A marca da saudade

26 de maio de 2012




"Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixam sós.
Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito;
mas não há os que não levam nada. Há os que deixam muito; mas não há os que não
deixam nada. Esta é a maior responsabilidade de nossa vida e a prova evidente
que duas almas não se encontram ao acaso." (Antoine De Saint-Exupéry)


O terreno do coração é tão macio e fofo, que quando pessoas especiais caminham cuidadosas por ele, deixam suas marcas. Abandonam um pouco de si, impregnam os grãos da nossa terra doce com o aroma da sua alma. E levam um pouco de nós, arrastam na sola da alma, grãos desse nosso chão, que na verdade são como pedaços inteiros de nós, do coração e alma.

Não há como desprendermos os olhos translúcidos do sentimento presente nas marcas, nas flores que despontam e exalam os aromas que perfumam o ambiente da alma e de tudo o mais que ali está vívido e deixado... Por alguém... Marcas como essas são elos de magia que permitem dar sabor às batidas do coração, mais vida à energia que pulsa no íntimo de nós; dá sentido ao sentir. O íntimo desmancha em emoção.

Não há como não sentir a falta. De quem o originou. De quem semeou todos estes encantos em nós. A saudade intensifica. O sentimento aponta. Há a falta do calor que serve pra preencher estes vestígios profundos. Embora a falta também seja uma maneira de saber o que permanece. Se algo não está, mas a saudade alerta, então é sinal de que ali há. Ali permanece. O sentimento denuncia. É uma presença assimilada na ausência. Saudade é isso, uma presença ausente. E só há saudade por aquilo e por quem nos marca. E a marca é também uma presença. Forte!





Aspas do Autor: Algumas marcas, nenhum vento forte é capaz de borrar, nem mesmo as franjas do mar conseguem apagar. A saudade se mostra bela nas marcas que há em mim.  Porque, hoje, no meu coração, há ainda marcas, que permanecem... Fortes e em especial relevo. Ah saudade...

Estranho (no) mundo

19 de maio de 2012




“Por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais”
(Metal contra as Nuvens –Legião Urbana)


Tudo destoa. Os dias já não se destacam como antes. As horas, no relógio, parecem girar no sentido contrário. Não há sentido. Mas estou sentido. As sensações são vagas e quase não triscam na minha humana pele frágil. Por vezes sinto que a gravidade deste mundo é muito maior pra mim. Ela me suga e me consome com uma força que em alguns momentos me reprime. Tem horas que sinto dificuldades em caminhar, em trasladar meu corpo até os lugares que aspiro e guardo dentro dos meus sonhos mais dourados. Há momentos em que tudo se esfarela a nada e só me resta, em torpor, assistir a minha derradeira queda.

A cinza se desdobra pelos olhos e a dor pinta o céu de extensa fuligem, negror que indica o quanto tudo me é estranho. Meus olhos enfraquecem diante do que vê e exprimem em lágrimas a distância que me separa das rotas comuns, das vias mais transitadas, dos trajetos mais seguidos. Sou caminhante só, de uma trilha pouco conhecida ou abandonada. Meu trajeto não é o melhor, nem o pior. Nem sou mais ou menos. Não me sinto superior, muito menos inferior. Apenas dou passos numa terra, pra mim, silenciosa e erma. A dor que externo é apenas a minha vontade de ter mais passos juntos ao meu, de encontrar companhias que se identifiquem no meu abraço, no aperto da minha mão e nos sentimentos que meu coração rege.

Sou um estranho neste mundo; uma palavra destacada na frase deste livro; uma folha desprendida da árvore pelo vento forte. Sou peça de outro quebra-cabeça, que não se encaixa na imagem que a vida monta. Sou melodia de uma música que este mundo é incapaz de cantar. Meu brilho não cintila na sintonia com as estrelas deste céu. Ouço sons e vejo imagens que não se costumam ouvir e ver. Sou pura estranheza num ambiente que se esforça para me abranger e acolher. Sou errante desejando o frescor de um olhar cúmplice e compreensivo, de um sorriso que me entenda, um peito que me receba. Mas não dá. Não me sinto num lugar comum. Não sei realmente se sou natural desta galáxia.

