Memórias de outono

30 de abril de 2011



A revelação de Elisa

15 de outubro de 2001.

Foi um belíssimo raiar de dia. Lembro bem as luzes fulgurantes trespassando a cortina do quarto. Eram umas 6h20m quando a acordei. Elisa ainda estava recostada na cama, num sono bonito de ver. Uma das coisas que eu mais admirava era o seu sorriso enquanto dormia. Ela ficava muito linda, envolto a uma beleza de naturalidade impecável. Sorri como que acariciado pela presença da minha esposa, e levantei. Fui até a cozinha preparar um café da manhã pra Elisa e eu. Da janela da cozinha foi possível ver aquarela iluminada que se fazia no quintal de casa. As cerejeiras se revolviam com um vento brando e gostoso, as folhas não resistiam e caíam na maciez do chão. Parecia mágico ver aquilo. As férias de outono no campo eram realmente recompensadoras. Eram dias das quais nós ficávamos em uma completa paz, saboreando o amor um do outro de uma maneira muito conciliadora e aconchegante. 

Diante daquele dia imensamente maravilhoso, fiz o café para Elisa com o carinho habitual. Preparei alguns ovos, e coloquei na bandeja uns pãezinhos, manteiga e a geleia de maçã que ela tanto gosta; acrescentei umas torradas e fiz um delicioso suco de uva, e deixei umas amoras numa tigela, a minha fruta preferida. Para mim fiz umas panquecas e joguei mel por cima. Por fim, coloquei dois bolos de milho. Levei a bandeja até o quarto. Elisa já estava com os olhos entreabertos. – Bom dia meu amor! – eu abri um largo sorriso, e ela respondeu-me com outro sorriso e um bom dia meio sonolento, mas infinitamente apaixonante.
– Amor, você se superou hoje hein? – disse isso, ao ver a bandeja farta e enquanto se recostava na cama para poder tomar o café de modo mais confortável.
– É verdade! – eu mesmo tinha me espantado com a disposição pela manhã – fiz um café primoroso pensando em você. Agora tome direitinho, para podermos fazer o passeio que sempre fazemos. – disse enquanto sentava-me na cadeira do lado da cama e colocava o café para ela tomar. Ela ao lembrar sobre o passeio mostrou uma alegria indisfarçável e um pouco de ansiedade no rosto.

Depois de tomarmos café, nos preparamos para fazer um passeio que tínhamos programado dias antes. Lembro que estava um pouco frio lá fora. Ela vestiu seu moletom marrom, e eu fui com o meu casaco de tom marfim. De carro nos dirigimos até o lago de San Amaro, ao norte da nossa casa, o lugar em que nos conhecemos e que guardava muitas lembranças bonitas. Era um lugar primordialmente natural, porém requintado e ostentando um encanto sublime de indescritível beleza. Foram poucos minutos dali. Ao chegarmos, foi impossível não nos maravilharmos. Ao horizonte tinha muitas montanhas e vales. E a água do lago era muito cristalina. O espelho d’água era uma coisa que nos fascinava, sempre que íamos ali.

O lago de San Amaro era um refúgio para muitas pessoas, por conter muita tranquilidade e paz, somada com a exuberância de uma beleza natural única e romântica. Desde que nos apaixonamos ali, Elisa e eu nunca deixamos de visitar o lugar nestes anos. O que nos encanta é justamente a imprevisibilidade do local. Cada visita passa uma sensação diferente. Nós dois conseguimos sempre absorver este êxtase suave. Não sabemos bem explicar. A luminosidade e o azul do céu, os reflexos na água, a calmaria do local, as flores no jardim, a temperatura do ambiente, nunca são os mesmos como da última vez. Às vezes está mais frio, ou mais calor, às vezes uma neblina envolvente, um vento brando, ou vento mais forte, ou nenhum vento. Definitivamente amávamos o local.

