O frio sob o cobertor

29 de junho de 2013




Ele se encolhia sob o cobertor, tentando apaziguar aquela comichão no peito. Seus olhos espremiam, obliterando, na medida do possível, o medo que arrepiava os contornos da sua pele amortecida pelo vazio que ela deixara. O mundo sob aquele cobertor não era morno, por mais que ele suasse a pino em face da quentura. Congelava por dentro, por conta da saudade aguda e afiada que ainda sentia dela. O coração ainda clamava pela presença do seu amor, daquele sorriso que encruzilhava encantos e acaçapava magia. Sentia falta do embate belo entre seus olhos castanhos com os olhos negros, fundos e misteriosos da moça.

O abraço dos dois era embutido com uma doçura irradiante, e tremeluzia em ambos um conforto que nunca tinham sentido na vida. Não havia frio tão insuportável quanto àquele sob o cobertor, e que queimava suas espinhas, porque anteriormente aqueciam-se a cada minuto. Expurgavam quaisquer aflições penduradas no peito. Eram gêmeos na medida em que se completavam e saciavam as necessidades que tinham nascido com eles. Entendiam-se apenas com os gestos, na mudez espontânea que os corações sintonizavam as frequências dos seus segredos mais íntimos, acolchoados pela maresia da vida. 

Ele sofria mudo. A saudade, abaixo daquele cobertor, era cinzenta e fria. Tremia e soluçava seco o desamparo provocado por aquela difícil perda. Perda que até o momento atormentava o seu íntimo com sensações pesarosas, incididas com uma dor difícil de tolerar. O destino tinha levado o seu anjo, e ele não acreditava ainda que ela nunca mais viria para sussurrar no seu ouvido o quanto lhe amava. Ou pra simplesmente envolver os braços nos seus e conceder aquele olhar de segurança, aquele sorriso infindo em doçura que trazia uma paz indescritível.

O tecido do edredom, por mais grosso que fosse não o aquecia. O frio tinha raízes lá no mais profundo da alma. Nada externamente o aqueceria tanto quanto os braços dela. Ele jazia mórbido sob os braços daquele tecido espesso. Os segredos enalteciam o fervor inócuo do sentir que apoderava seu colo com um frio insuportável, municiando o íntimo com uma saudade dolorosa. Sentia falta dela. Do seu beijo, do seu calor, do seu afago e sua pele nua. Ela, ao se for, arrancara um pedaço dele, e que o definhava.

Quando a tremedeira agrediu com intensidade, ele só pôde se aninhar mais ainda sob o cobertor, antevendo o desfecho daquela noite. O frio consumia sua vida. O veneno que ele tomara antes de se deitar agia com crueldade. Não havia mais motivo para viver sem seu anjo. Decretara o fim da própria vida. A saudade findaria. O frio sob o cobertor também.



Aspas do Autor: É pena que determinadas fraquezas levem tantos a ceifarem suas próprias vidas. Enfim, quero destacar que no dia 28 de junho o blog completou cinco anos de existência. Nunca imaginei chegar nesta marca. Pra brindar este importante momento "Elos no Horizonte" se tornará livro, e em muito breve será lançado. Espero que se interessem em folhear meus textos, minhas palavras. Mais adiante dou mais detalhes. Aguardem. 

13 comentários:

Camila disse...

Oii Alê, o que mais amo em seus textos é sua extrema sensibilidade! Fico toda boba lendo cada linha e imaginando cada situação..
Sabe, até poderia ficar triste com seu texto, mas fiquei feliz :)

Anónimo disse...

Oi, querido Alexandre!

Tudo bem?

"Não gosto, nem um pouco/muito, do seu texto"... Achas possível, tal afirmação?

Como sempre e mais uma vez, brilhas em prosa, em conteúdo de ideias e sequência da narração.

E tudo isso por causa da morte de uma mulher. Mas, não uma mulher qualquer, não. Era o seu amor, a mulher da vida dele.

Os homens são muito fieis, quando amam, de verdade. Muito mais que as mulheres, te digo.

Não conseguem enfrentar a solidão e preferem pôr termo à existência do que sobreviver, sim, viver, não se aplica, nesses casos.

Veneno foi a opção escolhida, para que o sofrimento durasse e se prolongasse. Parece contraditório, mas não é. É AMOR!

Bom domingo e melhor semana.

Beijos carinhosos da Luz.

Unknown disse...

Nossa, chegou doeu ao ler a palavra final. Você foi descrevendo a cena de uma maneira tão íntima que cheguei a sentir estar do lado do personagem e presenciar a sua dor. Mas a dor ainda foi maior ao saber que ele fora p/ o encontro (ou não) do seu anjo. Em um momento pensei que esse anjo viria até ele, mas ele fora mais rápido e quis ir até ela. Doeu, dói saber que podemos amar tanto uma pessoa ao ponto de não sabermos mais viver sem ela. E, mesmo que muitos não tomem desse veneno p/ morrer, podemos morrer por dentro até o resto dos nossos dias.

Triste, porém, também é amor.

Mayra Borges disse...

Tão bem descrita que assim como disse a Arih não é difícil imaginar-se sentado ao lado da cama observando de mãos atadas o sofrimento dele.

É uma história bonita e triste e escrita de uma forma que transfere as angústias do personagem para o leitor. Maravilhoso, Alexandre.

Beijos, querido.
www.eraoutravezamor.blogspot.com

Renato Almeida disse...

O seu texto por si só a forma como escreve já faz você ficar fascinado. E a história que o envolve ainda mais. Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

♥Sophie♥ disse...

R: obrigada!

mム尺goん disse...

[emoção]


obrigada!

Bandys disse...

mão consigo comentar.

beijo

Mafê Probst disse...

Você começa narrando saudade com a leveza de um maestro e fui doendo e arrepiando com o frio que lia.

Mas... Que final! Surpreendeu-me! Arregalei os olhos, suspirei tristonha.

Bonito, moço. Mas dolorido demais. =\


Beijo.
PS: viva a literatura que nos dá possibilidade de flutuar por águas turvas de tão tristes e ser feliz do lado de fora.


Fernanda Fraga disse...

Quanta sensibilidade Alê, tento achar palavras, mas emudeci.

Beijos tantos.
Fer.

♥ Luciana de Mira ♥ disse...

Adorei conhecer aqui :)

Moça disse...

Coisa linda de texto! Parece algo que passei. A doçura que envolve dois olhares pode ser tao boa e tao complicadora! Meu Deus! ahahha
amar é difícil, porque a gente complica né?
bjo

Ariana Coimbra disse...

A saudade dói caro Alexandre.
Quantas vezes eu quis matar a dor e me "envenenei" de alguma forma.
Mas não adianta, ela estará sempre presente e o que nos resta é conviver/tentar viver bem com ela.

Belo post!


Beijos