Memórias de um cárcere

30 de março de 2013




Eu tinha esperanças que tudo fosse um conto, uma história ficcional e efêmera, reflexo de uma realidade que não existia. Achei que acordaria deste pesadelo tão logo. Enganei-me. Sentia a ilusão me penetrar em meio às dores – muito reais – e profundas que se alastravam em cada violação do meu ser. Perecia lentamente nas veias dilatadas do meu corpo massacrado, nas feridas distendidas em minha deflorada pele. A cada dia via os sonhos dentro de mim, desintegrarem em pó. Minha alma se encontrava arrastada na lama e as emoções dilaceradas pelo medo. Perdi-me da contagem dos dias, desde o momento em que acordei naquele inferno de quatro metros quadrados. Sentia calafrio na escuridão interna.

Mas o que me dava mais medo era aquela mão áspera, aquele suor que umedecia o meu corpo como se fosse ácido esmagando e derretendo minha pele. Meu estômago se embrulhava ao sentir aquele bafo de enxofre e aquele cheiro de ovo podre que o demônio exalava. Sentia repugnância em cada toque. Sentia vergonha quando minhas partes íntimas eram invadidas sem pudor algum. Sentia nojo. Dele. De mim. Sentia asco a cada vez que era obrigada a engolir o prazer daquele animal. A náusea me dominava e me fazia vomitar pedaços da alma naquele solo imundo. Eu sangrava pela boca. Eu morria lentamente sem saber.

Após cada pesadelo, eu tremia, minha pressão desabava e eu desmaiava por falta de forças. Em alguns lampejos de sono, sonhava com o café quentinho da minha mãe, em seu rosto branquinho, seu jeito manso de dar bom dia e dizer que me amava. Sentia saudade do abraço carinhoso do meu pai, das noites em que ele conversava comigo e secava minhas lágrimas após cada desilusão amorosa. Às vezes até me enganava pensando que teria minha vida de volta. Às vezes até me via arrodeada com meus amigos de sempre. Chorava cada vez que meus olhos acordavam suscitados por uma vã esperança. E a realidade me definhava.

Ora preferia morrer a ter que viver ali presa, a ser alimento de um canibal desumano. Ora preferia morrer a ter que continuar mantida em cativeiro para ser o objeto de um louco desvairado e possuído por uma sede insana de prazer. Delirava de febre com cada sonho escondido nas minhas pálpebras cansadas e ensanguentadas. Maquinava meu enterro naquele cárcere movido a remorsos, a humilhações e fraquezas de um ser humano que renunciou a humanidade. Ainda era viva, porém fraca, a crença na minha ressuscitação. A chama fraquejava, mas ainda iluminava meu ser. A cada vez que a porta abria um misto de medo e esperança entranhava em mim. Sempre sofri com essa ilusão.

Foi quando a chama dissipou e se apagou. Foi quando a frieza me possuiu que a luz raiou na parca vida que ainda pungia no peito. Não sei bem o que senti quando me resgataram daquele inferno. Talvez uma nova chance de recomeçar. Ou apenas um lugar diferente pra morrer. As lembranças traumáticas daqueles dias se confundem. Mas jamais me esquecerei do olhar daquele homem, quando o vi na sala algemado e cercado por policiais. Seus olhos vermelhos e esbugalhados, seu semblante obcecado e frio me assustaram. Não havia arrependimento. Seus olhos congelaram minha alma. Era um ser desprovido de alma. Era apenas um humano com a humanidade tomada pela selvageria.

Disseram que fiquei quase três meses mantida em cárcere. Mas para mim foram como se fossem três décadas. Hoje tento ressuscitar minha vida. Com a ajuda dos meus pais e de maravilhosos amigos. Mas ainda tremo toda noite. Ainda sinto frio e medo toda vez que sinto a porta do quarto se fechar e a luz se apagar. Sinto medo da noite, dos lugares, de tudo e de todos. Dificilmente terei uma vida normal como antes. O trauma crucificou minha alma. Minha vida nunca mais vai ser a mesma. Nunca!



Aspas do Autor: Quantas vidas são roubadas e violadas? É difícil mensurar. É difícil entender como há seres humanos capazes de tamanha atrocidade, de manchar para sempre a vida de alguém, de pisotear na alma e nos sentimentos de uma pessoa. Este texto é uma maneira que encontrei de retratar esta cruel realidade, tão existente ainda. Eu também tinha esperanças que tudo não passasse de um conto. Mas o que mais vemos por aí são mulheres como essas do conto, que tiveram suas vidas violadas e aprisionadas. É lamentável e revoltante. É repugnante...

O encontro das águas

16 de março de 2013




Os rios nascem separados. Mas acabam se encontrando em algum ponto de suas extensões para se tornarem apenas um. No entanto o que as faz se encontrarem? É a correnteza. Quando ambos seguem seu curso para a mesma direção é inevitável que um dia eles se confluam. Almas são como rios. E sentimentos são como as correntezas. Se os sentimentos os levam para a mesma direção, a qualquer dia desses os caminhos se cruzam. Mais dia ou menos dia o choque advém. Se ambos seguem o mesmo rumo, é improvável que não se vinculem.

É muito importante que ambos enxerguem o mesmo horizonte. Não importa se estão em terras diferentes. Uma hora elas se tornam comuns, adjuntas. A distância física é um pormenor em meio a isso tudo. Não há nada mais triste que dois rios serem próximos, mas paralelos ou com correntezas opostas. Do que adiante estar perto e enxergar direções contrárias? Estar em terras iguais, mas visualizando horizontes inversos? É um estar junto, mas longínquo. Não há nada tão longe quanto a distância da alma, a que o coração impõe e os corpos sentem. O vislumbre comum é a pedra fundamental de qualquer sentimento, é a pilastra mantenedora do enlace de almas.

