O vencedor

25 de agosto de 2012



A chegada estava a uma centena de metros. Ele cambaleava exausto sob uma dor lancinante que atingia as pernas. As passadas eram empurradas pela persistência de um corpo que jazia dolorido. Ficava nítido o quanto ele sofria, mas não desistia mesmo assim. Não via mais nada ao redor, apenas focava os olhos na reta de chegada. Não aguentava mais, contudo sua alma lhe dirigia, lhe inflava com uma fé jamais vista durante toda a sua vida.

Enquanto se aproximava só pensava nas palavras desacreditadas do seu fisioterapeuta e de alguns amigos mais próximos, dizendo que era loucura, que não conseguiria e só iria prejudicar mais sua condição. Quanto mais se lembrava do que lhe aconteceu seu coração se apertava, mas emocionava. Os poucos que o conheciam e sabiam do que tinha passado não acreditavam, muitos diziam para não competir, entretanto ele, mais que ninguém, sentia necessidade de se superar e do quão especial era aquela vitória. Ele sabia que era capaz.

Ao atravessar o portal de chegada, ele desabou no chão de joelhos, apoiando o corpo com as mãos. Fora o último a chegar, não havia quase ninguém da organização para recebê-lo, fora um ou outro amigo que o acompanhava. Mas o semblante do rosto dele era mais que dor, era de emoção, de profunda alegria por ter concluído toda a prova. Chegar foi como um anestésico. A felicidade remediou o que lhe machucava. Com os olhos fixos no chão, se desmanchava em lágrimas. Ele tinha superado. Dois amigos dele foram lhe assistir. E ficaram comovidos pela garra e determinação daquele homem. Poucos puderam presenciar aquela cena tão bonita.

O moço chorava em emoção, abraçado pelos amigos. Ninguém, exceto os amigos ali, souberam e jamais haveriam de saber a circunstância da vida que o levou ali. Há oito anos ele sofrera um acidente de carro, no qual perdera seus pais, sua mulher e sua filha de seis anos. Todos morreram na hora, exceto ele e a filha. O momento mais duro da vida dele foi quando esteve no hospital. Soubera que ficara paraplégico. E isto arruinava sua carreira de atleta maratonista. Soube também que o estado da sua filha era delicado e muito grave.

E como esperado, ela não resistiu. Porém, antes de falecer fez o pai prometer algo: - Pai... Você ainda vai voltar a andar e a correr, promete pra mim? Ele que não se continha em tristeza, emocionou-se e balançou a cabeça dizendo sim, que sim, que iria, por ela. Foi o momento mais difícil da vida dele. Já não bastasse ter perdido a mulher e os pais, tinha presenciado sua filha morrer no leito do hospital. Foi um baque intenso que quase o fez se matar. Mas ele soube suportar com uma força invejável.

Desde então, o que moveu sua vida foi esta promessa. Sua paraplegia era reversível, mas daí a correr como antes era bem impensável. Mesmo assim persistiu. Após cinco anos de tratamento intensivo, voltara a andar. Muitos disseram crer que foi um milagre. E durante mais três anos treinou, treinou e treinou demais para conseguir aguentar uma maratona. Muitos acharam loucura, mas ele sequer se importou. E foi bom não ter escutado. Por ter acreditado, adquiriu a fé necessária para vencer. Ali estava ele, plenamente emocionado por ter conseguido cumprir a promessa para sua filha.

A prova tinha terminada há umas duas horas, o público já tinha visto o campeão e os primeiros colocados serem premiados. Mas o que ninguém sabia e soube, é que o verdadeiro vencedor tinha chegado em último.



Aspas do Autor: Nem sempre quem ganha é o verdadeiro vencedor. Existem vitórias que não se medem pela posição de chegada, mas pela superação em chegar, em simplesmente conseguir o que parecia impossível.