Pode parecer surreal e idealizado demais, mas quero somente viver num mundo que acolha a profundidade do que acredito e a concretude das minhas ideias e a beleza dos meus sonhos. A diferença não me dói, porque a diferença é que traz o encanto, mas sim a falta de uma identificação, uma minúcia, algo em comum, que sequer encontro pelos cantos que meus olhos enxergam. As dores escapam pelos poros, em denúncia ao sofrimento do coração. Sou ser imaterial. E o mundo me atravessa. Os pingos de chuva caem, mas teimam vertiginosamente em não me atingir.

Meu oxigênio é o amor e o meu sangue é a esperança. E estes dois elementos, enlaçados, são que me consentem a viver, a continuar e perseverar pelos meus sonhos. Nestes dias tão desleais, neste ambiente tão incrédulo de mim, ainda persisto, mesmo após a queda. Mesmo nos momentos em que tudo parece desfocado, meio torto e inseguro, não deixo de acreditar nas ideologias que me fazem ser o que sou, nem deixo de cultivar a fé que mora no meu peito tão transparente e pujante em sinceridade e lealdade. Vivo num mundo que está além de qualquer compreensão. Vivo num jogo que sou incapaz de responder à altura. Sou ingênuo demais para captar os sinais de uma vida astuta.

Sou pueril a ponto de não corresponder com trejeitos de gente grande, com a firmeza necessária de um ser humano ascendente, de um espírito que estás a crescer. Talvez eu seja menino demais ou muito sonhador. Desato as ações com o frescor simples de quem muito quer ser feliz; de quem luta para que as coisas deem certo. Mesmo que às vezes não entenda o andar da carruagem, nem mesmo consiga mensurar os erros que cometo no afã espontâneo de sentir. Eu queria ser alguém melhor para que eu fosse mais sensível, para que eu correspondesse com mais compreensão, com mais zelo e cuidado com as pessoas. Só queria aprender a amar. Peco por excessos, mas também por muitas deficiências. Fujo demais do comum. O que faço não está imbuído com malícia, nem com vis interesses. Vivo com uma franca necessidade de cuidar, de ser cuidado, de amar, de ser amado, de ser feliz e fazer feliz. Traço rotas para encontrar um seio, um destino onde eu possa ser um fidedigno vivente e companheiro.

Eu me destoo e me perco. Sou estrangeiro vindo de muito longe; um estranho tentando se encontrar nesta indiferença que se rege no ar. Sou aluno de uma escola em que poucos estudam. Sou andarilho numa calçada solitária; numa rua inóspita; num vasto deserto. Sou ser andante sem lugar definido pra ir, num lugar em que o meu coração, desde que neste solo pisou, decidiu firmemente a andar...





Aspas do Autor: Ando estranho de tudo. Pareço viver no mundo errado. Tudo parece estranho a mim. Persisto por coisas raras... É caminho para poucos. Eu sei. E talvez o coração saiba, realmente, onde me levar... Não é o fim. Ainda. E sim, vai dar tudo certo! Eu sei. Sei?

(Ar)dor

12 de maio de 2012





É palpitação que estremece
Intensifica em cáustico calor
Sentir que arrebata o amor
Sincera vontade que lhe apetece
E que o peito não esquece
Mas treme em sedento ardor
O sonho que decora o querer
Em um espontâneo prazer
De ter, completude no ser
A cura para a dor
Que se exaspera em horror
A incerteza por não ter
A essência que voa livre no ar
No manto do céu cheio de cor
Tons que desbotam sem razão
És o fim ou não?
Coração sangra com ardor
O sentir que nunca se queixou
Porém, hoje sente dor
Cascata de aflição e medo
Da alma perder a cor
Será que ainda se salva
Este genuíno amor?





Aspas do Autor: Às vezes a alma está inundada em incertezas, em dor permeando o amor que no peito vive sutil e espontâneo... Meu carinho pra todos.

O amor não é cego

5 de maio de 2012




E quem disse que é, nunca amou... 


Foi num fim de tarde, no café na esquina da rua em frente ao parque. Foi num esbarrão. O copo de milk-shake de morango caiu na blusa de seda azul da moça. E ele acabou molhando seu suéter vinho com o seu suco de laranja. Nenhum dos dois soube o que fazer. Depois de tanto tempo acostumados à suas dificuldades, dificilmente se esbarravam em alguém. Ficaram visivelmente sem graça e um pouco deslocados. Ficaram soltando palavras no ímpeto do acidente e se confundiam em pedidos de desculpas embaralhados com perguntas sobre o estado um do outro. Estavam nervosos e preocupados.

