Carapaça

24 de novembro de 2012





Sou mistério que
Ninguém ousa desvendar
Habito num fidedigno apreço
Sob o lúgubre cortejo
Do meu nobre amor
Do querer intenso
Pelo qual padeço
Deste tempo
Cruel e agressor

Sou alma
Que não se vê
Ser enlevado pelo
Venéreo esplendor
Do afeto raro de se ter
Sou segredo
Um cisco no novelo
Um estrangeiro
Num balaio cheio de dor

Sou enigma
De olhar maleável
Refastelado no seio
De íntegra beleza
Que me enlaça
Num anseio Irrefreável
De o mais belo amor
Penetrar com macieza
A minha carapaça



Aspas do Autor: Escrever poemas é algo que me desafia. A poesia é uma coisa distinta de mim, um elemento à margem do que plenamente me inteira. É um caminho pelo qual o meu coração, misterioso e seletivo que és, engatinha... Este poema cita um pouco do mistério que me rodeia, da pele que me reveste, do desejo que me adorna...

O desvio

17 de novembro de 2012




Aquela tarde no centro da cidade deixou o moço bastante cansado. Depois de vender todas as frutas e legumes, arrumou todas as coisas, juntou-as na carroça e seguiu rumo a seu sítio, que ficava a muitos quilômetros dali. O cavalo seguia com firmeza, porque ao contrário dele, estava descansado e com muita energia. Durante o caminho, o moço abria e fechava os olhos. Era tão nítido o abatimento, que mal percebeu o cavalo desviar da rota e seguir por outro caminho. Uma trilha pouco utilizada por levar o dobro do tempo que o outro comumente seguido, por conter muitas curvas, devido aos rios e as florestas. 

Quando ele se deu conta, ficou um pouco assustado. Era tarde pra voltar. Não conhecia a trilha. Porém sabia que ia demorar muito mais tempo que o previsto para chegar. Sua família ia ficar preocupada. Resignado, só restou-lhe ficar atento aos perigos e às surpresas. Porém, ao prosseguir, ia se maravilhando com o que via e seu semblante ia se tranquilizando. As muitas curvas o levaram a ver um bonito campo de cerejeiras e vastos jardins floridos com as mais belas tulipas e margaridas. Ele nem piscava. Ele nunca tinha visto coisa mais linda. 

Ao adentrar uma floresta densa, pôde atravessar um riacho raso de água cristalina. E logo em seguida uma queda d’água de esplendor sensacional. Vislumbrar as belezas o deixou agraciado, com a alma intensamente elevada. Tudo encantava as vistas e amansava o coração. Ante a magnitude das belezas visíveis a cada metro que andava, seguia com os olhos vibrados e o coração bastante acariciado. Ele percebia pelo modo como o vento resvalava um encanto sublime, uma essência que, devido à fluência desenvolta ao redor, penetrava doce no peito. Absorvia o néctar do oxigênio com uma vontade esfuziante. Ao caminhar por entre o campo de lavandas, sentiu-se inebriado com a transfiguração suave que os olhos captavam. Os aromas se impregnavam em seu espírito. 

Ao sair da floresta a noite ia pedindo licença, o que permitiu ao moço presenciar um lindo poente no horizonte, quando o sol se escondia aos poucos entre as montanhas e as nuvens, criando faróis de primorosa formosura que chispavam com uma claridade frouxa, mas graciosa, os campos à sua frente. O céu, nesse espetáculo que antecedia a noite, se pincelava em puro contraste, reluzindo uma mescla de tons alaranjados e arroxeados, em consonância com a fuga furtiva do sol e seu brilho... 

Teve a grata oportunidade, após um inesquecível crepúsculo, de testemunhar o surgimento gradual das estrelas no céu noturno. Um sentimento de paz se alastrou em seu íntimo ao ver aqueles vagalumes tão distantes no céu a conversarem com ele por meio de suas cintilações encantadoras. Já tinha esquecido o cansaço e até que ia para casa. Estava em estado de êxtase, profundamente tocado com as belezas pelas quais ele fora capaz de contemplar. 

Mal percebeu quando chegou. Muito tarde, quase três horas depois. O casal de filhos estava no portão à sua espera. E ambos correram felizes até o encontro do pai. Estavam preocupados e com extrema saudade. O moço abriu um largo sorriso e os braços para receber os filhos. A mulher mais ao longe corria para alcançá-lo. Visivelmente preocupada, abraçou e o beijou muito. Nada precisou ser dito. O moço não se conteve ao revê-los, ao sentir tanto carinho e amor. A emoção do momento, de ser envolvido em seus braços desmanchou de vez sua alma tão enlevada pelas ultimas horas. Foi a dádiva derradeira... 

Nunca um reencontro com sua família tinha sido tão intenso quanto àquele. A saudade tinha se inflado e num instante, dissipado. Chegar em casa nunca foi tão feliz... A vida, ao fazê-lo desviar da rota comum lhe presenteou com um belo ensinamento: o caminho mais longo pode esconder maravilhas jamais vistas e sensações jamais sentidas, mas nada comparado ao que a saudade tinha propiciado a ele e sua família. Depois das enriquecedoras experiências vividas e sentidas no desvio, aquele reencontro era sem dúvida a maior de todas...



