Desapego pontual

23 de agosto de 2014




Hoje não me apetece desalojar as tormentas, tampouco desvirtuar a ciranda dolosa que se intromete nos arredores íntimos da alma. Solícito, apenas revigoro o anseio de um ser cansado, desejoso pelo desapego e o despudor poético. Que as tenras nuanças se dissipem sob a calmaria dos dias que me acomodam. Acolho-me na fuga, sem responsabilidade, sem exigir nada de mim.

Esfarelo as tortuosas horas por minutos de paz, por um sossego que me abrace e dê soltura aos pesos. Coração às vezes necessita esquecer os motivos pelas pulsações. E no momento, só me resta deixá-lo de lado, entregue ao carrossel de minhas inspirações, hoje tão acomodadas e rubras. Às vezes pareço viver outro calendário, novos dias, alheios às insidiosas vivências de outrora. Um renovado olhar é o que me mantém por enquanto.

Desapego de horizontes, de rimas e flores murchas, abrindo espaços para estreantes – e estonteantes – auroras, e novas primaveras. Sinto leveza nessa pontual evasão, como fosse um convite para encantos distintos, renovadas experiências, situações que se distingam da tensão avolumada que me ocorreu. Abnego das quedas, das batidas e enfermidades, dos abruptos males pelas quais me tornei vítima. O que passou, foi-se, feito papel levado pelo sopro de um vento selvagem.

Desprendo de poesias, sem ligar para palavras deslocadas no peito, sem me importar daquele preso ar que tanto espinhou as texturas apaixonadas. Alço esperanças sem a devida expectativa, desatado de qualquer ótica iludida pelos meus olhos românticos. Sem planos, jogo no lixo o caderno usado – e desgastado pelo tempo – para dar lugar a um novo, com folhas brancas e contemporâneas, templos para histórias novas, rimas mais bonitas e inspiradoras.

Hoje me desfaço dos roteiros, para dar liberdade aos ponteiros do interno relógio, e fluidez ao ritmo dos meus quereres. Na vida tudo é preciso. Do nascer ao pôr do sol. Não seria diferente dentro de mim. Se ontem anoiteci, hoje amanheci. Em um desapego pontual.



Aspas do Autor: Um novo frescor me atingiu. Que a inspiração fique firme e o dia seja bonito então.

13 comentários:

Camila disse...

Desapego pontual... nada mais perfeito como título Alê!
Amanhecer sempre com coisas boas não é mesmo??!!

Aline Goulart disse...

Sério! Foi um dos melhores textos que já li no mundo blogueiro. Tudo perfeito desde o título até a última linha. O ontem é a história. O futuro é a possibilidade. O hoje é que reside o verbo viver. Beijos.

B. disse...

Muito lindo e melancólico. Gosto desses elementos bucólicos e desses elementos tão simples do dia-a-dia que você consegue colocar de forma tão profunda.

Vanessa A. disse...

O que dizer??? Apenas 'clap clap clap (aplausos)! Muito bom seu texto, me remeteu a liberdade, a vida. Parabéns!

Bandys disse...

Alê,
As vezes eu confundo o autor com o personagem e por mais que me esforce
não consigo perceber que esta vivenciando o texto.
Deixar coisas pra trás, esvaziar as gavetas,jogar o caderno fora são atitudes
dignas do ser humano, mas é preciso coragem. Somos tão apegados que precisamos usar de vários artifícios para escrever uma nova pagina.
É como zerar o velocimetro e começar ou recomeçar sem erros do passado.
O que eu posso te dizer que tudo é possível. Buscar a felicidade é um ato nobre.
Espere a noite , mas anoiteça com o luar, e amanheça com os raios de sol.
É essa energia que alimentara sua alma para coisas novas.Abra-se ao novo.
Beijos
ps pode passar lá!!!! :(

Carol Rodrigues disse...

E aí, sabe? Uma pessoa dessas tem a cara de pau de vir me dizer que não sabe mais escrever...

Vitor Costa disse...

Um desapego pontual e necessário, eu diria. Precisamos renovar a nossa vida folha por folha, o tempo nos apoia nesse sentido. Eu guardo alguns fragmentos do meu passado com um profundo esmero, mas, sei que a maior parte do pretérito pesa na memória e extenua a minha caminhada atual, por isso não posso guardá-lo na minha mochila.

Você tem o grande mérito de transformar uma batida mensagem (Carpe Diem) em uma rica gama de metáforas que renovam nossas esperanças no presente. Parabéns Alexandre

Bird disse...

impressão minha ou esse texto sinaliza um novo período na sua vida [e no blog]? me deu a ideia de mudança..mais do que de falta de inspiração, como a Carol comentou acima. {Emilie}

Carol Russo S disse...

Desapegos são necessários, realmente, principalmente quando certas coisas ocupam espaço demais dentro de nós... Mas, mais importante do que liberar espaço, é deixar este livre para novas escolhas, novos aromas e sabores! Na vida tudo é tão mais intenso quando se têm novas alternativas... Não deixe isso passar!
Gostei do texto, do título e do final. Casou bem as informações, parabéns!!!

Mari Mari disse...

E se o desapego parar de ser totalmente saudável? vc tem que ver pelos dois lados.
Eu desapego muito fácil de qualquer coisa ou pessoa - enjoo rápido demais.
Vc escreve tão bem, mas já tá cansado de me ouvir dizer isso por aqui, né. kkkk

~~Gab disse...

Nada melhor do que se desapegar, vamos começar com o tempo então.
Parabéns pelas escritas.
Amei aqui, Beijos

Anônimo disse...

Sou da opinião que o desapego, muitas vezes, é necessário. E saudável.
Que a inspiração e novos ares continuem vindo...

um beijo

Flor de Lótus disse...

Oi,ALF!Que maravilha é abrir-se para o novo, deixar de lado o passado e renovar as esperanças, os votos de felicidade.E que esse desapego te leve a um lugar muito bom.
Beijosss