Pelo espelho do tempo

18 de janeiro de 2014




Meu olhar estaciona nos reflexos que vejo pelo espelho do tempo. E neles revigoro a minha criança, meu lado pequeno que nunca se desvencilhou de mim. Reafirmo valores que nasceram sob um sorriso inocente, desabrigado de maturidades que ainda me eram tolas, quase desnecessárias ou risíveis. Era um tempo em que tudo me parecia distante demais – e gigantesco, quase infinito, sem que eu soubesse os reais significados. Porque ser criança é padecer de uma ignorância sadia, da qual nada nos pesa e nos responsabiliza. Eu era livre de qualquer ônus que fugisse da minha função em ser apenas criança.

Os reflexos de ontem me habitam como se fossem tão concretos quanto o hoje. As emoções que me formam, quase pueris eu diria, são joias que o tempo gentilmente lapidou; tesouros que meu interior soube, com o tempo, resguardar e dar o valor que lhes cabem. Ou seja: inestimáveis! São os momentos, as lembranças, cada situação em que esbarrei e me fez chorar ou sorrir. São selos preciosos que ficaram colados em meu coração tão romântico, sonhador e visionário; um pedinte feliz por realizações que até hoje me incentivam a viver.

Rendi-me ao olhar de ontem. E o ontem foi residência de maravilhas. Havia uma poesia diminuta que acarinhava meu andar infante, tão singelo e desprovido de preocupações. Sorrisos abundantes que denunciavam uma inocência quase brejeira, sem eira nem beira, espontânea e liberta. Era fácil. Era uma meninice tenra que me alarmava com olhares transparentes, sem o pendor das responsabilidades. Era um vívido tempo. Eram passos eternos, num mundo de proporções gigantescas.

Cada aprendizado era colhido em inúmeros erros, acontecimentos simplórios, mas que hoje percebo sua grandeza. Aprendi na medida em que crescia. E cada momento parecia uma descoberta fantástica. O mundo se expandia. Eu me encantava. A verdade é que minha infância foi tesouro. E hoje, em meio aos devaneios, ao abrir a janela das vivências de ontem, acerto em afirmar que muito da infância, daquele teor imaginário, do poético ambiente e do sabor daquele tempo, ainda vivem nítidos em mim. E é isso que me engrandece e me torna mais homem a cada dia.

Meu coração brilha pela releitura que meus olhos fazem do tempo infante da minha vida, dos meus primeiros dias [e anos] em que meu coração florescia e minha alma despertava para uma saudável peregrinação por felicidades, por contentamentos singulares que até hoje são alvos do meu esperançoso ser. Um ser dedicado numa busca por sentimentos que, hoje, podem soar arcaicos ou piegas para uns; mas que não desiste, sem se importar para essas banalizações atuais pelo verdadeiramente essencial.

Revisitando meu menino interior, fortaleço mais ainda o homem em que me tornei. Porque percebo que não perco tempo ao seguir o que o meu coração me impele a querer. Afinal de contas, meus olhos perseguem o que é bom pra mim. E ele não liga se a maioria das pessoas esqueceu-se do que realmente vale a pena, e nem se deixa influenciar pelo caminho inverso que a maioria tem feito, nem pelo modismo que nasce nessas buscas equivocadas por superficialidades que não acrescentam em nada.

Pelo espelho do tempo enxergo bem a criança que ainda sou, sem nunca ter perdido como homem, a essência que sempre me definiu.



Aspas do Autor: Ando nostálgico esses dias, e por ter lido alguns outros textos sobre lembranças, acabei parando pra refletir meus momentos também. Por fim, concluí este texto, começado a ser escrito em outubro do ano passado. O ontem me reflete bem o que ainda sou e a essência que nunca perdi.

9 comentários:

Anónimo disse...

Oi, Alexandre, querido!

O tempo ou o espelho do tempo, como tu tão sabiamente lhe chamaste, nos mostra sempre tudo: o melhor, o razoável e o pior.

