Diálogo

25 de janeiro de 2014




A fala que emudece. O coração que, sitiado, silencia ante as mazelas, delitos da alma, capturados na essência da vida. Como proferir a fala? Como atravessar a neblina que impede o íntimo de aflorar sua beleza, de questionar sua essência? Viver nos edifica em diálogos quase sempre silenciosos, sussurros audíveis nos quatro cantos da alma. É um [des]encontro que desalinha as bases e desorganiza os cômodos internos.

Há sempre um novelo de pensamentos que interrompe a fala do coração e a força dos dedos para transmiti-las. É um aperto, talvez do medo que cerceia nossa intrínseca vontade em ser feliz. É muralha que impede os guerreiros da alma de atravessá-la. É uma batalha feroz, mas que não tem caráter visível. Reside no silêncio, no altruísmo de um ser que se joga para aprender a voar. Há o risco de se chocar... Mas é tudo pelo bem estar. 

O sentimento que palpita e veste as palavras, a fala que torneia as margens do coração, numa íntima busca de compreensão, de um entendimento que circunda os olhos, que se desenha doce nos contornos do sorriso, nas feições de um rosto que sente em demasia. É uma necessidade que, paulatinamente, atiça o peito, com questionamentos, delineado numa indulgência que nos acorrenta.

O olhar desbrava o que se insinua e se estabelece oculto. Um mar de evidências, torpe sensação que aprisiona a alma em detalhes inexplicáveis. Dialogar é buscar, é dar veracidade ao que se sente e, pujante, transborda na alma. É um deitar-se no divã, tendo como psicanalista você mesmo.

É um enfim que recita os detalhes mais nobres de nós e nos puxa, aquieta-nos. É uma travessia que muitos têm medo de percorrer, mas é na coragem de encará-la que é possível descobrir a mina de diamantes que há, íngreme, dentro da nossa alma. As respostas nunca estão óbvias, mas existem.



Aspas do Autor: As vezes as palavras se tornam nós...

Pelo espelho do tempo

18 de janeiro de 2014




Meu olhar estaciona nos reflexos que vejo pelo espelho do tempo. E neles revigoro a minha criança, meu lado pequeno que nunca se desvencilhou de mim. Reafirmo valores que nasceram sob um sorriso inocente, desabrigado de maturidades que ainda me eram tolas, quase desnecessárias ou risíveis. Era um tempo em que tudo me parecia distante demais – e gigantesco, quase infinito, sem que eu soubesse os reais significados. Porque ser criança é padecer de uma ignorância sadia, da qual nada nos pesa e nos responsabiliza. Eu era livre de qualquer ônus que fugisse da minha função em ser apenas criança.

Os reflexos de ontem me habitam como se fossem tão concretos quanto o hoje. As emoções que me formam, quase pueris eu diria, são joias que o tempo gentilmente lapidou; tesouros que meu interior soube, com o tempo, resguardar e dar o valor que lhes cabem. Ou seja: inestimáveis! São os momentos, as lembranças, cada situação em que esbarrei e me fez chorar ou sorrir. São selos preciosos que ficaram colados em meu coração tão romântico, sonhador e visionário; um pedinte feliz por realizações que até hoje me incentivam a viver.

Rendi-me ao olhar de ontem. E o ontem foi residência de maravilhas. Havia uma poesia diminuta que acarinhava meu andar infante, tão singelo e desprovido de preocupações. Sorrisos abundantes que denunciavam uma inocência quase brejeira, sem eira nem beira, espontânea e liberta. Era fácil. Era uma meninice tenra que me alarmava com olhares transparentes, sem o pendor das responsabilidades. Era um vívido tempo. Eram passos eternos, num mundo de proporções gigantescas.