Aspas do Autor: Creio que não devemos nos intimidar com os desvios em que a vida naturalmente nos leva a fazer. Algumas maravilhas e ensinamentos se escondem nos caminhos mais longos. Essas descobertas extasiam a alma e permitem-na chegar mais plena no destino. As belezas se tornam preparativos para uma felicidade mais intensa, algo que talvez o caminho mais rápido e curto não propicia, porque não dá tempo de nos preenchermos em encantos e em aprendizados, ou mesmo naquela saudade bonita pra depois ser esvanecida nos braços de quem amamos e nos amam...

Compreendendo o ser humano

10 de novembro de 2012




Às vezes é difícil entender uma pessoa. E ficamos a nos indagar, a buscar incessantemente meios para compreender um pouco os contornos alheios. Mas o escuro corredor humano se torna intransponível quanto mais tentamos adentrá-lo à força. Quanto mais ansiamos entender, mais denso se torna o caminho, mais distante ficamos do pouco a ser desvelado. A gente começa a entender no momento em que aceitamos não perceber; ao insinuarmos os olhos para outra direção, a do coração.

Não é preciso esforço pra entender ninguém. Entender, nada tem a ver com esforço, mas com sensibilidade. É um desbravar sutil permitido pelos olhos da alma. É algo que exige mansidão, uma exímia doçura e leveza nos gestos. Entender é uma ação que se sobressai na pura espontaneidade de corações que se simpatizam, ou no encontro natural de dois olhos cúmplices. Talvez seja necessário apuro e paciência, um escutar aguçado, uma atenção cheia de lisura, mas jamais uma vontade estrita.

Não é preciso empenho, como se entender residisse no ato bruto de abater um muro, de o quebrá-lo com as mãos nuas e famintas pela humanidade íntima que se encontra do outro lado. Entender alguém está mais relacionado ao adormecer, ao recostar da mente no seio macio do travesseiro que seduz nosso sono. É na renuncia externa, no simples descanso, na esmera forma de entranhar a alma que o sonho acontece e o entendimento cintila, perpetuando-se solene e sutil dentro de nós. A compreensão é um sonho que se vislumbra na mente quando menos esperamos. É algo que acontece e não se força a nascer.

Para entender é preciso primeiramente não querer, mas sentir, se enlaçar no rastro que a pessoa deixa pelo ar, no segredo que ela deixa implícito no semblante, nos gestos que se acentuam, pela legítima maneira de se expressar, de se mostrar humano. Não é preciso afinco desesperado, mas um zelo dócil possível de se exprimir num sorriso que abraça em plena ternura. Compreender o ser humano é permitir-se esquecer de que anseia entender e se deixar incendiar pelo amor e respeito. E isso nos permite encontrar, espontaneamente, o prumo certo do íntimo de cada um.

Respeitar as condições alheias, as diferenças que a alma da pessoa denota é o primeiro passo para descobri-la, para inteirá-la; é olhá-la como se olhássemos para nós mesmos, como se a vida dela fosse a nossa. A compreensão escapole quando tentamos analisar. A alma humana é arredia, e se torna arisca quando tentamos amarrá-la e delineá-la. Só se aproxima dela se afastando ou ficando à margem. O entendimento chega abraçando e nunca é abraçado. É a alma da pessoa que dá boas vindas e convida-nos a adentrar no seu salão.

Entender o ser humano é um pouco igual ao que faz um psicólogo, alguém que não deseja cruamente analisar, mas se propõe somente a sentir, a ouvir, a adormecer no colo da pessoa e a sonhar junto com ela. Ele se interage dentro da outra alma sem invadi-la, sem concretamente se aproximar, apenas se extrai e se preenche em si para que o outro lhe encontre naturalmente, permitindo, nesta sutileza, uma afetuosa cumplicidade surgir, um laço se formar com fluência, sem uma mínima coação.

Não é difícil entender ninguém, quando nos conformamos que isso não é algo que se impetra na busca, mas na espera despretensiosa, na delicadeza em sentir, em se compenetrar na personalidade rica do outro; na livre condição em que a deixamos; na confortável companhia que oferecemos e na sintonia que se cria nesta troca cúmplice, que nasce por si só, como uma intervenção furtiva do destino...


Aspas do Autor: Entender as pessoas parece uma coisa realmente complexa, mas repetindo o que falo no texto, a harmonia com a alma alheia simplesmente se faz sem que se force isso, sem o desejo de entender... Ela brota, nasce do respeito, primeiramente... Enfim, este texto é apenas uma maneira particular de pensar. Não me utilizo de fontes científicas, estudos sobre as relações humanas, muito menos tenho pretensão de torná-la uma coisa totalmente certa ou absoluta, por isso. Até porque não é minha intenção. Foge do intuito do meu blog, que é apenas delinear sentimentos. É apenas uma percepção que meu coração nutre. Um ângulo visto com os olhos internos. São letras escritas  pela alma... A fonte dos meus argumentos é a sensibilidade e a humanidade que tenho adquirido ao longo dos anos no meu modo de olhar as pessoas e nas relações que cultivo...  Por isso, é um texto pra ser lido com mente aberta. Abraços!