Na fronteira das escolhas

18 de agosto de 2012




Os olhos piscam guiados pelo amparo sutil da vida ao redor. Nos toca com preciosos convites, enlaçados com cetins dourados e retalhos inteiros de emoção. A alma transparece sob esta magia que incita-nos, errante vontade que nos abraça em tons anis, em receptáculos de sentimento sincero.

Por vezes sentimos esta limitação nos pés, diante da ilimitada atração que não se mensura no ar. Rastros de sentir que nos empurra, que nos envolve em sensações, imagens refletidas em baús de tesouro. Não é palpável pensar nas escolhas, mas são detalhes que inebriam a alma com oportunidades, com atrativos que ficam a mercê do nosso singular desejo. É encantador vislumbrar o que podemos encontrar; o que do outro lado está a nos aguardar.

Às vezes é algo que se alinha num nível além de nós, que extrapola os limites do que alcançamos. A poesia parece fazer do coração sua residência. Mas é belo poder pensar nas possibilidades, na gama de aspectos que podem surgir ao pisarmos firmes, ao darmos o pulo, ao atravessarmos a neblina e a fronteira que nos separam do lado que ansiamos, do tão sonhado mundo certo, àquele em que a alma não se sente só, mas sim acariciado por aparatos de amor tranquilo, transparente e real.

Difícil é não perceber e por momentos parar, ilustrar os prêmios futuros, as vivências guardadas em caixinhas douradas para serem experimentadas, vividas no mais profundo do peito; elos que concretizam o corpo e a alma, que enrijecem os sonhos e fortalecem as bases. Porque antes de partirmos para o horizonte, o fitamos, o desenhamos a mãos nuas, sorrimos faceiro diante de sua descarada cara convidativa. A uma vida que oferece a matéria-prima ideal para a alma crescer e se adornar em diamantes, em preciosa magia divina.

Fácil é se perder neste misto de sensações e imagens, no estático momento em que apenas enxergamos e aguardamos um sinal, ou uma brecha nas defesas para nos soltarmos das amarras, do vento febril que às vezes nos impede, do receio sutil que naturalmente coexiste com o brilhante querer de ir adiante.

Normal é esta condição. A vida nos seduz. O amor pisca e ficamos balançados. Mas uma coisa é certa. Aparentes miragens só se tornam oásis quando arriscamos ir de encontro a elas para descobrir... Só se aprende a voar quando se pula no vazio sem medo. Só descobre o tesouro dentro do baú quando as mãos o abrem. E o outro lado só guarda isso, tesouros... Tudo fica refém de escolhas. Toda escolha é arriscada. Mas mais arriscado é não escolher.

Coisas boas nos esperam. Aceitemos o convite sincero do vento. De malas cheias ou vazias, tanto faz. Não importa se agora ou depois. Sem pressa. O importante é, em algum momento, desvencilharmos das feridas de ontem, ir adiante pra viver... Na crença certa de que no outro lado não iremos sonhar, mas viver um sonho... O melhor, o mais real!





Aspas do Autor: É preciso coragem para fazer certas escolhas. Mais ainda para não fazê-las. O que não deixa de ser uma escolha, também. Contudo, um caminho não pode deixar de ser seguido: a vida. (Curiosidade: este texto foi na verdade um comentário que fiz em um especial blog)

A essência que me define

4 de agosto de 2012




As estrelas que fagulham no peito acentuam meu jeito soberano de ser. Acentuo no íntimo minhas faces translúcidas, minha personalidade tão ímpar e determinada, tão cristalizada e firme. Olho no espelho e me vejo frágil, mas ao mesmo tempo noto a força à espreita. Minha carapaça humana me faz sentir a pura limitação desta condição, que freia um pouco esta minha trilha na luta pelos doces da vida das quais ainda não estão ao meu alcance. Mas aprendi que para alcançar os melhores doces, precisamos provar do amargo às vezes. A vida é implacável contra a ansiedade. 