Em meio à confusão do esbarrão suas mãos se encontraram. Neste exato momento, as outras pessoas ao redor num instante desapareceram. A realidade ao redor se diluiu. O roçar de seus dedos soube elucidar bem algo que eles tanto buscavam decifrar. Dois universos se chocaram. Talvez num primeiro momento eles não soubessem a magnitude daquela sensação, mas algo os deixou inebriados. Os dois tinham seus tatos aprimorados. Talvez por conta de suas necessidades. O silencio permeou um pouco aquele inusitado encontro. Mas mal eles sabiam, aquela mudez explicava com maestria o que surgia. Inesperado? Quem sabe?

A calmaria então foi morar no semblante dos dois, embora isso não fosse relevante para eles. A pele um do outro ardia, mas em fragrância. E os dois se sentiram, exalaram e se entenderam numa muda interpretação. Leram o que suas peles sussurravam uma para a outra. Ambos ficaram enrubescidos. Desvencilharam os dedos sob um acanhamento mágico que reluzia no jeito puro dos dois. Mas sentiram um ardor percorrer o corpo. Agora depois do susto conseguiram sentir com mais plenitude o perfume um do outro. E os pensamentos flutuaram sobre tapetes invisíveis de poesia. Os toques tocaram, só que mais fundo, mais além da pele. Os perfumes passearam pelo olfato, mas aquele que vive lá dentro.

E acabaram se sentando juntos numa mesa para se desculparem, se ajudarem. Mas no fim o esbarrão acabou sendo deixado de lado e quaisquer problemas foram esquecidos. Suas mãos se encontraram novamente. E o modo como se tocavam e buscavam um ao outro era bastante familiar. Isto por si só foi suficiente para que descobrissem o melhor que tinham em comum. E não era só o apuro no tato. Era mais. Eles sorriram em sintonia diante da descoberta. Seus dedos falavam um ao outro. Suas mãos se confessavam e se rendiam diante daquela intervenção do destino.

Eles conversaram muito. Ele falou de seu cotidiano, de seu gosto por pop rock, bateria e pintura. Ela falou de sua fissura por balé, por flores e violão. Ela falou de seu gosto em ler, e ele em compor canções. Ela se emocionou ao falar de seu cachorro de estimação, o Lu. Ele contou o quanto ama sua avó Neida; que quer se tornar um artista plástico. Ela disse que adora cheiro de chuva e ele que ama cheiro de rio. Ele falou da sua vontade louca de viajar para Nova Zelândia e se aventurar. E ela contou que sonha ir para Madrid para namorar.

Por durante horas ficaram ali. Vez ou outra ele afagava o rosto dela para senti-la, para delineá-la com a pura imaginação. Suas mãos macias passeavam pela textura dos cabelos dela. As mãos dela pareciam compor melodias ao acariciarem o rosto doce do rapaz. As mãos dele pareciam seguir o ritmo das batidas dos seus corações. E os dela soluçavam em sentimento. Muito eles imaginavam. E isso era o que os encantavam. Suas mentes ficavam inundadas em supostas imagens. E tudo era perfeito por isso. Porque era da forma como eles queriam e pensavam.

Algumas coisas se perdiam porque os dois não podiam enxergar. É verdade! Ela tinha olhos azuis, e mechas louras que estribilhavam seus encaracolados. Mas ele nunca iria conhecer. Ele tinha olhos castanhos, e cabelos de um preto vivo que jamais ela iria ver. Ela tinha uma pele branca, e ele era moreno. Detalhes assim eles jamais iriam mensurar. Mas o que era isso diante do que podiam ler no toque, do que podiam enxergar só no farejo leve do coração? Nada. O que era importante eles viam sem que precisassem ver. Sei que os encontros continuaram. Bem ali, no café na esquina da rua em frente ao parque. O sentimento cresceu. A história dos dois se firmou e transcendeu pra além dali. Um bonito enlace de amor surgiu de forma inesperada, mas não permaneceu por acaso. Afinal de contas, eles eram cegos, mas o amor não...





Aspas do Autor: Porque às vezes não é preciso ver pra saber, para sentir... As vezes os perfumes se mesclam como bons ingredientes, e as peles se entendem perfeitamente, como peças de encaixe... Numa muda sintonia! O amor não é cego. Nós é que às vezes somos... Diante dos "esbarrões"... Meu carinho à todos!