Minha criança-templo

15 de junho de 2013




Às vezes a só, altero meu peito e meu olhar para aninhar-me ao templo que há em mim. É um momento sagrado, onde alcanço sintonia com os tesouros que iluminam a alma. Eu me aprofundo sem restrições, e padeço diante do meu altar apinhado de sonhos efervescentes e amorosos. Visualizo os enfeites e faço o balanço da condição que hoje me é familiar. A verdade é que o tempo passa, mas os olhos continuam o mesmo. Aquele semblante inocente, disperso pelo rosto, ainda me exalta o viço da infância. As flores estão maduras, mas atreladas, ainda, ao frescor da minha criança.

Bailo livre, com os trejeitos infantes ainda vívidos no meu colo, aquiesço-me em encantos afeitados pela muda sintonia com o néctar vigente no meu seio esperançoso e tão aplumado com sentimentos idôneos e imaculados. Apenas sei que ainda me sinto menino, simples e singelo, mesmo carregando mais de vinte e poucas primaveras nas costas. Eu me solicito, atravesso com pés nus o deserto pelo qual me espreito morosamente. A bem da verdade, projeto-me livre a custa do meu sincero esforço em buscar o melhor, como uma criança sem medo de ser feliz.

Meu passo tem o deleite de uma criança, aquela firmeza quebrantada com uma doçura sem igual, que aprimora o sorriso e faz brotar um aprazível entendimento no vislumbre alheio. Desabotoo, com íntima precisão e espontaneidade, a camada de segurança que se enviesa pelos cantos, arrodeados com desconfiança. E isso me embate com lisuras. O olhar lateja, granjeia encantamentos que alicerçam meu peito tão aplainado com amor, tão digerido com poesia. Sou criança-templo de mim; sou altar no qual deposito toda a minha fé, onde desenho esperanças e capitulo sonhos. 

Emociono-me ao enumerar a lista de desejos que decoram o salão da alma. Principio em mim um relaxamento que me faz voltar no tempo, lá no extremo dos meus dias infantis, onde as flores ainda eram sementes na terra fértil do meu coração; regadas dia após dia com o meu jeito singular de me precipitar pelas veredas da vida e nos encontros ocasionais e aparentemente pueris, porém tão dilatados com magia. Sorrio para evitar o marejo dos olhos, mas dada a minha aguda sensibilidade, as lágrimas acabam desabando.

Hoje auferi aos sonhos contornos mais lícitos e maduros, mas no fundo, continuam o mesmo. Minha criança-templo ainda brinca despretensiosamente pelo terreno do coração. Faz travessuras e sem cansaço me põe a olhar com outros olhos as cores e as paisagens tão evidentes. A vida pra mim tem um teor diferente. É ainda o mesmo mundo que o menino em mim via há anos. Esse olhar e esse passo são o que me movem. Esta espontânea condição de extrair minha criança é o que confere conteúdo à minha parcela adulta. Faço-me mais humano. Completo-me.

Meu jeito é tenro e indissolúvel. Minha história e meu legado, inseparáveis. Sou criança sendo adulto, homem sendo menino. E é continuando menino que acerto em ser humano. Percebo isso ao contemplar-me no horizonte. Ao encontrar-me dentro de mim. No meu santuário, na minha criança-templo.



Aspas do Autor: Quando eu me lanço ao meu santuário, noto o quanto a infância ainda me impregna. Não importa o quanto eu cresça. Sempre continuarei o menino bobo, inocente, desajeitado e esperançoso de sempre... 

11 comentários:

Priscila Rôde disse...

Eterna criança, a que nos salva e nos aproxima de alguns milagres (atravessar os dias com leveza; adocicar relações; rir de nós mesmos e dos outros; bater o pé, pedir atenção à vida; participar da brincadeira; cair e levantar sorrindo, mostrando com orgulho os joelhos ralados, os passos feridos; encher a boca de porquês e não encontrar respostas; dormir cheirando um sonho-lenço que enfeita tão bem a nossa memória afetiva e recolhe tantas e tantas lágrimas). Sonho com a mesma doçura de antes e acordo criança - tento voltar, à força, ao começo dessa magia lúdica que nasce toda vez que o coração descompassa. Amo com o mesmo brilhinho nos olhos, feito criança boba e sentimental que ainda não entende de desencontros. É a criança-templo que nos devolve, que nos ensina o belo, o colo, o afeto incondicional que nos sustentará noutros futuros. É a criança-templo que nos atribui alguma Graça. Viver é, também, levá-la a sério.

