A Dama de Espadas

23 de janeiro de 2010




When the dog bites, when the bee stings
When I'm feeling sad
I simply remember my favourite things
And then I don't feel so bad
(My Favorite Things - Richard Rodgers & Oscar Hammerstein II)


Ela queria paz e sossego. Deliberar por umas horas os momentos cruciais do que houvera acontecido naquela noite era preciso. Sempre foi assim. Sempre após o mesmo fato. Uma boa dose de cerveja era sempre sua opção preferida. No seu local preferido, obviamente: um bar, no estilo inglês, perfeitamente adequado à sua necessidade. Porém aquele foi um dia mais traumático do que os outros. Foi à busca de um lugar mais sóbrio e reservado.

Aquele Pub era requintado. O preferido dela para ocasiões assim delicadas. A elegância predominante no lugar era exaltada por pessoas de um padrão da alta sociedade e sua decoração peculiar e esmerada. Um recinto aconchegante e sofisticado, com quatro ambientes, sendo uma área externa exclusiva para fumantes e um mezanino. Ela gostava do mezanino, mas preferiu ir ao balcão. Naquela ocasião fumar também seria muito clichê. A decoração do Pub apresentava aprimorados toques dos anos 70 a 80, com quadros e pôsteres originais de celebridades musicais da época. Ela gostava do tom nostálgico.

Há muito tempo foi um lugar onde se jogavam cartas, e por isso sua característica mais forte são os detalhes de cartas de baralho desenhadas na parede, e alguns itens decorando a mesa e o ambiente. Era um fascínio para os fãs mais dedicados do jogo. Isso tornava o lugar mais confortável para ela, uma exímia jogadora de pôquer. Ali não se sentia mal. Era isso que ela precisava.

Alguns instrumentos musicais eram vistos em todo o ambiente, somando com um breve contraste de uma bela iluminação neon. O que a fazia se sentir em casa. Um elegante local que naquele momento tinha como música ambiente uma versão de My Favorite Things, do mítico cantor de Jazz Jonh Coltrane, o preferido dela. Ela sorriu, como se tudo fosse minuciosamente escolhido para agradá-la. Era o lugar perfeito mesmo. Ao sentar, pediu o de sempre, um Chopp Guinness, irlandês, com um amargor e adocicado mesclados na medida certa, ao seu gosto.

Aos poucos foi convalescendo na doce melodia de Coltrane, que emanava toda a paz que ela necessitava. Algumas lágrimas ameaçaram sair faceiramente pelos olhos, mas ela evitou o máximo. Precisava ser forte. O Chopp tranquilizava a sensação por dentro. Aninhava o medo e a dor que procurava brechas para atacar seu coração. Não podia. Não dessa vez. Como ela pôde. Jamais tinha acontecido isso. Ela jamais permitira. Mas ele foi diferente. Ela não conseguiu não olhar pra ele. Não conseguiu não sorrir. Não conseguiu não se apaixonar pela candura dos seus olhos e de seu carisma inocente e sensual. Não conseguiu não se relacionar. E isso era terminantemente proibido para o tipo de trabalho que ela realiza. Era uma restrição necessária não envolver sentimentos. Isso a amargurou um pouco.

Após algumas horas, antes do bar fechar, ela foi para casa. Passou a noite em claro, pensando no acontecido e nas implicações que poderiam vir logo ao amanhecer. Às 6h da manhã, seu celular tocou. Ela franziu o cenho – “Já tão cedo?” Pensou. Era o “Mister”. Ela atendeu friamente.

- Pronto. Pode falar - ela não parecia tão animada.
Uma voz masculina ressoou do outro lado da linha, quebrando o gelo do ar pesado.

- Bom dia querida “Dama”. Estou ligando pra dizer que a quantia exigida já está na conta. Foi perfeita, como sempre. Obrigado. Quando precisar novamente te ligarei.

- Sinceramente, espero que não mais. Adeus! - respondeu a ele rispidamente. Ela pareceu ouvir um sorrisinho irônico. Desligou logo depois.

Nisso, ela desceu pelas escadas e foi até a porta da frente. Abriu e pegou o jornal da manhã. Lá na primeira capa ostentava a matéria que ela procuraria evitar. Foram rápidos. Demais. Leu algumas linhas:

[...] empresário bem sucedido é encontrado morto em sua casa de campo. Morto por uma lâmina perfurante, a perícia ainda encontrou uma carta de baralho dama de espadas em cima de seu corpo como um indício de que a autoria do crime é da desconhecida e foragida assassina em série denominada “Dama de Espadas”. Ainda começarão as investigações, mas inicialmente não há indicações das reais motivações para alguém querê-lo morto, porém [...]

Jogou o jornal no lixo. Pegou um cigarro do bolso e o acendeu. Sentiu o ar frio, e com uma breve olhada pela janela, viu a neve surgindo. Pegou algo no bolso do casaco e ficou apreciando uma bela carta “dama de espadas” em sua mão. Ela fechou os olhos, e uma lágrima caiu na carta. Por um longo momento ficou pensando no que o “Mister” disse. “Foi perfeita, como sempre”. Voltou pra cama e dormiu. Tristemente. O inverno chegara.