Cada aprendizado era colhido em inúmeros erros, acontecimentos simplórios, mas que hoje percebo sua grandeza. Aprendi na medida em que crescia. E cada momento parecia uma descoberta fantástica. O mundo se expandia. Eu me encantava. A verdade é que minha infância foi tesouro. E hoje, em meio aos devaneios, ao abrir a janela das vivências de ontem, acerto em afirmar que muito da infância, daquele teor imaginário, do poético ambiente e do sabor daquele tempo, ainda vivem nítidos em mim. E é isso que me engrandece e me torna mais homem a cada dia.

Meu coração brilha pela releitura que meus olhos fazem do tempo infante da minha vida, dos meus primeiros dias [e anos] em que meu coração florescia e minha alma despertava para uma saudável peregrinação por felicidades, por contentamentos singulares que até hoje são alvos do meu esperançoso ser. Um ser dedicado numa busca por sentimentos que, hoje, podem soar arcaicos ou piegas para uns; mas que não desiste, sem se importar para essas banalizações atuais pelo verdadeiramente essencial.

Revisitando meu menino interior, fortaleço mais ainda o homem em que me tornei. Porque percebo que não perco tempo ao seguir o que o meu coração me impele a querer. Afinal de contas, meus olhos perseguem o que é bom pra mim. E ele não liga se a maioria das pessoas esqueceu-se do que realmente vale a pena, e nem se deixa influenciar pelo caminho inverso que a maioria tem feito, nem pelo modismo que nasce nessas buscas equivocadas por superficialidades que não acrescentam em nada.

Pelo espelho do tempo enxergo bem a criança que ainda sou, sem nunca ter perdido como homem, a essência que sempre me definiu.



Aspas do Autor: Ando nostálgico esses dias, e por ter lido alguns outros textos sobre lembranças, acabei parando pra refletir meus momentos também. Por fim, concluí este texto, começado a ser escrito em outubro do ano passado. O ontem me reflete bem o que ainda sou e a essência que nunca perdi.

Flor ao (m)ar

11 de janeiro de 2014




Pétalas ao ar
Do amor
só restou a dor

Pétalas ao mar
Na dor
o caule se afogou

Pétalas ao (m)ar
Da flor
nem o espinho se salvou



Aspas do Autor: Às vezes o amor se afoga ou é afogado [rs] Uma poesia pra amansar janeiro. Abraços!

Coração desgastado

4 de janeiro de 2014




Me diga, qual seu veredicto? 

E o engenheiro explanou sua avaliação:
Seu coração tem um projeto conservador, com curvas românticas, mas pude perceber um toque de modernidade. É feito de um material muito resistente e dos mais raros. Porém, toda a sua estrutura está comprometida. É preciso refazer a fundação e restaurá-lo completamente. – enfatizou. 

Sabia que ele estava em condições ruins, mas não tanto. – disse baixando tristemente a cabeça.

Olha, está bem desgastado. Diga-me, o que fizeste com ele pra deixá-lo neste estado? 

Na verdade, algumas pessoas não souberam cuidá-lo direito. E no fim, abandonaram.

O engenheiro olhou-lhe compadecido.
Lamento. Você deveria tomar cuidado em não deixar qualquer um entrar no seu coração. 

Agora sei disso. – disse resignado – Mas me diga Senhor Engenheiro, é possível consertá-lo? O senhor faria este serviço? Quanto me custaria?

Olha, é possível. – concluiu – Mas vá me desculpar, isso está além da minha capacidade. Contudo, vou lhe indicar a pessoa ideal para restaurar seu coração. E advirto com antecedência, embora não cobre nada, ele é excêntrico e age silenciosamente. 

O Engenheiro deu o cartão de visitas para o moço. E antes que o moço pudesse lê-lo, despediu-se:
Contrate-o. Só ele tem a matéria-prima pra tapar essas deficiências no seu coração. Acredite, estará em boas mãos. E se você tiver paciência, ele o deixará como novo. Adeus!

Os olhos do rapaz saltaram ao ler o cartão. Era esclarecedor. No cartão lia-se: “Tempo”



Aspas do Autor: Só o tempo pra cicatrizar as estruturas abaladas de um coração...