Acreditemos. Os rios se chocarão, inevitavelmente. Algum dia. E após formarem apenas um curso, seguirão juntos para desembocar na foz da felicidade. A vida nos ensina a crer em finais felizes. Tem que ser assim. Se não é a “correnteza” nos empurrando, o que mais poderia ser? Hein?

Não há por que duvidar da força do destino. Nem do sentimento. Se há amor, há convergência, há o enlace. Se o horizonte é o mesmo, o encontro das águas incidirá. Se a correnteza nos leva para o mesmo destino, dois corações se tornarão inevitavelmente um. As almas hão de se encaixar. E o amor há de ganhar. 

Eu acredito. E você?


Aspas do Autor: O amor é o que nos move. Se as nossas águas são impulsionadas pelo mesmo sentimento e nos leva ao mesmo horizonte, um dia nos chocamos. Só os verdadeiros se vinculam. Só o amor nos enlaça de forma legítima.

(In) Fértil esperança?

9 de março de 2013




Hoje levantei com as sensações reprimidas, o desejo escondido e os sonhos ofuscados. Hoje foi dia para acordar e rasgar os olhos diante deste mundo cão. Eu quero muito acreditar. Quero ainda ter a esperança por dias melhores, a crença fiel por pessoas de olhar transparente e de gestos inocentes. Quero muito crer na força sincera que corre pelo coração das pessoas e que anda tão mascarado ou abandonado.

Ainda espero vislumbrar com mais frequência, apelos sinceros de humanos famintos por amor; achar passos tranquilos, corações palpitantes em doçura. Ainda quero muito acreditar nos olhos sinceros, no abraço fervoroso e dedicado, no aperto de mão firme, na companhia autêntica; num apoio verdadeiro. Quero muito acreditar na boa fé, no desejo real das pessoas em serem felizes, de palavras francas e silêncios condizentes. 

Não quero perder a confiança no gracejo espontâneo, na troca fidedigna de gestos cúmplices, no toque febril de peles apaixonadas e no roçar poético de gente que rima em sintonia. Ainda quero sentir almas preenchidas com porções raras de sensibilidade e descobrir a cristalina emoção de enxergar a matiz cativante do amor. Hoje os olhos acordaram perdidos, ancorados na débil e (in) fértil esperança pelo essencial. Mas a alma não cogita desistir. Só pensa em insistir no sussurro legítimo, no deleite aninhado na textura macia de uma mão acolhedora.

Mesmo perdido, e com o coração embaçado, ainda creio em sussurros que valham a pena e arrepiam os pelos do corpo, eriçando o coração com sentimentos decotados por um inestimável e belo querer. Minha tenacidade é que bombeia sangue à tão abalada esperança. Não quero diluir a minha obstinação. Quero permanecer firme nesta incessante busca por relíquias fiéis e cheias de ternura; por momentos únicos e demasiado marcantes; por delicadezas exiladas no limbo de cada um.

Abrando o íntimo sem deixar de acreditar na franqueza solene da amizade e em sorrisos faceiros de almas inteiras. Não quero perder a fé na verdade das palavras, no afeto despretensioso e leal; nos homens de verdade. Quero encontros banhados em ternura e presenciar amores que vivam eternamente. Ainda creio na leveza do semblante, em almas desejosas por sentimentos autênticos e encantos fortuitos. Quero muito manter esta crença no bonito das pessoas, nos sonhos adornados com a firmeza em viver.

A esperança passeia triste pelo peito, minando o íntimo com a vã perspectiva por refrãos de melodia nunca ouvida, por suntuosos e cordiais sentimentos. A vida rega, mas não sei até quando, esta fina e abrangida fé pelo afeto desmedido e pela dádiva preciosa de companhias fiéis. Quero muito que meus olhos mantenham o foco pelos dons embutidos no jeito belo e singular das pessoas. Passeio acreditando, vivo me sustentando pelos relevos do meu jeito utópico de olhar a vida, sob a minha fragrante fibra e meu adornado coração. Sei que é possível captar tesouros sob o véu da vida e sob a pele opaca dos homens.

É a esperança pelos presentes mais bem embrulhados que me move e me dá o gás para continuar. Por quanto tempo não sei. Espero sinceramente não a perder. Não quero que esta chama tenha data para findar. Lá no mais íntimo de mim, ouço como sinfonia, um sutil e delicioso mantra: o amor. É o que me mantém, por enquanto.



Aspas do Autor: Sabe aquelas horas pesadas, que entristecem o peito? Foi assim com essas letras. Refletidas na obscura visão de dias recheados com incerteza.

Da poesia

2 de março de 2013




Há uma poesia escondida aqui dentro de mim
Pronta pra dizer o que sente por ti
Mas ela é tímida, não é tão atrevida
A ponto de rimar o grande prazer
em te amar...

Há uma poesia que ilumina o meu peito
Querendo que sua luz não seja mais segredo
Mas ela é acanhada, não é tão ousada
A ponto de iluminar o mundo
com a vontade de te amar...

Há uma poesia que tinge a minha alma
Com o anseio de te ter com calma
Mas ela tem rubor, não tem tanto fervor
Para pintar todo o céu
Com o pigmento do amor...

Há uma poesia que pra sempre há de te amar
Pois ela é uma chama impossível de se apagar...



Aspas do Autor: É esta poesia que me domina e enternece o meu coração. É ela que me embriaga com a essência do amor. Só Ela...