(Para quem não leu a primeira parte é recomendável. E para melhor entendimento do texto, ler minhas considerações depois do fim da história - é longo, mas é pertinente)
Parte II - Final
if i had a tale that i could tell you
i'd tell a tale sure to make you smile
if i had a wish that i could wish for you
i'd make a wish for sunshine all the while
(John Denver – Sunshine on my shoulder)
Pra sua tristeza, certo dia, ao estar dormindo, soube em sonho que a sua vida se encerraria em breve. A menina era portadora de um sopro no coração. Mesmo ao se tornar consciente de sua doença, não contou a ninguém, nem aos seus pais. Confidenciou apenas a si mesma. Naquele momento se deixou nas mãos do coração e da sua amabilidade. Se assim era o desejo da sua ‘Pequena Luz do Sol’, ela aceitou e confiou a sua vida ao destino. Dali em diante agiu conforme a sua
Pequena Sunshine aconselhava. Sua vida tinha contagem regressiva. Estava próximo o dia de partir.
A menina viveu, ainda, muitos meses, com uma alegria incontestável, encantando e cativando todos com a sua alma pura e transparente. Viveu até o dia em que os céus mandaram aquele tempestade. Os céus preparavam sua ida, e naquele fatídico dia choraram intensamente, despejando na terra e nos empobrecidos de alma, a sua indignação e raiva.
Sua
Pequena Sunshine sussurrou. Ela sabia que era o chamado. Era necessário. Com uma tristeza no olhar, resignada, fugiu de casa, e na chuva torrencial, correu até o seu local secreto e lá se ajoelhou orando à
Pequena Sunshine. As horas foram passando e o drama avivando mais ainda a dor da menina. A tempestade continuou, e aumentando cada vez mais. Era perceptível o semblante de medo e terror das pessoas, em suas casas. Aterrorizadas, sentiam suas vidas estremecerem.
A garota continuou orando, muito, pelas almas ali daquela terra. Eles precisavam. Sob aquela chuva impetuosa, compreendeu o significado de sua doença. Ela sabia que o verdadeiro câncer não morava dentro dela, mas naquele mundo que vivia em trevas, e que vivia afundado em sentimentos egoístas, falsos e hipócritas. Um lugar onde as pessoas não davam valor aos sentimentos verdadeiros e reais; nem tinham consciência dos elementos essenciais para propagar o amor puro e paz envolvente. O mundo estava doente sim. E isso a entristecia demais. A profunda desilusão – que ela sempre teve – a fez adoecer.
Perto do amanhecer, os pais deram falta dela. Mas era tarde demais. Ao despontar a luz do sol, então ocorreu um fenômeno. A tempestade cessara bruscamente, e com o barulho estarrecedor de um trovão, fez latejar, com dor, todos os corações daquela
Terra de Inocentes. Muito longe dali, na
Terra de Culpados, percebeu-se apenas uma lágrima cristalizar dentro dos corações de cada um. Os culpados, verdadeiros inocentes. Os inocentes, atormentados pelos pecados escondidos por trás de máscaras. Não eram tão inocentes. Foram julgados.
Os olhos da garota avistaram pela ultima vez a luz do sol. Sorriu e sentiu que tinha cumprido o estabelecido. Num espasmo de dor lancinante, seu coraçãozinho terno e amável palpitou pela última vez. O corpo, inerte, já sem vida, caiu na terra fofa e molhada. Sua vida se esvaiu ali. E se foi estampando no rosto um lindo sorriso, um semblante sereno e apaixonante. Ficou ali, no afago da paisagem, do jardim repleto de flores perfumadas, sendo abraçada pelo amanhecer de um novo dia. Enquanto isso, muitas pessoas ficaram por horas sentindo uma dor não física, mas que era extremamente intensa e muito real. Os corações palpitavam a própria dor. Cada batida, uma agulha.
Depois de um tempo indeterminado, o terror que tinha se estabelecido, sumiu. Novamente o céu azul despontou graciosamente, juntamente com a luz vibrante e brilhante do sol, que se fazia presente num estribilho de aquarela doce e pacificadora. Os céus pareciam ter demonstrado toda sua dor ante a partida dela. Despediram-se daquela alma tão linda, pura e tão repleta de amor, doçura e sensibilidade que chegou a viver naquela Terra.