Teu texto é uma análise intrínseca e extrínseca, feita com muita correção, lucidez e arcaboiço mental.

Eu percorri o teu texto, primeiro, de alto a baixo, sem grandes demoras, mas me apercebi, de imediato, da desenvoltura e da compostura do mesmo.

Sabes que te prefiro escrevendo prosa a poesia, mas mesmo assim, acho que já melhoraste bastante no aspeto poético.

CONTUDO, MEU "MININO", QUE JÁ NÃO ÉS TÃO MENINO, ASSIM, TU CONSEGUES TER UMA MATURIDADE BEM SUPERIOR À TUA FAIXA ETÁRIA, E NÃO COSTUMA SER ASSIM.
ÉS UM VISIONÁRIO E UM ANALISTA.

A maturidade de uma mulher com 20 anos, equivale à de um homem, de 27/8 anos. Nós "amadurecemos" mais cedo, mas morremos mais tarde, dizem as estatísticas.

Hoje, te sentes um homem, que adquiriu valores, e que hoje muito te enobrecem.

Sabes, aqui, em Portugal se diz: ele/a teve berço ou não teve. Dá para tu entenderes?

Quanto a nova postagem no "Luzes", talvez no final desse mês, ou princípio do próximo. O tempo é muito escasso, e eu escrevo poemas tão longos, longuíssimos, que não dá para, de um dia para o outro, publicar. Depois, as imagens, a escolha do vídeo, enfim, eu sou virginiana, e tudo tem de ficar no lugar, nos trinques, como vocês falam aí, contudo, há sempre algo que está faltando.

SOU UMA INSATISFEITA NO PLANO DA ESCRITA. SOMOS TODOS, NÉ?

Lindo resto de domingo e sublime semana.

Beijos e abraços, bem apertadinhos, da Luz.

B. disse...

O importante é o que o nosso passado fez de nós hoje, o que aprendemos, o que abstraímos, o que nos formamos. Tudo faz parte da sua história.
Gosto da maneira filosófica como trata seu mundo particular.

Mayra Borges disse...

Nada melhor do que alimentar esse lado criança, deixar sempre essa parte intocada, essa inocência, uma pureza de alma que é realmente sublime.

Mais uma vez, vejo tua alma exposta em palavras, sempre encantadoras. Alexandre, é um prazer te ler.

Forte abraço e uma semana abençoada pra ti.

eraoutravezamor.blogspot.com
semprovas.blogspot.com

Wendel Valadares disse...

Só o espelho do tempo sabe mostrar com nitidez a criança que (ainda) mora em cada um de nós.

Belo texto Alê!

#tamujunto

Moça disse...

O tempo sempre pode, em nos, causar os espantos ou deleites em nossas vidas. Né?
Muito bom, adoro, como sempre suas reflexoes...

Flor de Lótus disse...

Oi,ALF!Que bom olhar pra traz e perceber que apesar de tudo não perdeste a tua essência, que ainda tens os mesmos princípios a mesma base sólida que serviu de alicerce pra seres o homem que és.
Beijosss

Mafê Probst disse...

E como digo Alê: a essência é o que fica.

Beijo poeta ;*

Bandys disse...

Oi Ale,

Hummm acho o espelho tão importante nas nossas vidas.

ele nos mostra não só a criança que fomos mais, mas a pessoa que vamos nos tornando.

Nunca engane quem do espelho te olha, e nai sim enxergaremos a mais belas visão de nossas vidas!!!

Beijos
ps voce que não foi no meu, viu??????

Ariana Coimbra disse...

Não me lembro de quase nada da minha infância. Só lembro de sempre ter acreditado que existe um lado bom em todo mundo e isso permaneceu comigo, essa inocência que não sei se é boa, mas é gostosa de sentir.
Não sei se a criança que fui se orgulharia da mulher que me tornei.

Belo texto.

Beijos