Mosaico abstrato

15 de setembro de 2012




“Indo e vindo
vivo ouvindo
O instinto
Mesmo quando
Eu não entendo nada” 
(Mosaico Abstrato Nando Reis)


Estou entregue ao sabor do vento, ao cálido cuidado de um sopro arredio que ciranda pelos detalhes microscópicos da vida. Deslizo fiel pela macia textura da mão calorosa do destino, submergindo em suas entranhas, em seu rico mistério, em sua enigmática presença. Os olhos, nesta atual perspectiva, parecem perdidos na paisagem que se prepondera por entre suas retinas. Imagem abstrata, mosaico de cores indefiníveis, captada no além das aparências, no regalo invisível desenhado pelos servos perversos de uma vida astuta, repleta de artimanhas. 

Há muito que o lirismo me cerca com seu encanto e seus múltiplos feitios. Talvez porque não sou mais capaz de me concentrar no caminho, na rota que se ilumina à minha frente me seduzindo. Estou vítima de um jogo de sedução, no qual cenas embaçadas se intercalam pela mente, me oferecendo, quem sabe, as respostas para as perguntas que eu interpelo ao coração. Opções que, por não conseguir ver com exatidão, soam suspeitas e controversas, fazendo-me temer a aproximação. Apenas vejo o que não se vê. O desfoque que esta anestesia me causa me deixa cauteloso diante dos corredores nebulosos. É difícil saber o que escolher, quando mal se vê o que esta à frente. 

Sinto-me distante, em total paralelo às rotas naturais pela quais vinha seguindo e vivendo. Hoje estou puro abstrato, num mundo que não se acostuma dentro do meu olhar sagaz e profundo, vista que desvenda o véu que cobre as arestas escondidas do ambiente em que minha alma, em vão, tenta decifrar. E isto me faz além, um ser desperto perante os delitos mais cruéis que se distendem no gargalo da minha mente. É difícil suportar o que sou incapaz de perceber, quem dirá entender. Perpetuo meus sonhos nesta dimensão que me abrange. E me sinto só, um pouco abandonado, como um móvel antigo, cheio de pó. Estou amarelando com o tempo... 

Há um desgaste. E fica explícito no meu semblante. Meus olhos revelam, no teor mais espontâneo de seus castanhos, um pouco da frustração, do dissabor que absorvo e sinto nas quedas do meu ser, nos tropeços mais dolorosos do meu utópico coração, nos apertos que ele copiosamente sofre. Esta perca de essência extenua o meu estoque de crença e fere com lapidadas mortais, deixando sequelas profundas. Tudo neste momento me parece borrado, exatamente porque o desequilíbrio do sentir umedece a tinta fresca do panorama que os olhos veem. 

Um pouco da força está exaurindo. E não é de hoje. Não é de ontem. É de muito. Custa-me aceitar que todo este momento abstrato é causado pelo próprio descrédito que se alastra no meu peito teimoso. E isto me assusta; espanta-me. Desaponta-me ver o quão fraco ainda sou. Mas sei que ainda, sereno, percorro sob a corda bamba da esperança, fio sublime e tênue no qual me equilibro, embora a estação esteja revoltada. Percorro solene e esperançoso, mesmo sob a cruel cobertura desta densa névoa. A dor ainda não é maior que a cor do meu amor. 

As formas perderam seu padrão. A vida tem se mostrado ao avesso, com linhas mal traçadas e ruas mal feitas. Só há um mosaico de peças disformes. A geometria da paisagem, na atual conjuntura, é assustadora e sombria, porque desconheço sua origem. Estou a viver um momento abstrato, tanto interior quanto exterior, no qual minha alma se desencontra nas peças desencaixadas e meus olhos se chocam por enxergar arquétipos nunca vistos. Pareço fazer parte de um cubo mágico desordenado. Resta-me encontrar os meios para alinhar as peças e as cores. 

Sei que, diante de toda essa confusão, a única coisa não abstrata é o amor que mora no meu peito... Sinto e defino-a facilmente. É este sentimento que me mantém de pé. Ainda que a percepção no momento esteja um pouco caótica, não desistirei... Continuarei indo, ouvindo o instinto, mesmo sem entender nada...





