Pintura

19 de fevereiro de 2011




Antes de ser, não era. Era um nada onde até o nada era ausente. Um lugar que não era possível ouvir nada, apesar do silêncio também não existir. Algo que era, mas nunca foi. Um rascunho ou um mero pensar ainda era mais concreto que este mundo. Um mundo que se chamava de mundo, mas não tinha nada que o definia como mundo. Era apenas vazio, morando no nada, relegado do que é real e irreal. O surreal ainda era mais crível que este lugar. Sonhos impossíveis eram mais próximos, do que este mundo.

Era um lugar que nem mesmo se deveria chamar. Vazio ainda seria um título muito cheio para esta aberração oca. Se não havia, nem continha, porque existiriam elementos que o definissem? Não é possível definir o que não tem. Simplesmente não o tinha, não o era, não acolhia mais que apenas o vago vazio mais oco de todos os “nadas” juntos. Era uma brancura translúcida, que praticamente cegava. Era talvez um mundo, apenas por achar-se que ele fosse realmente mundo. Um mundo de nada. Um nada de mundo.

Vazio. Desprovido. Carente de ideias; de imagens; de qualquer conteúdo. Simplesmente um lugar ao léu, que planava na incerteza e na cegueira, na essência vã do invisível. Algo que não se podia tatear, porque não era. Este vazio era assim, simplesmente vazio, transparente tanto quanto o vento, concreto tanto quanto o amor. Um mundo onde a única presença certa era a ausência. Um mundo que na verdade era ensaio, apenas um espaço para ser preenchido; uma tela de quadro sem pintura.

Até que ele começou a ser algo, quando gotas de cor caíram no seu nada. Rios coloridos que foram bailando entre si, criando todos os espaços e ao mesmo tempo preenchendo-os com a cor da beleza. O traçado das cores parecia uma sinfonia poética, uma coesa demonstração do infinito encanto presente no que se via. Era como uma chuva de aquarela, pingando suas notas de amor, por todos os cantos. Respingos cativos da imensa doçura apaziguante que permeava a doce sensação de inventar, de dar cor ao que não era. Era simplesmente a indelével criação que se fazia, expugnando o recalque da mente, e explodindo fagulhas de arco-íris por todos os cantos.

Um lugar que se tornava lugar, porque as cores se uniam para fazê-lo. Eram pinceis manipulados por deuses, e que esboçavam um mundo crível, repleto de existência, presente sem ser ausente. Matizes de sensibilidade, que expurgavam o nada, e convidavam ao concreto sonho de se imaginar, porque se estava a pintar um mundo para existir. Uma pintura, nada mais do que desenhos de um deus, a preencher o vazio de uma tela branca, criando um universo de proporções incalculáveis. Uma dança coreografada que não unia passos, mas sim pigmentos de encanto, misturas de deleitável êxtase, e colisões de gotas coloridas, unidas para criar quilômetros de paisagens e ternura.

Um lugar onde não tinha como limite a moldura, mas a capacidade de sonhar, de acreditar e ver o quanto uma imagem podia guardar um infinito universo, rico em cenários, em cores, em belezas. A moldura apenas delimitava a visão mais superficial, mas ela era apenas uma porta para que os olhos da alma pudessem ver o mundo feito através do mesclar das cores. Olhos esses que conseguiriam viajar por entre a vastidão de um mundo encoberto pelas texturas de um mundo pintado. A tela de um quadro foi um vazio em que ao ser pintado deixou de ser vazio; pintura essa que, vista pelo coração, era possível tornar a paisagem limitada pela moldura, num mundo ilimitado de possibilidades.

 



Aspas do Autor: Uma historinha leve, suave e, claro, com o encanto de sempre. Porque é sempre bom escrever um pouco mais sobre beleza, e não dor; falar sobre cor e não cinza; nem de tristeza ou desamor; ou coisas impossíveis, idealizadas. Uma historinha delicada e bonita como a pintura de um quadro. Um conto pigmentado com a textura da minha emoção. Deixo aqui meu afeto a todos. Fiquem com Deus! E uma ótima semana!

17 comentários:

Caroline Araújo disse...

Eu sempre pensara na Terra como um quadro, e até hoje ao olhar para o céu admiro o quadro mais belo e perfeito de todos - mutável a cada dia.
As suas palavras vestiram-se da beleza do quadro após ser pintado, das cores belas que choviam e davam vida ao nada, ao quase planeta, ao oco.
Eu admiro muito a sua escrita, ao modo como o quadro vazio é preenchido com tanta destreza e 'nada' tornar-se eterno.
Grande beijo Alê! Texto incrível mesmo.

Clara disse...

