A chegada estava a uma centena de metros. Ele cambaleava exausto sob uma dor lancinante que atingia as pernas. As passadas eram empurradas pela persistência de um corpo que jazia dolorido. Ficava nítido o quanto ele sofria, mas não desistia mesmo assim. Não via mais nada ao redor, apenas focava os olhos na reta de chegada. Não aguentava mais, contudo sua alma lhe dirigia, lhe inflava com uma fé jamais vista durante toda a sua vida.
Enquanto se aproximava só pensava nas palavras desacreditadas do seu fisioterapeuta e de alguns amigos mais próximos, dizendo que era loucura, que não conseguiria e só iria prejudicar mais sua condição. Quanto mais se lembrava do que lhe aconteceu seu coração se apertava, mas emocionava. Os poucos que o conheciam e sabiam do que tinha passado não acreditavam, muitos diziam para não competir, entretanto ele, mais que ninguém, sentia necessidade de se superar e do quão especial era aquela vitória. Ele sabia que era capaz.
Ao atravessar o portal de chegada, ele desabou no chão de joelhos, apoiando o corpo com as mãos. Fora o último a chegar, não havia quase ninguém da organização para recebê-lo, fora um ou outro amigo que o acompanhava. Mas o semblante do rosto dele era mais que dor, era de emoção, de profunda alegria por ter concluído toda a prova. Chegar foi como um anestésico. A felicidade remediou o que lhe machucava. Com os olhos fixos no chão, se desmanchava em lágrimas. Ele tinha superado. Dois amigos dele foram lhe assistir. E ficaram comovidos pela garra e determinação daquele homem. Poucos puderam presenciar aquela cena tão bonita.
O moço chorava em emoção, abraçado pelos amigos. Ninguém, exceto os amigos ali, souberam e jamais haveriam de saber a circunstância da vida que o levou ali. Há oito anos ele sofrera um acidente de carro, no qual perdera seus pais, sua mulher e sua filha de seis anos. Todos morreram na hora, exceto ele e a filha. O momento mais duro da vida dele foi quando esteve no hospital. Soubera que ficara paraplégico. E isto arruinava sua carreira de atleta maratonista. Soube também que o estado da sua filha era delicado e muito grave.
E como esperado, ela não resistiu. Porém, antes de falecer fez o pai prometer algo: - Pai... Você ainda vai voltar a andar e a correr, promete pra mim? Ele que não se continha em tristeza, emocionou-se e balançou a cabeça dizendo sim, que sim, que iria, por ela. Foi o momento mais difícil da vida dele. Já não bastasse ter perdido a mulher e os pais, tinha presenciado sua filha morrer no leito do hospital. Foi um baque intenso que quase o fez se matar. Mas ele soube suportar com uma força invejável.
Desde então, o que moveu sua vida foi esta promessa. Sua paraplegia era reversível, mas daí a correr como antes era bem impensável. Mesmo assim persistiu. Após cinco anos de tratamento intensivo, voltara a andar. Muitos disseram crer que foi um milagre. E durante mais três anos treinou, treinou e treinou demais para conseguir aguentar uma maratona. Muitos acharam loucura, mas ele sequer se importou. E foi bom não ter escutado. Por ter acreditado, adquiriu a fé necessária para vencer. Ali estava ele, plenamente emocionado por ter conseguido cumprir a promessa para sua filha.
A prova tinha terminada há umas duas horas, o público já tinha visto o campeão e os primeiros colocados serem premiados. Mas o que ninguém sabia e soube, é que o verdadeiro vencedor tinha chegado em último.
Aspas do Autor: Nem sempre quem ganha é o verdadeiro vencedor. Existem vitórias que não se medem pela posição de chegada, mas pela superação em chegar, em simplesmente conseguir o que parecia impossível.