“De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.” [...]
Poética - Vinícius de Moraes
Escrevo por vezes, sobre nuances que não me cabem nos olhos e mal se encaixam na minha inocente meninice. Sou elevado pelo sabor de um vento que trepida minha pele com um afeto aprazível e aconchegante, tão afetuoso que me abranda com carinho. É este sopro que me traz o que não sei. Meus dedos assumem o controle, transcrevendo momentos que escapam ao meu humano entendimento. Só sei que às vezes falo sobre sentimentos pelos quais mal senti na minha vida, sobre fatos que sequer tive oportunidade de presenciar ou viver.
Meu peito é coberto com esses invólucros sensoriais, capazes de, no íntimo, precipitar sentimentos nunca antes assimilados, momentos jamais vivenciados. Torno-me possuidor de tesouros alheios a mim, de delicadezas que fogem da minha compreensão, do meu estado pueril e finito. Essa condição transaciona meu ser a um deslumbramento sem igual. Muito embora, é esse acalanto que entrincheira minha alma numa insuspeita osmose, numa forma curiosa – e involuntária – de colher encantos desconhecidos. Capto na distância, no limbo em mim, num abraço furtivo do mundo.
Cresço e decresço diante de adereços que circulam pelo meu coração de forma quase indescritível, numa presença invisível, mas sentida por mim. Sinto-as e traduzo, reitero-as numa franca confissão, em palavras muitas vezes ignoradas por mim, em construções literárias que vão além do que eu posso alcançar ou explicar. Sou porta-voz de olhares nunca vistos, de sentimentos nunca germinados e perpetrados nas vielas humanas. Padeço numa intromissão poética que me seduz com demasiada inspiração, pousando suave seu encanto nas minhas pétalas.
Inundo-me com uma poética que adentra sem pedir permissão, visitando-me à distância sem que haja o toque com o meu universo. Amor que rodeia e me abrange. E capto. Mergulho. Num segundo me abundo em uma nascença inconsciente, num mar de encantos que por vezes trespassa a fronteira do meu tatear, do meu fino e suave passo. Sou acalentado com a poesia do amor, de todo um afeto que adorna o ambiente ao redor. Sem explicar, sem entender, me torno mensageiro sem saber o teor do conteúdo. Sou poeta voluntário, numa involuntária inspiração, numa nascença que transcende o meu coração e quaisquer escolhas. Nasci sem saber. Exalo sem querer. Sou porque a vida me fez.
Aspas do Autor: Sou sujeito de um ato que se transcende. Porta-voz de um amor que, por vezes, mal sei explicar, mas inteiramente sinto-o em mim. A poética me alinha. Deixei de entender. Porque não dá. O importante é que sou.