Que beleza de texto... arte pura!
Acho que essa foi a melhor descrição de nada e tudo que já vi! Seria bom que essa fosse a visão comum de todos sobre como tudo começou, pois assim ao menos uma diferença seria excluída, já que uma crença ou outra se encaixaria perfeitamente nesse olhar poético.

Você é demais, sabia? ^^

Monique Premazzi disse...

O mundo é um quadro que é alterado a todo minuto, mas não deixa de ser lindo mesmo com todos os motivos.
Olhar para o ceu azul, você não pode imaginar nada mais divino que isso, nada mais encantador e emocionante.

Sempre linda seus textos.
Amei demais *-*
Beijinhos <3

Naia Mello disse...

Por isso que digo que nada é impossível. O sonhos são possíveis e eles dão as exatas cores que precisamos para viver.

Bandys disse...

Tudo que é preenchido por Deuses tem um colorido diferente.
Preencher o vazio criando um universo com danças de pigmentos de encanto torna-se esse Vazio o mais preenchido dos sonhos.

Você tem a alma na escrita o que me leva a sonhos ilimitados.

Um beijo daqui

Nina Vieira disse...

Somos todos lugares-comuns. A verdadeira pintura nasce daí.

Jane disse...

Quando comecei a ler o texto, imaginei o vazio desse mundo como fosse a solidão, que mudou logo em seguida com a falta saciada com a presença e suas cores...as cores do amor.

Muito lindo seu texto. Vc está cada vez melhor em menino. Parabéns!!

Beijos

Flor de Lótus disse...

Oi,Alf!Lindo post como sempre, e pensar que do nada saimos e para lá voltaremos um dia... Antes de tudo existir o tudo era nada...
E a vida surge linda cheia de cores para nos alegrar...
Beijos

Rodolpho Padovani disse...

Talvez o mais lindo texto sobre a criação do nosso mundo que eu já li. Você soube colorir essa imagem, recriar o vazio para novamente preenchê-lo em nossa frente através da suas palavras.

Penso na vida como sendo um quadro vazio também, enquanto nós como pintores devemos saber dosar as tintas e as cores para pintá-la da melhor maneira possível, dentre todas as possibilidades existentes.

Estava com saudades de passar por aqui, que continua encantador como sempre.

Grande abraço, Alê.

Michele disse...

História doce mesmo, Alê! Frente a essas coisas tão bonitas, um infinito mundo se abre pra quem o sabe admirar!

Um beijo, querida!

Ataniel Santos disse...

Um dos trechos mais admiráveis e reflexivos que achei foi esse:

"... Um lugar onde não tinha como limite moldura, mas a capacidade de sonhar, acreditar e ver o quanto uma imagem podia guardar um infinito universo, rico em cenários, em cores, em belezas.."
Às vezes não sabemos aproveitar o que está diante dos nossos olhos. O quanto o universo pode ser criado e recriado com a fé depositada em Deus. O quanto uma imagem pode ir além da nossa mera expectativa.
Adoreiiii!Belíssimo texto!
Abraço.

Ju Fuzetto disse...

Sabe Ale quando te leio parece que estou vendo uma pintura bonita de um grande ilustrador de sonhos. Eu me encontro nessas linhas e deixo a imaginação percorrer solta. Feito teatro. Feito cinema. É esse talento teu é fantástico!

Um beijo se cuida!

gabi disse...

acredito piamente no fato de a moldura não se limite... a vejo como um suporte para que o já é conhecido, o que já foi acrescentado, não escape novamente.
tudo é bem vindo ;D


Alf, eu gostei do seu layout novo. ficou muito mais leve, e o pattern é realmente lindo *--*

Carolina disse...

Que texto lindo... leve. Às vezes nos prendemos na dor e só achamos que dá pra fazer coisas bonitas com ela. Mas pior mesmo é quem vive nesse mundo que não existe.

Um beijo, moço.

Cáh disse...

olá querido...

olha, gostei muito... imaginar todo este nada, rs.
Gostei principalmente das tuas 'aspas' de hj...


falar de cor é tão bom... Difícil é só pra quem não entende nada disso.


Um grande beijo

:: Mari :: disse...

Lindo, lindo, lindo...

Alexandre, se soubesse formar uns bons traçados, faria uma bela pintura com este texto, adorei!

Obrigada pelo carinho que sempre deixa no meu tic tac, saiba que é tudo recíproco.

Bjos

Lia Araújo disse...

Olha... eu to do contra... e acho que a vida é sempre o mesmo quadro... só muda a moldura...

mas, isso é pq eu não sou mais doce...
agora, sou chocolate meio amargo....
mas, tudo bem....

melhor pra diabetes

bjos querido