Aspas do Autor: Não gosto muito de fugir do meu estilo, mas creio que as vezes é bom se esgueirar por universos diferentes do nosso. Tudo isso por mera forma de abranger um pouco a prática. Gostei de me enveredar um pouco pelo suspense, algo policial. É bom trabalhar com enigmas. Sofri uma leve (?) inspiração do coringa, porém só no gênero do nome escolhido. O resto procurei dar mais personalidade. Embora sendo um conto, com detalhes mínimos. Espero que surjam outras histórias assim. Meu carinho a todos.

17 comentários:

Carolina disse...

O texto me prendeu o tempo inteiro; o final me supreendeu totalmente. Sério, não esperava que a história fosse terminar em um assassinato. E nem achei que ela tivesse um tom policial, só enxerguei sentimentos. Adorei!

Ps: tô te seguindo no twitter, @carolda ;*

Sibele disse...

Oi,ALF!Td bem?Nossa muito legal o texto bem supreendente mesmo é isso ai é sempre bom enveredar por novos caminhos ir atrás de novas inspirações.
Um ótimo começo de semana!
Beijosss

Gabriela Marques disse...

As vezes é bom variar um pouco mesmo...
O texto ficou ótimo, eu adorei o clima de suspense.
Até mesmo uma assassina pode ter sentimentos e gostar de alguém.

Beijoos'

P.S. Desculpe-me por não ter vindo antes, volte sempre ao meu blog pois sempre virei aqui tbm! ;)

Sempre querendo saber disse...

Eu tbm espero que surjam outras histórias pois adorei.(Pareceu Sidney Sheldon,chic esse meu amigo rsrs)

Ni ... disse...

E que inspiração mais bem vinda..!

Beijo e mais beijos

Laís Dourado disse...

Vai fundo nesse novo estilo por que ficou muito bom. Achei ótima a descrição do lugar (do vocabulário a imaginação) e um enredo interessante!

ELIANA. disse...

Olá Alf, tudo bem?Vim matar as saudades!!Muito legal o que você escreveu!!Adorei!!Uma história que prende mesmo!!Meu querido tenha uma ótima semana, com tudo de bom!!Fica com Deus!!Beijo!!

ELIANA. disse...

Olá Alf, tudo bem?Vim matar as saudades!!Muito legal o que você escreveu!!Adorei!!Uma história que prende mesmo!!Meu querido tenha uma ótima semana, com tudo de bom!!Fica com Deus!!Beijo!!

Yaas disse...

Não sei nem o que dizer ALF, já que nesse exato momento eu to falando um monte desse seu texto no twitter! Foi perfeito.
Ficou perfeita a mistura entre o romance e o suspense, e ao mesmo tempo em tão poucas palavras. Sério, adorei.
Acho que quando fugimos de nossos estilos, é quando percebemos que podemos nos sair bem em outras posições.
E mandou muito bem escrevendo do ponto de vista feminino *-* to babando no post ainda. Parabéns!
beeijos :*

Admin disse...

mUITO BOM TEXTO, CONTOS SÃO SEMPRE BONS

Juliana Ribeiro disse...

Menino, que texto mais envolvente, me surpreendeu e me prendeu o tempo inteiro!

Beijujubas

Alex disse...

Gostei muito da mudança, Alf. Muito. :) Você segurou o leitor, foi deslizando pelos fatos, colocou o crime, as sensações, o frio, os sentimentos, tudo ali.

Enverede-se mais vezes nesse caminho bom que é o suspense. O detalhe da carta é ótimo.

=)

Kari disse...

Descobri que posso postar aqui do estágio. Continuo sem internet em casa. Mas ei... Saudade de tu, moçinho!!!!!!

Se vier ao Recife, é só avisar que a gente se encontra sim...

Assim que tiver uma folga, eu leio esse suspense, viu??

Beijãoooo

Cáh disse...

Olá querido...
gostei do coeço ao fim, é bem diferente mesmo do que escreve, porém foi maravilhoso, não esperei que terminasse em morte, acreditava somente n dor dos sentimentos, mas foi sutil, foi perfeito.



Beijos!!!

disse...

ALF,

Seu texto me prendeu do inicio ao fim.
Muito bom!

PS. Seu comentario lá no blog me fez lembrar de um outro post onde dalei do olhar dele... amei a expressão "paisagem dentro da íris"...
É exatamente assim com ele.

Beijo doce!

Unknown disse...

Alf, me senti muito lisongeada com sua visita, e vim fazer uma de cortesia, pois, confesso que não estava muito inclinada a ler hoje (coisa atípica), quando cheguei aqui mudei completamente meu conceito, passei um tempo lendo seus textos, me perdi em alguns deles, me encontrei em outros, gostei daqui. Me identifiquei. E ter uma citação de Antoine só contribuiu mais para que me sentisse a vontade. E quanto a permissão para visitar meu blog façamos um acordo: Você tem livre arbitrio, mas tem que me permitir voltar sempre :)

Beijos.

Jaya Magalhães disse...

Confesso: não pisquei. Foi tudo de uma coerência absurda, sabe? A maneira como você conduziu meus olhos. O jeito de fazer tudo ser filme, do lado de cá. Adorei a ousadia, Alexandre!

E não sei, mas a coisa do baralho me lembrou o Coringa, de Batman. Rs.

É um prazer te reler. Em especial hoje. Uma surpresa.

Um beijo.