Aspas do Autor: Os dias andam bem disformes. Não entendo todo este momento abstrato em que estou a viver... Embora o sentir ainda vive, o resto tá embaralhado, com as cores em avesso. E pra ser sincero, este texto também é um dos mais diferentes, confusos e profundos que já escrevi...

15 comentários:

Miksileide P disse...

Nossa, é tudo tão forte que são tantas coisas a se pensar.... que lindo, que humano, que poético, coisas do coração, de quem vê sempre de outa maneira.... bom domingo!

Passos silenciosos disse...

Olá!
navegando pela net encontrei esse espaço riquissimo e aconchegante e aqui vou ficando e acompanhando.
Desde já deixo aqui meu convite e quando puder sinta-se a vontade para ir em :

http://passossilenciosos.blogspot.com

Beijos e semana de paz!
;)

Evelyn Dias disse...

Oi Alê! Obrigada por está sempre presente mesmo com minha ausência. Então, eu desativei o meu face por um tempo. Beijos! Boa semana, saudades (:

Anônimo disse...

Meus dias também estão assim. Às vezes deixamos de ser poesia concreta e tornamo-nos abstratos. Ou abstrações. Quem sabe distrações. Vai saber.
Abraços.

Moça disse...

Quando nos abstraimos de algumas coisas, podemos vivenciar com mais ardor outras tão belas. Teu texto é lindo!
parabens!
bjo
opinandoemtudo.blogspot.com.br

Bandys disse...

Oi Ale,

Se mergulha para emergir. E que não sabe muito bem, aprende. Pelo menos se espera assim.

Não desista do amor, mas da dor.

Beijos

Boa noite

Luzia Medeiros disse...

Quando você escreve, você consegue extrair profundamente do o sentimento da alma. Por isso, as vezes, fica um embaraço de sentimentos, porque a tua alma, o teu coração está sendo fotografado através da escrita. E tantas vezes o nosso coração sente-se perdido, num compasso diferente do normal. Mas, aos poucos tudo se ajeita, volta ao normal, assim espero, pois, no momento também me sinto assim. As cores estão confusas, o céu da minha vida está formando desenhos que desconheço, e tudo que eu quero é ter a certeza dos meus sentimentos.

Lindo texto.

Beijos.

Flor de Lótus disse...

Oi,ALF!Há momentos que eu me sinto assim pura confusão e tormenta,parece que tudo está fora do lugar,nada parece fazer muito sentido.
Mas como tudo na vida esses momentos passam e depois da tempestade vem a calmaria...
Beijos e uma ótimo começo de semana!!!

allmylife disse...

Identifiquei-me profundamente com seu texto! Seu blog é explêndido. Já estou a seguir...

Juliane Bastos disse...

Eu fico realmente sem palavras sempre quando venho aqui, me identifico sempre com alguma linha do que você escreve e isso é tão raro nos dias de hoje. Só quero agradecer as tuas lindas palavras lá no blog e dizer que você me fez refletir bastante, muito obrigada.!

Beijos.

Blog Love In Red disse...

Mais uma vez, tu demonstraste o quão sensível é em relação a vida, ao amor e me fez refletir muito. Por vezes parei, e voltei a ler, pois foram palavras tão marcantes que me fizeram pensar em alguns momentos, escolhas e dúvidas.

Beijo!

Maíra Cunha disse...

Nossa, nunca foram ditas, palavras mais sinceras, viraram o mundo de cabeça para baixo e ninguém percebeu.
http://fazdecontatxt.blogspot.com.br

Tay disse...

Linda texto, fiquei sem palavras *-*
saudades daqui.
bjus ;*

Heitor Lima disse...

Realmente, bem confuso. Mas nada que termine no amor é confuso demais. Espero que se ache em meio a esse turbilhão. Foi belo ver a intensidade dos sentidos durante o texto.
E MUITO obrigado por todo o carinho demonstrado por você sempre que visita meu blog. Você é um dos que tenho mais apreço, o que foi conquistado pela sua presença sincera facilmente.
Abraço! :)

Guilherme Antunes disse...

Desaponto-me com o reflexo incerto do espelho.