E aquela visita também foi especial. O lago pareceu transparecer uma doçura incomum e peculiar. A natureza agia silenciosa naquele dia. Sentamos no jardim, a alguns metros da margem, o nosso lugar cativo. Ali nos abraçamos e ficamos a observar a tarde caindo naquele lugar maravilhoso. Ficamos namorando ante a magnitude do “nosso local”. Elisa não demonstrou estar calma. Ela pareceu um pouco agitada e ofegante naquele dia. Perguntei se havia algo.

Ah, Ricardo, é o lago, está mais lindo do que antes. Você não notou? – Ela falou isso ao recostar a cabeça no meu peito. Acariciei seu cabelo e beijei-o. Eu concordei com Elisa. O céu azul e a água tão cristalina do lago pareciam estar com um encanto maior. Eles pareciam mudos. Pareciam testemunhas de algo que era profundamente maior. O silêncio pareceu reger uma sinfonia que tocava apenas dentro dos nossos dois corações, naquele momento. Ficamos ali até o sol esconder pelas montanhas ao horizonte. O pôr-do-sol era o espetáculo preferido de nós dois. Foi aí que naquele momento, diante do poente, Elisa quebrou o silêncio com a sua doçura habitual.

– Amor! Esperei este momento para te falar algo. – Ela virou-se para olhar nos meus olhos, e pude ver transparecer dentro dela um brilho muito intenso, mas que me proporcionava uma paz. Lembro que fiquei emudecido, mas muito instigado com aquilo. Um pequeno frio na barriga percorreu em mim.
– Fale amor. – falei isso buscando desvencilhar-me dela para poder olhar e prestar mais atenção.
– Ric! Estou esperando um filho teu. – ela disse isso enquanto acariciava meu rosto com suas mãos brancas e delicadas. Eu nem lembro bem o que senti naquele exato momento. Mas foi uma emoção indescritível. Num súbito abracei-a com todas as minhas forças. Meus olhos transbordaram em lágrimas. Mas eram felicidades extraídas de mim. Um profundo prazer transfigurado numa brandura cativa. Foi o melhor momento. Foi a ocasião perfeita. Era a concretização de um sonho conjunto. Um sonho que particularmente era muito especial pra mim: o de ser pai. 

Depois disso nem nos importamos com tudo ao redor. Ficamos ali nos amando. Aquele foi uma dia muito especial. Um dia em que nós, não ficamos a admirar as belezas da natureza ao redor, mas sim a natureza ao redor foi que ficou a admirar o nosso amor. A nossa felicidade!




Aspas do Autor: Um conto suave e doce para poder amansar a alma. Os dias andam um pouco tediosos e a inspiração anda meio fugidia e escassa. Quero mais doçura no ar. Um grande carinho a todos. Uma ótima semana!

A violência contínua

23 de abril de 2011




Há muito que precisamos pensar. Diante da realidade ao qual estamos a viver, é natural que vivamos em fronte a dilemas intensos e repletos com múltiplas reflexões. Todas advindas de escolhas acertadas, pensadas ou não, de ações encaradas, feitas ou acontecimentos vistos. Estamos presenciando, dia após dia, uma avalanche de acontecimentos violentos. Não é um privilégio de agora, mas que vem se acentuando nos últimos anos. Além das tragédias, das quais estamos sofrendo por conta de nossas ações no mundo, a violência também é um dos elementos que está corrompendo o ar que respiramos. 

Uma das grandes questões está inserida na consequência presente em certos atos que praticamos em respostas às violências. É natural presenciarmos ou nós mesmos praticarmos retaliações a certos tipos de violências. Criamos repúdio e uma grande indignação dentro de nós, e naturalmente nos vemos atacando e execrando os violentadores. Diante de um assassino, ou de alguém que atropela e mata alguém, ou alguém que atira em crianças indefesas numa escola, facilmente nos conduzimos por uma selvageria capaz de gerar aquela vontade de dar uma lição merecida na pessoa, ou em casos extremos, desejar a morte ou matar. Linchamentos são comuns nesse caso. E caso essa pessoa já esteja morta, ficamos a repudiar a pessoa, orando as piores coisas, e até mesmo parentes ligados a ele.

