Sopro célere

6 de setembro de 2014

Foto: Sandra Engberg


Tudo aparenta passar tão depressa, embaçado às vistas que mal se inteiram do ambiente que transaciona célere, em uma desenfreada fuga desapegada. A essência flui como uma correnteza sem piedade, sacolejando a estrutura móvel dos dias e esvaziando todas as estantes onde se estacionam as belezas, os aprendizados e a sanidade espiritual que tanto há na vivência sistemática e cadenciada.

Pouco se ajusta nessa soltura acelerada dos aspectos que nos abraçam. Estatelam pelos infinitos horizontes, feito luz que se dissipa inesperadamente. Perdemos o apego instantâneo, o ritmo enclausurado em nossas bases humanas. Talvez pelo desajuste íntimo e humano do tão essencial em ser, estar e viver. As brasas ondulam numa avidez pouco perceptível, de tão rápidas.

Há pouca nitidez nos pontos aos quais nos arremetemos. O raciocínio parece estar burlado por uma massa opaca, um campo de força que se alimenta de nossa concentração. Falta retoque e zelo, carinho e emoção. Dias passam como olhos piscam; anos se atropelam, feito uma frenagem que acidenta carros. Não há regra que diminua o solavanco da busca desordenada, da aceleração que incide nossos passos a um fatal arrebatamento.

Não é saudável ver a falta de cores, o cinzento se impregnar por causa do despreparo, da imperícia em pintar dias mais bonitos, em avistarmos o belo horizonte que se ostenta em nossas íntimas reclusões. O sopro célere de nosso descuido faz com que falte clareza nos detalhes ao redor, retira nossa perspicácia em perceber a avidez de um mundo essencial, de um templo que ancora nossas principais alegrias e vontades.

Perdemos o tato, o elo com a vida, com o primordial. Pairamos num ritmo deslocado e além, em uma paralela dimensão, próxima e distante ao mesmo tempo. Tudo parece desbotado, sem emoção e importância. Acontece que dispensamos em excesso nossa capacidade humana de subverter o simples em grandeza, de conferir poesia ao miserável, em dar cor ao que aparenta desprovido de vida.

A verdade é que tudo continua em sua condição normal – e natural –, desde os primórdios. Nossas nuanças humanas é que desprenderam do ciclo e se desligaram do fluxo universal, suspendendo-nos em uma correria sem precedentes. Há uma falsa noção de que as coisas passam voando. Nós é que apressamos sem precisão, sem o apuro de se alinhar nos sonhos que realmente movem nossos pés. No momento em que delegamos importância a mixarias, o essencial se perde das mãos. Tudo parece rápido, mas no fundo somos nós que aceleramos o compasso. Tornamo-nos vítimas de uma lufada ríspida e célere, lançando-nos sem direção, a lugar nenhum...



Aspas do Autor: Às vezes é bom desacelerar, apurar os olhos para o quadro bonito da vida e perceber o que de fato é essencial para nosso crescimento. Estou me disciplinando a isso.

10 comentários:

Renato Almeida disse...

Mais uma vez me vejo fascinado com sua forma de escrita.
Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

Carol Rodrigues disse...

Sabe, vc falou uma coisa ali que eu demorei muito tempo pra entender e aprender. A parte sobre não ser saudavel viver sem cores. Passei muito tempo, muito mais do que deveria, com essa falta de tato, de cor. Com a sensação de não pertencer ao que pertencia.
Mas eu era vitima de mim mesma e não percebia.
Talvez eu tenha interpretado o texto de uma forma muito minha e não sua. mas dizem que a boa leitura é assim, vc toma pra si.
Eu apenas fico feliz de que essa não seja mais a minha vida. É bom se reconhecer em algo que superamos. Sei lá. Talvez vc entenda melhor que eu. rs
♥ Beijos querido

B. disse...

Uma reflexão boa e forte Alexandre. Acabamos colocando a culpa no tempo, mas será mesmo que estamos sentindo de verdade? Vivendo emoções? Ou estamos deixando a essência perder-se por algo supérfluo?
Adorei!

Bandys disse...

Ola Alê,
Um texto de levezas embora profundo.
Acredito que essas passagens venha nos trazer novos caminhos.
Quando desaceleramos tudo fica mais lento e podemos observar os detalhes da vida
com mais calma. Percebemos então que existem sombras, existe o preto na pintura colorida do horizonte, olhamos os detalhes. E é a partir daí que decidimos a velocidade de viver!

beijos

Mafê Probst disse...

Num todo, a gente simplesmente não mais observa.

Lindo texto Alê!
Beijo meu, MF.

Carol Russo S disse...

A pressa é inimiga dos momentos bonitos, dos marcantes, pequenos, porém especiais. Observar o mundo que está ao nosso redor, cheio de belezas perante aos olhos distraídos, é uma capacidade que poucos têm e muitos deveriam apreciar.
Gostei da temática, Alexandre. Seus textos sempre intrigantes e bem alinhados, parabéns.

Nanda Torres disse...

Poxa, será mesmo que o tempo não está passando mais rápido? Muitos católicos acreditam nisso, que seria o fim dos tempos.
Eu acredito que sim, mas que tb estamos ocupados demais que não sobra de fato tempo... ah, sei lá, isso é complicado haha
Mas seu texto foi muito bem escrito, parabéns !!

Ah, acho tão interessante ter um homem acompanhando meu blog :)
beijos!

Vitor Costa disse...

Seu ótimo texto me fez refletir muito, em especial o último parágrafo, cuja profundidade me fez lembrar de uma das frases do personagem Rust Cohle do seriado True Detective que estou assistindo:

"Acho que a consciência humana foi um erro trágico na evolução. Nos tornamos muito autoconscientes. A natureza criou um aspecto seu separado de si. Não deveríamos existir pela lei natural.”

Essa afirmação se relaciona, de certa forma, com a atribuição acelerada que damos ao tempo, uma ilusória atribuição.

Abração Alexandre!

Mayra Borges disse...

Nós roubamos nosso próprio tempo, nos entupimos de afazeres, de destinos, de coisas que esquecemos que devemos ter tempo pra parar e contemplar a vida. Temos que nos dar conta do risco que é ter passado pela vida sem tê-la vivido de fato. É realmente preciso desacelerar.

Beijos, Alexandre.
Mais um texto lindo *--*

coracaoaflordapele.blogspot.com
semprovas.blogspot.com

Aline Goulart disse...

Primeiramente, eu quero pedir desculpas pela minha demora em retribuir o seu doce comentário, mas este mês está bastante corrido para mim. Porém, por mais corrido que esteja o mês de setembro para mim, eu estou procurando desacelerar um pouco. Também estou me disciplinando quanto a isso. Não há saúde física e mental que aguente tanta pressão dos afazeres do dia-a-dia. Precisamos aprender a mimar a nós mesmos com as coisas que gostamos de fazer e com as belezas que a vida nos oferece. Muito bom o seu texto, Alexandre.
Beijinhos estalados e uma ótima semana.