino. E a dor pode atingir no mais profundo da alma. O desafio é, após os tremores, permanecer e manter acesa, ainda, a chama da esperança... Meu carinho à todos.

A cor do amor

2 de junho de 2012




Enquanto caminhava o homem se deparou com um menino sentado numa mureta chorando. Caminhou até o lugar onde estava e sentou-se do lado dele.
O que houve menino. Porque choras?
A voz do senhor despertou o menino, que docemente virou seu rosto para ele, mostrando seu semblante entristecido.
Me fala o que passa contigo. O que te faz chorar? – perguntou preocupado.
Os outros meninos... – enquanto dizia, tremulava de frio e soluçava muito.
O que tem os outros meninos? – o senhor insistia. – Eles fizeram algum mal a você?
Eles não gostam de mim... Acho que é porque sou negro. Dizem que não brincam com meninos como eu, assim. – o menino dizia triste enquanto abaixava a cabeça. É a minha cor, não é moço?

E o senhor de repente ficou com um semblante sério. Mas logo depois fez um sorriso doce nascer no rosto e disse-lhe:
Não diga isso menino, sua cor é linda. Tão linda quanto às outras.
Acarinhava os cabelos do menino enquanto o consolava. Ao olhar os olhinhos dele, afundados em lágrimas, se emocionou e continuou.
Você é lindo!
O garoto deu um breve sorriso. Mas o senhor não satisfeito disse-lhe:
Vou te contar um segredo. Você sabia que as cores são invenções do amor?
São?o menino olhou curioso para o senhor que sorria em pura paz.
Sim meu bom garoto, são invenções do amor.
Como assim? o garoto insistia.

E o homem deu uma risada leve e então lhe começou a contar:
Sabia que o mundo é colorido porque um dia o amor quis se preencher em tudo? É isso mesmo. Para que conseguisse, se dividiu em várias partes e foi morar em cada cantinho que hoje tu consegues enxergar e tocar. Cada pedacinho do amor é uma cor. Nunca se esqueça disso.ao terminar, apontou para o coração do menino e depois para todo o lugar em que estavam. O menino ficou encantado ao ouvir aquilo. O amor pintou o mundo. E olhando firme para o senhor perguntou:
  Então, minha cor é um pedaço do amor?
O senhor deu um sorriso e completou:
  Mais que isso meu jovem amiguinho.o menino não entendeu.

E após dizer isso, o homem, sorridente, tirou da sua mochila alguns pequenos vidrinhos de tintas guache. O menino olhou entusiasmado. Mas logo ficou intrigado por não encontrar nenhum vidrinho com a cor preta. Achou o vermelho, o azul, o amarelo, o violeta e até o verde, mas nenhum preto. Olhou para o senhor, que soube captar sua frustração.
Lembra que eu disse que o amor se dividiu em cores para colorir o mundo?o garoto acenou positivo com a cabeça. – Então, imagine que cada vidrinho de tinta desses aqui guarda uma cor do amor, um pedacinho dele. – e enquanto dizia isso depositava um pouco de cada cor numa pequena tigelaMas e se unirmos todos os pedacinhos do amor, todas as cores numa só, o que surgirá?  –  O menino não soube responder. Ele parecia vibrado. 

Ao terminar de juntar as cores na tigela, e com um gesto, convidou o menino a mexer o pincel e misturar as cores.
Vamos, misture-as!
O menino, curioso, se dispôs então a mexer o pincel. E as tintas foram se mesclando com as mexidas dele. E durante um tempo ele percebeu as cores vagarosamente se preenchendo e escurecendo. Até o momento em que todas se mesclaram plenamente, e ele, enfim, pôde ver a cor que surgira: o preto. Os olhos do menino nesse momento brilharam.
Como eu dizia meu bom amiguinho, tua cor é linda, porque é a união de todas... É o amor com todas as suas porções reunidas novamente.

O menino esboçou um sorriso de satisfação e felicidade do qual aquele senhor jamais iria esquecer. Abraçou o homem, agradeceu e saiu sorridente, saltitando em profunda alegria, em meio às cores do mundo, em meio às pinturas belas do amor. Agora muito mais contente pela sua cor. A cor do amor.





Aspas do Autor: Às vezes é gratificante mostrar com um exemplo o quanto temos valor. Principalmente após sofrermos preconceito. O homem quis mostrar ao garoto e conseguiu. O menino no fim viu que não havia mal algum na sua cor. Que sua cor era tão mais bela que qualquer outra.