A verdadeira beleza

16 de maio de 2015

Arte por: Min Hao Feng



Quem se aproxima da casa dela, rapidamente sente-se atraído pela beleza do quintal. Flores vívidas, brilhantes e de fragrância apaziguadora, em um jardim delicadamente cuidado, adornam todo o terreno que circunda seu lar. É de tamanha beleza, que atrai olhares até do mais desatento. Um encanto gravitacional que chama a atenção de quem passa em frente à sua casa. Olhares ficam curiosos e nitidamente extasiados pelo belo que reluz de suas flores. Ao se aproximar, o aroma impregna e apaixona quem o sente. 

Mas é recanto singular, tão único e especial, que poucos recebem permissão dela para adentrar. Alguns raros chegaram a conhecer seu jardim, mas foram visitas fugazes, nada agradáveis a ela. Esses afortunados ficaram tão cegos diante do jardim envolto à residência da moça, e fisgados por uma ilusória sensação de prazer, que mal chegaram a conhecer o interior da casa. Com tamanha pretensão, tomaram para si a beleza externa que pairava no lar daquela moça, e sem o devido cuidado, pisotearam sem dó todos os cantos daquele jardim, aproveitando e depreciando-o com uma censurável violação. Experiências que a fizeram sofrer bastante.

Algo que lhe entristece e transtorna muito é saber o quanto dão valor demasiado ao seu quintal, que ela tanto cuida, mas que no fundo é apenas o convite para a verdadeira beleza. Ela só queria que alguém que desvencilhasse dos limites do seu jardim. Ela só queria conhecer alguém que fosse além de sua beleza externa, e tivesse a delicadeza de observar a casa, notando o quanto ela pode oferecer algo mais único ainda que as exuberantes flores que ornam por fora. O que ela espera é uma pessoa que tenha a sensibilidade de perceber que a sua humilde casa é o lugar certo para morar.

E ela estava certa. Muitos se prendiam no seu jardim, mas poucos viam além dos olhos. Perdiam de conhecer o seu interior, os lindos cômodos, a formosa decoração e os móveis tão bem dispostos. Ali seu verdadeiro eu esperava, quem fosse, para tomar um café da manhã, uma conversa de fim de tarde, um momento juntos para ouvir música ou discutir leituras. Tudo no conforto do seu lar interior. Ali era o seu templo, onde a sua verdadeira beleza se ostentava com discrição e encantava com fineza. Um lugar para amar e ser amado. E se um dia alguém [na casa] entrar, para sempre irá morar. Sempre...



Aspas do Autor: A verdadeira beleza está dentro da casa. O amor não fica à mostra, ele se esconde. Mas poucos realmente veem. Visitam apenas o quintal [da gente] e pisoteiam sem nenhum cuidado. Porque no fundo, essas pessoas são realmente cegas quanto ao que é realmente belo.

Sublime

2 de maio de 2015





Os sopros esguios e sublimes, das tenras e ermas manhãs, causam dobraduras na essência não visível que se sustenta pelo ar. O belo se equaciona e se instala furtivo na textura não palpável da vida. É um rebuliço de encanto, de viço singular, adormecido em enfeites que transitam por aberturas calibradas com a maciez da natureza. Sublime é a transição silente, o avanço das horas, o acolchoar do dia com afago, um deleite que enriquece o pulso vital do mundo.

É um ciclo sustentável, amparado num toque que delibera, e flui, abraçando o cálido tecido do amor, como tulipas que reagem ao abraço caloroso do vento; como sorrisos que agem como maestros de um afeto doce e secular. As vidraças desembaçam com os olhos poéticos que lustram o translúcido querer que vinga no peito. Mares revoltos se abrandam sob a regência das estrelas que vagam no céu, desembrulhando pacotes de esperanças. São segundos, horas, dias ou nada.

A vida nasce de um roteiro não descritível em palavras. É aquele silêncio que não se traduz em abraço curativo, em um gesto que retumba a melodia sublime da criação, feito outono debruçando primavera em uma misteriosa compreensão. É poesia que enverniza o azul do horizonte, tal como a luz que destila sua magia ao colorir a trama de um eloquente universo, conferindo um corpo ao breu. Um espetáculo nascente, princípio de uma rima há muito presa na língua e oculta pelas penumbras do medo.

A vida desabrocha, sustenta-se como flor que se abre em infinda beleza, torneando suas pétalas e exalando sua mais preciosa fragrância. É uma singularidade, simplicidade que se torna de dimensão incompreensível, porque é sentimento que acaricia em um acalanto sublime, numa exultação aprazível, discreta e rasteira. Há um desmedido zelo que acidenta corações com leveza, e preenche a alma com rastros de fé inabalável. Presenciar é ter paz, é sentir fluir, como um riacho desviando solene das pedras, em uma profunda meditação.

Não há algo tão majestoso quanto a passagem do dia, nem do quão imponente é o embalo natural das coisas, um organismo responsivo por si próprio, subserviente à programação a qual lhe foi incumbida: ser independente. Tudo se torna porque foi feita para ser assim. Tudo tem vida própria. Nasce e morre porque é o seu desígnio. É um processo tão único o modo como as coisas giram e evoluem, um pilar para o perfeito equilíbrio de um universo inteiro que vive sobre sua própria existência. Não é apenas lindo, é simplesmente sublime.



Aspas do Autor: Tudo ao redor é tão inexplicável, por isso sublime. Gosto das coisas indecifráveis, mas que encantam de maneira tão profunda a ponto de satisfazer plenamente meu coração.