O latejar no peito só denuncia o que não consigo enganar para mim mesmo. Sou um homem sensível, que não se desvencilhou do seu lado menino. Que não quis se desprender desta essência bonita que exala na alma a fragrante inocência de tempos antigos, o jeito sincero de se encantar com os detalhes mais simples. Sou poesia pura a derramar pelos poros, romantismo agudo que constrói a superfície pela qual caminho. Um andar sempre levado pela pegada ingênua, por um ritmo esperançoso de acreditar na vida e nas pessoas. Sou impulsionado por valores nobres que decoram o salão escarlate do meu coração. 

Sou pessoa que por vezes precisa ficar só. Choro com um pouco de facilidade. Há uma necessidade franca de exaurir os pesos que me fincam ao chão. Desato-as com intuito de me libertar. Liberto-me com fome de amor, com apetite de sentimentos mais leves e plenos. O que me faz forte é esta vontade inexorável de alcançar o mais profundo de mim. O que me atrai é o êxito em desdobrar meus segredos e podê-los visualizá-los, para ter a capacidade de me conhecer melhor e, assim, ser melhor para as pessoas que me cercam nesta vida brilhante. Vivo todo dia um processo árduo de amadurecimento, pelo qual tento a todo custo sintonizar com a frequência da minha essência. Cada lágrima eu transmuto em um diamante de aprendizado. E nunca endureço a ponto de perder a ternura que trouxe do berço. 

O amor comanda meus passos, e é este sentimento que escoa nas veias e faz meu corpo pulsar a vida que fulgura em mim. É esta magia que propulsiona as vitórias e que põe concreto no chão no qual solto o peso do meu corpo. Sou essência pura de uma inocência que não se desprende nem ante a maior frustração, nem diante da mais sofrível derrota. Sou ser regado por uma fé indissolúvel, que persiste, não desiste e se fortalece exatamente nos golpes mais doloridos, porém, gloriosos. Porque por vezes, sinto que acredito em algo que dificilmente vou encontrar neste mundo, em uma filosofia em que sequer sou capaz de compreender, mas sei que há valor e tão semelhante não há. 

A essência que me define é revestida por um intrincado mapa de códigos antigos, inscrições rupestres cravadas na minha caverna oculta; criptografia milenar que repousa no âmago, no recanto mais escondido do meu ser, talvez à espera de alguém que possa trespassar o muro opaco da fortaleza que me protege e ache a chave para destrancar o baú de tesouro. Porque vivo na ânsia de que achem um meio para decodificar minha essência, o entendimento mais próximo do que percorre no rio interno da minha alma. Sou um quebra-cabeça de complicada resolução, até mesmo pra mim. 

Por momentos me perco na essência que me abrange e fico sem saber direito quem sou e o que sou. Tenho múltiplas distinções, umas por demais abstratas; crenças que, em referência às que me rodeiam, parecem intrigantes e repletas de uma singularidade assustadora. Sou ponteiro de um relógio que gira no sentido anti-horário, sou a vela que empurra o barco no sentido avesso ao vento. É indiscutível a beleza que rega a minha couraça de pele tão translúcida, sutileza que se banha numa sensibilidade que por diversas oportunidades não sou capaz de equilibrar. O amor baila na ponta dos meus dedos, como que convidando a essência a se demonstrar, a se colorir belo pelas frestas dos meus olhos. O sorriso é o que distende o encanto em mim. 

Não sou especial por isso tudo. Sou quem sou em resposta à alegria que me causam. O que me faz especial são as pessoas que eu tenho e amo. No momento em que amo a todos, eu adquiro o amor próprio. Amar é me amar. Na relação há a troca e, assim, premio meu espírito olímpico com a medalha de ouro. O meu diferencial é ser igual a todos: distinto. A essência que, em meio a tantos limites, me distingue não é apenas o amor, mas a presença das pessoas que moram no meu coração, meus bens mais valiosos.





Aspas do Autor: A força que adquiro não vem de mim, mas de tudo ao redor. O encanto que demonstro é reflexo do bem que as pessoas amadas me fazem, somente por se fazerem presentes. É esta presença que me define. É o que distingue meu amor...