Beijo a tua!

Mayra Borges disse...

Doçura que transborda, algo assim só poderia mesmo vir de alguém que tem alma de menino.

"Sou criança-templo de mim; sou altar no qual deposito toda a minha fé, onde desenho esperanças e capitulo sonhos."

O texto inteiro é maravilhoso, mas esse trecho me chamou muito atenção. Se não depositarmos o que há de melhor em nós mesmos, quem irá fazer isso pela gente? Muito bonito isso de dizer que se é templo de si.

Não podemos abandonar nossa criança interior, é como você disse tão bem no último parágrafo, são partes complementares, é como eu escrevi outro dia "Gosto de ser menina e mulher de mãos dadas"

Maravilhoso!!!

Beijos, Alexandre.
www.eraoutravezamor.blogspot.com

Moça disse...

Lindo! mto sensível né? É aquela coisa... temos sempre de nos, guardado a imagem daquele sonho, aquela vontade... e isso que sempre nos impulsiona!
bj

Monique Premazzi disse...

E são as pessoas que conseguem ser eternas crianças que aproveitam a vida de forma completa, saboreando tudo como um sorvete pela primeira vez. É bom ser assim. Saber rir de si mesmo, saber ser repreendido, mas voltar sorrindo cinco minutos depois como se nada tivesse acontecido. Se todo mundo fosse uma eterna criança, o mundo seria melhor. Lindo texto, amigo.

Beijos,
Monique Premazzi.
http://www.secretsofalittlegirl.com/

Renato Almeida disse...

Acho que por mais adulto que nos tornamos, sempre teremos um pouco, ou outros muito um pouco de nossa infância. Até mais, belo texto. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

Bandys disse...

Você disse tudo Alê.
Eu não conseguiria viver sem a minha criança, pois é ela que muitas vezes me sinaliza coisas que eu não percebo sendo um adulto serio e bobo.

Seus textos faz com que eu reflita e seja um ser humano melhor

Beijos meu amigo do coração

Anónimo disse...

Um templo! Um santuário! Vamos interiorizar e depois rezar/orar.

Alexandre, eu tenho inveja de você, ou melhor do que você escreve, porque eu sou, apenas, uma casa, espaçosa, bem dividida, bonita, mas não deixo de ser uma casa, e você, o que tu escreves, é sumptuoso, é templo e pronto, e está tudo dito.

Uma "criança", escrevendo, raciocinando desse jeito. Nossa Senhora!

Tu tens torrentes de talento e sensibilidade e te conheces muito bem.

O teu texto é de uma lucidez e grandiosidade, que me "assustam", porque com as tuas vinte e poucas primaveras, és bem melhor que o verão, ardente, que faz "despir" toda a gente, que se revela de corpo e alma.

Teu jeito é tenro e indissolúvel. Um dia, alguém, muito especial, vai deitar abaixo, esse teu segundo adjetivo.

Tens personalidade marcada, mas consegues fazer um ângulo giro, facilmente.

Continua fazendo tuas travessuras, para nunca ficares velho de espírito.

Amo te ler, sobretudo, em PROSA.

Resto de boa semana.

Beijos afetuosos da Luz.

PS: obrigada pelos comentários tão inteligentes e carinhosos que deixaste nos meus blogs.

TOM MORAIS disse...

Muito bom o seu texto. Assim como todos os outros. Me emocionou bastante. Mexeu com aquele cantinho do meu coração que estava adormecido.
http://cronicasdeumlunatico.blogspot.com.br/

Maíra Cunha disse...

Texto muito bem escrito! O problema é que não somos mais tão crianças a ponto de saber tudo!

fazdecontatxt.blogspot.com

Camila disse...

Oii Ale, como sempre com uma sensibilidade aguçadíssima *-*
Belas palavras! Gostei muito.

Fernanda Fraga disse...

Que doçura de texto, que pureza, é o cirandar de toda criança que há dentro da gente.

Um beijo.
Fernanda.