Poucas horas depois o corpo morto da menina foi encontrado pelos pais. E chorosos, ficaram ali abraçados ao corpo tão delicado da menina. Choraram como nunca choraram antes. Levaram o corpo e, todos da
Terra de Inocentes souberam do trágico fim da menina que adorava o coração, sua
Pequena Sunshine. Abruptamente, naquele espanto, tristeza e mistura de emoções, todos choraram ante a menina. Os habitantes da
Terra de Culpados sentiram o coração também doer e chorar, mas com uma inesperada saudade, de alguém que amavam e jamais chegaram a conhecer. No céu era possível ver a imagem de um coração. E todos se emocionaram. A partir daquele dia, o mais maravilhoso de todos os dias que já existiu, a garota ficou conhecida por
Pequena Sunshine: a menina coração.
Naquele exato momento todos os corações da
Terra de Inocentes e na
Terra de Culpados foram invadidos por uma luz de amor e de esperança em seus corações. A imagem da doce e carinhosa menina perduraria para sempre no coração de todos ali. A menina, como ela tanto afirmava, realmente se tornou um coração. Tornou-se parte de todos que ali viviam. E dentro de cada um, agora, vivia a magia e ternura daquela alma pura e amorosa. Ela estava certa quando dizia que se tornaria um coração quando fosse morrer. E isso foi um aprendizado sussurrado àqueles corações duros e cegos. Quando nos tornamos especiais, mesmo com a partida, ainda ficamos, para sempre dentro de cada um que nos ama, não como uma simples lembrança, mas como um pedaço do coração. Um pedaço que nos abastece com vida.
Agora não existiam mais
Terra de Culpados, nem
Terra de Inocentes. Agora estavam unificadas. A partir de agora, era a
Terra do Amor. Tornara-se um mundo conhecido pela história da menina-coração; mundo esse, onde viveu a
Pequena Sunshine. Era agora, carinhosamente chamado,
Mundo da Pequena Sunshine. A terra onde, finalmente, o coração se tornara o mais importante de tudo; o maior dos maiores; o mais supremo; o que está acima de tudo. O coração era agora a força que regia a vida daquelas pessoas. A
Pequena Sunshine seria então o verdadeiro Deus, aquele que provê todo o amor, luz e paz às pessoas. E assim foi pra sempre, naquele lugar. Um mundo renovado, guiado pela sensibilidade dos corações humanos.
FIM
Aspas do Autor: Pela polêmica que o texto proporcionou a uns, e para poder orientar um pouco o entendimento de outros, é pertinente dar considerações a cerca da história. Antes de qualquer coisa, são idéias minhas. Não se sintam obrigados em acreditar, por favor. Nem estarei impondo nada. Exporei meus argumentos descrevendo de forma clara alguns significados importantes que eu quis passar e só pude compreender depois de ter lido várias vezes:
- O texto está recheado de simbolismos. Muitas idéias estão implícitas e além de qualquer significado estritamente físico. O texto é um retrato da realidade, expressa por meio de pinturas literárias;
- As duas Terras (Inocentes e Culpados) da qual menciono no texto são uma maneira leve de mostrar a realidade como é. Na Terra de Inocentes vivem os verdadeiros pecadores; aqueles que vivem atrás de máscaras e se julgam inocentes. Uma terra composta pelos falsos moralistas, que se proclamam melhores, mas são superficiais e não dão a mínima para sentimentos verdadeiros. Por trás de “boas ações”, se dizem pessoas do bem. Retrato a pretensão humana de se achar superior em relação a outras pessoas e a hipocrisia tão presente no mundo. Na Terra de Culpados vivem os marginalizados, os que sofrem preconceitos e que são julgados pelos “inocentes”. Ali vivem os puros de coração, os que amam com sinceridade e lutam por valores reais e verdadeiros, mas que vivem numa prisão imposta pelos que se dizem inocentes. São vítimas da falsa moralidade. É minha maneira de retratar o quanto hoje em dia as pessoas sinceras, e honestas sofrem represálias e têm dificuldade de viver num mundo onde impera a falsidade e o desamor;
