O semeador

26 de março de 2011




Em um singular vilarejo vivia um humilde senhor. Tinha um semblante sereno e ostentava uma imensa alegria, uma grande paz interior e um vigor admirável. Ele acordava e levantava muito cedo, antes do sol raiar, e sempre ficava a cuidar de seu jardim, do imenso quintal que cercava sua casa. Era o quintal mais lindo da vizinhança, o mais florido, o que mais continha frutos. Chamava a atenção por sua frondosa beleza, seu brilho e sua vida. Definitivamente ele enchia os olhos de quem passava à sua frente. Muitos paravam e ficavam a admirar o jardim, como que encantados pelo frescor belo das cores.

Após a companhia com seu belo jardim, ele saía de casa com um saquinho marrom cheio de sementes, e ia a cada dia mais distante de sua morada. E ele então parava em todos os quintais que fosse preciso, e começava a plantar suas sementes. Fazia carinhosamente mesmo sem a permissão dos donos do terreno, e fazia-o com muita alegria. Muitos reclamavam e desfaziam seu trabalho, mas ele não se abalava, porque existiam sempre algumas pessoas que não se importavam e gostavam de sua ação. E no fim da noite retornava à sua casa para descanso. Fazia isso todos os dias, com uma alegria invejável, e uma satisfação inigualável. Mas ele apenas plantava, não retornava para cuidar, deixava essa função pra quem era dono do quintal. O tempo passava e os quintais em que ele visitava não demonstravam florescer, ou dar um sinal de vida. Ficava resignado, mas também muito alegre quando ele percebia alguns, mesmo poucos, mostrarem força e brilho.

Uma criança que morava na frente de sua casa começou inocentemente a notar sua rotina, de cuidar do jardim, em visitar a vizinhança plantando sementes nos respectivos quintais. Criou simpatia por ele, e ficava a observá-lo todo dia intriga-do e curioso. E foi assim durante muito tempo. Essa criança crescia e notava que muitos quintais não floresciam, e que muitos não gostavam que ele plantasse suas sementes. Mas notava que uns aceitavam e cuidavam com carinho e amor. Certo dia ele criou coragem e decidiu ir até o senhor. O senhor estava concentrado cuidando de suas flores quando notou sua presença. E com um olhar amável e muito acolhedor o instigou a falar. O garoto então perguntou:
- Por que o senhor todo dia sai pra plantar sementes nas casas dos outros, sendo que a maioria não gosta, não cuida, e pouco se importa? Os jardins não ficam como o seu, e mesmo assim o senhor continua alegre. Não entendo. O senhor não acha que está sendo tudo em vão?
O senhor, continuando com sua alegria habitual, tão visível no rosto, abriu um largo sorriso e disse calmamente para o garoto:
- Meu jovem, observe esta flor. Diga-me, se eu deixar de cuidar dela o que acontecerá?
- Ela morrerá.
- Sim.
O garoto fitou-o.
- Se ela é responsabilidade minha e eu deixar de cuidar, ela morrerá. Se esse jardim é responsabilidade minha, um pedaço meu, ele morrerá junto comigo. E a questão é essa. Eu me torno responsável pelo meu jardim. Apenas eu é que posso torná-la especial e bela.

O garoto continuou sem compreender a profundidade da lição.
- Meu jovem, um dia você entenderá e saberá que não faço em vão. Planto as se-mentes de coração, e faço com alegria. Poderia não fazer, mas apenas planto-as na morada de cada pessoa, para que elas possam compreender e sintam-se motivadas a florescer o quintal da sua casa. Cabe a cada um cuidar e regá-las. Cada um é responsável pelo seu jardim. E continuou:
- Se dentre tantas pessoas apenas uma entender, e, assim então, começar a cuidar do seu jardim, meu trabalho não terá sido em vão. E lembre-se sempre, você é quem deve cuidar do seu jardim. E se puder, semeie também.
Deu uma piscadela pra ele, e continuou cuidando das belas flores. E assim o garoto se despediu dele, pensando muito sobre o que ele falou.

O garoto cresceu, mudou de cidade e jamais se encontrou com o senhor. Ele pas-sou a vida inteira com aquelas palavras na mente, jamais consegui esquecê-las. Viveu uma vida feliz, alegre, e se tornou um ser humano muito admirável. Depois de muito tempo, ele retornou ao vilarejo ao qual ele vivera, que já tinha crescido bastante por sinal. Foi de encontrou à residência daquele senhor, e novamente se deparou com a beleza do jardim de sua morada. Mas ele já não morava lá, e ninguém mais. Soube que ele morrera anos antes. Ainda surpreso com a vivacidade das plantas, que ainda sobrevivem, ficou triste a olhar as belas flores que ali decoravam o jardim. Entendeu que o jardim dele foi tão bem cuidado que a natureza agora cuidaria dali pra sempre. E continuaria sempre frondosa, com exorbitante majestade. E aquele senhor jamais morreria de verdade. Estaria sempre ali em cada semente, em cada planta, em cada flor, da qual ele plantou e sempre cuidou.