Mas será que é certo darmos continuidade a violência gerada por uma pessoa? Será que nos tornamos tão melhores a ponto de rebaixarmos ao nível da pessoa, e praticarmos violência numa pessoa que praticou violência, mesmo que a mais cruel, mesmo amparados por uma aparente justificativa? Não! Nós nos tornamos piores. Mesmo quão grave esta pessoa tenha feito, violência não é justificada por mais violência. É realmente triste vermos o resultado de certos atos, e o destino de algumas vítimas. Mas será que vale a pena extrairmos o pior de nós para julgar a pessoa, mesmo que isto seja em resposta a uma selvageria? Creio não ser.

No momento em que usamos de agressividade para execrar quem praticou um ato de crueldade, não nos transformamos em melhores pessoas apenas porque justificamos nosso ato em repúdio à agressão. A ação vingativa é um ato violento e consciente, amparado por uma justificativa distorcida de reparar o acometimento. O violentador faz isso porque tem algum tipo de trauma, uma mente fraca e perturbada, sendo impulsionada por um instinto imoral, sem consciência plena de seu equilíbrio. No momento em que agimos como o agressor, julgando-o, de maneira acertada e pensada, mostramos ser tão fracos e pobres de espírito quanto ele. A verdade é que violência se responde com amor. 

Não é uma tentativa de defender a violência que foi praticada, mas abrir uma importante reflexão a cerca das ações que fazemos em resposta a elas. Todos os atos de violência são repugnantes. Todos são dignos de repúdio. Porém, devemos pensar direito na consequência de nossas atitudes em resposta a elas. Precisamos amparar melhor o coração sob a luz da compaixão, da misericórdia e então agirmos de forma menos incisiva e mais amorosa. É realmente triste notarmos vidas inocentes serem interrompidas por conta de um maníaco louco que tentou justificar seus atos, por agressões sofridas na infância ou adolescência. Realmente gera muita revolta. Devemos orar muito pelas vítimas da violência insana e injustificada de pessoas assim, mas principalmente, pedir a Deus, que ele oriente as almas de quem mata, de quem violenta e comete atos de extrema crueldade, até a luz, e que essas almas percebam, diante das consequências dos seus atos, o verdadeiro caminho para encontrar a paz. Por mais que tenham errado. Todos precisam de luz e de paz sim.

Não vamos dar continuidade à violência, nem mesmo fazer apologia à mesma. Vamos continuar apenas o amor, a misericórdia, a paz. É assim que devemos aprender a sermos, doces e mais humanos. Não vamos colher violência de violência. Vamos plantar amor, mesmo que em terras impuras. Vamos pintar de branco nossas almas e nos livrar dos anseios vingativos. É assim que deve ser.






Aspas do Autor: Um texto para pensarmos um pouco. Uma bonita semana para todos e uma grande paz no coração.

Dia após dia

16 de abril de 2011




O ano começou há pouco. Mas lá se foram mais de três meses, como se fossem dias. Período esse da qual meu coração passou mais aflições do que as do ano passado inteiro. E não penso que tenha acabado por aqui. Eu sinto que ainda vivenciarei ainda muitas pressões adiante. O presente ano tem tudo para ser um ano de conflitos, ao qual terei muitas questões a serem enfrentadas, quanto à esfera dos sentimentos, do coração e tudo mais que se relaciona com o meu bem estar emocional, e principalmente espiritual.

Eu tenho uma boa intuição quanto a essas coisas. Tanto é que pressinto isto desde dezembro passado. E pelo modo como o ano iniciou, a intuição estava correta. Mas diante desses pressentimentos, sempre tenho muito cuidado. Absorvo as coisas com um mínimo de zelo e despretensão, para não me deixar levar por impressões. A verdade é que não me fico orientando totalmente por isso, apenas levo como referências para criar meu muro de cautela. Cuidados necessários, quando levados em conta a afetação que possivelmente vou ou posso sofrer. Neste caso, posso dizer que meus passos são calculados.