- A menina representa o amor, uma presença de Deus. Aquele que não distingue quem é ou como é; que apenas dá e ama. Ela vive nos dois extremos. Ela consegue superar qualquer fronteira entre as duas Terras, com a sua espontaneidade, sinceridade, sua inocência e crença. Retrato nela a pessoa que consegue, com seu jeito doce a amável, estar acima do que o homem impõe, e com sabedoria e personalidade, não vive em nenhuma das terras, mas ao mesmo tempo nas duas;
- Quanto ao fato dela não acreditar em Deus. Na verdade, bem no texto digo que ela não acredita naquele deus que proclamavam. Esse deus (em minúsculo, porque esse deus não existe) que eu retrato é o deus colérico, aquele que castiga. É uma maneira de criticar as pessoas que hoje em dia se utilizam desse deus pra proclamar falsas verdades, conseguir riquezas e enganar fiéis ao custo de beneficiamento próprio (Sim, essas pessoas existem). A menina acredita num Deus-Amor, num que ama a todos sem distinção de raça, cor ou posição social e que é incapaz de ter raiva ou castigar. O mesmo Deus proclamado por Jesus.
- Quanto ao coração. Puro simbolismo. Ela não acreditava na imagem do coração, muito menos no órgão involuntário que batia dentro dela. Ela relacionava Deus com o Coração, muito mais significativamente pelo que ele representa. Pra ela o coração é símbolo de amor, paz, sentimento e acima de tudo: vida. E pra ela Deus era como um coração, por significar amor, por ele ser e dar a vida;
- De acordo com a menina, Deus é Ela. Da mesma forma como o coração, ela relacionou Deus com a Feminilidade. Mas não fisicamente mulher, mas que possua elementos femininos. Porque pra menina (e pra mim) o feminino contém elementos de doçura, ternura, candura, delicadeza, sentimento, alegria, paz e amor. É fato que as mulheres têm isso de sobra. Duvido que Deus não contenha isso também. Pretendi com isso dizer que Deus tem elementos masculinos e femininos, não querendo impor que ele tenha um sexo. Até Jesus ensinava por meio de simbolismos (Ele chamava Deus de Pai: um simbolismo, que retrata de fato que Deus é como um Pai, não no sentido físico, mas na essência real, pressupostamente por sermos filhos dele);
- Deus é uma entidade sem suporte físico e sem gênero sexual, e é composto por elementos sentimentais. Cada pessoa enxerga Deus de uma maneira, e não há ninguém errado. Se fosse assim, por acaso um cego de nascença, que vive sem conceito de imagem, não é capaz de acreditar em Deus só porque nunca viu nada na vida? Não Importa se uma caixa pra mim é quadrada e pra tu é redonda. Se acreditarmos conter a mesma coisa (amor), ambos estamos no caminho certo. Por isso não vejo nada em meu texto que fira conceitos religiosos. O mesmo Deus dela é o mesmo meu e o seu, apenas visto por uma perspectiva diferente e inocente. Nem estou aqui pra contradizer a crença de ninguém, mas REFORÇAR. Cada um está certo na sua maneira de ver. Não importa a imagem que façamos dele, se nossa crença tem como base apenas uma verdade fundamental: que ele existe, é AMOR e o sentimos;
- A doença dela mostra o quanto essa realidade dura também nos faz adoecer. E citei pra retratar que morreremos inevitavelmente, mas precisamos aceitar a continuar
VIVENDO e irradiando amor;
- A história nos mostra que precisamos confiar e agir mais ‘com o coração’, ou seja, ouvindo o âmago de nossa alma. Ouvir o coração é escutar um sussurro de Deus;
- O fim da história não é sonho ou utopia. É o retrato de um futuro que há de ser, e eu acredito estar próximo.
- As frases da música de John Denver no início das partes da história refletem o que desejo pra todos.
Bem, é somente. Espero que tenham gostado da história. Grande abraço a todos. Fica aqui meu sincero e emocionado carinho.