Não posso negar que certas coisas geram aflição. E esta prenuncia do ano, me deixou um pouco receoso. Embora eu fale isso com um tom de preocupação, eu sou levado a confessar que tenho aprendido a aceitar o quão necessário é, certos embates, para eu poder crescer e discernir a verdade existente nas emoções em que vivo ou compartilho. É como se eu sempre conseguisse encontrar algum meio para extrair algo de bom da agonia, separando o joio do trigo. Nesta questão, dou fé pelo simples fato de que já experimentei nos últimos anos muitas situações das quais sempre tirei algo positivo. A verdade é que as tribulações nos ajudam a evoluir, desde que se tenha firmeza nesta atitude de superar, claro. 

Os últimos dois meses foram bem tensos neste sentido. Eu estava com um tempo escasso e muito cansado, porque afinal o trabalho em excesso confere um esgotamento que acaba sugando um pouco da animação. Aí, somado ao meu tormento sentimental, minhas aflições referentes ao que sinto e o que vive em mim, eu simplesmente passei dias de puro inferno. Ficou pairando no ar uma infinidade de dúvidas, muitas interrogativas que sacrificavam meu bem estar. Eu fiquei a me afogar em muitas perguntas. E sempre todas ligadas ao meu coração, ao que sinto e acredito e no que devo fazer, o que realmente é essencial, como agir, o que não fazer.

Fiquei sem chão. Porque muita coisa acabou entrando em conflito com muitos princípios das quais cultivo em mim. Fica difícil tomar certas atitudes, quando você é permeado por uma conduta que você a julga correta para si. E burlá-las dói. Só de pensar em agir contra certos ideais e pensamentos, eu já me sentia desconfortável. Depois que agi contra o que eu acreditava, pelo simples pretexto de pensar em mim, ou pra ter amor próprio eu “adoeci”. Voltei atrás e melhorei. 

Estes últimos dias acenderam um estado de alerta. E pude aprender bastante. Agora, Jamais em hipótese nenhuma faço algo contra o que acredito e o que me faz bem, mesmo que haja uma ilusória justificativa, e muito menos se isso afetar terceiros. Seguir dentro do que concedi pra mim faz bem, e apenas isso faz bem, mesmo a custo de alguns sacrifícios. Não há felicidade plena sem que haja certas concessões.

Hoje estou mais leve. É sempre assim. Tempestades são inevitáveis, mas é previsível que elas passam. Sempre! Tanto é que acordei esses dias com um lema especial: ser mais doce e sereno. Talvez isto me dê a paz e o conforto necessário para poder suportar tudo com mais equilíbrio e sabedoria. É o que mais desejo. Eu continuo com as mesmas questões, as mesmas dúvidas, porque é impossível se separar disso em vida. Mesmo porque são fundamentais para que eu possa amadurecer. A aflição continua, o meu sentir e o meu amor continuam, mas por ora, estou leve, com uma paz e uma doçura sem igual. Estou amansado, e meu coração quieto.

No mais, quero estar pronto para os dias de amanhã, mais preparado para aguentar as intempéries do coração que ainda virão. Porém, há uma boa notícia entre tudo isso: também pressinto uma coisa boa, muito boa para esse ano. Mas, vou vivendo pra descobrir, um dia após o outro... E sem pressa.





Aspas do Autor: Bem, vou indo na luta de seguir a vida com mais leveza e tranquilidade, evitando me afoitar e desesperar muito. Quero poder viver sem pressa, com bom senso e moderação, sem esquecer de sentir a experiência humana de forma plena, e tudo mais o que é necessário para meu crescimento. Uma ótima semana para todos!

Poente

9 de abril de 2011




Luz esvaindo.
No chão, resvalo de leve dor.
Neblina sem cor.





Aspas do Autor: Ando meio sem tempo pra escrever. É uma lástima ficar distante do meu blog e de blogs amigos. Mas aos poucos reestabeleço minha presença. Antes de ir, falar aqui que o selinho "encanto do mês" de abril vai para Rebeca Amaral, um doce de pessoa. Um grande abraço a todos que não deixam de vir aqui.