Ficou novamente sensibilizado ao lembrar do velho amigo.
- Não foi em vão meu amigo. Compreendi depois de muito tempo. Daquele mo-mento em diante eu tratei a cuidar do meu jardim sim. Obrigado por ter plantado uma semente no meu coração.

E numa exclamação súbita:
- Vou semear também!

Então, esboçou um sorriso e saiu caminhando feliz.





Aspas do Autor: Não somos capazes de cuidar do jardim dos outros. Mas podemos semear, e mostrar para as pessoas que elas podem se tornar especiais, belas e inigualáveis. Basta que ela enxergue o poder que tem nas próprias mãos. Cada um é responsável pelo jardim da sua alma, e por meios próprios se tornar um ser humano digno e admirável. Uma ótima semana para todos!

Melodia pura

19 de março de 2011




É uma pureza desmedida, transbordada num tilintar íntimo dos corações. Dá para sentir no ar a essência tremeluzindo como uma luz irradiando a escuridão. É apenas doce, suavizado em momentos ternos, incapazes de serem descritos, muito menos compreendidos. É volúpia de inverso deitadas no verso da ternura branda do querer, que penetra delicadamente, aflorando no peito sonhos de verão, regalos de vida na totalidade das emoções. É uma sensação cristalizada no finito alcance dos olhos, amansada no alcance infinito do coração.

É possível nem mesmo notar e ainda assim sentir. É um mistério tão imenso quanto o universo e tão brilhante quanto a luz das estrelas. É como uma pluma a sobrevoar campos floridos, arrebatando a essência pura imersa no ar, para pousar sensibilidade somente por estar. É um afago delicado, presente na meiguice de um sorriso. É um sonho roubado para ser vivido. É um misto de calmaria e ansiedade; uma intensa magia que sustenta os sonhos mais afetuosos e alicerça os pedaços do âmago da alma. É um vento brando que acalenta a pele, que acolhe o calor das brisas e repousa calidamente no mais íntimo, sem pedir licença.

A exuberância das sensações alimenta a chama mais tenra presente no coração, realinha a órbita do universo interior e concede esperança onde só tinha dor. É uma implosão de amabilidade, adornada com pérolas translúcidas de indelével querer. Vive no querer intenso, dentro de uma maresia enigmática, e de cores indecifráveis. Enfeita-se na inocência, distante do mais torpe teor. É uma presença que dorme nas franjas do carinho e reflete no espelho dos olhos, que permite perpetuar-se na aurora dos horizontes, dispersando fragmentos amorosos por todos os pedaços do ar.

É um enlace de paixão, uma força tenaz, capaz de colocar as pétalas despetaladas no lugar. É um afã incontrolável, vívido numa mansidão calma incompreensível, transparecida em uma incólume sensação de prazer. É uma sensação que vem para infindar delicadeza e afabilidade no peito, e tremeluzir o brilho incessante de uma candura imensurável de contentamento. É um afeto explícito, coberto com uma viçosa nuvem de aconchego. É tudo e ao mesmo tempo nada. É inteiro, mas não tem medida definida. Tem a dimensão que nós queremos que tenha.

É sinfonia entoada nas tardes de primavera. É canção que não tem letra, mas toca. Não se vê, apenas sente. É amor, melodia pura a ecoar.

 
 
 
Aspas do Autor: É bom sempre falar um pouco de amor, para ver se os dias ficam mais leves e agradáveis. Não ando tão bem, e isso me conforta um pouco. Desejo muito amor para todos. Uma ótima semana!

Passageiro

5 de março de 2011




Observo a paisagem ruminar pelos meus olhos e acabo a descansar na minha inquietude. Plano na minha infante plenitude, quase que renunciando a capacidade de entender a lógica dos acontecimentos. Algumas verdades passam na minha frente com uma velocidade impressionante. As informações são rasantes e as imagens borradas. Pouco há o que se absorver. É uma luta infernal que travo comigo mesmo. É uma tentativa vã de tornar o que vejo perceptível aos olhos. As respostas são mais velozes que o meu entendimento. Rápidas demais para meus olhos enxergarem por completo, nos mínimos detalhes.

Sou criança diante do mundo ao redor, sou passageiro de um trem aparentemente desgovernado. Independente da idade que eu tenho ou tiver, o meu interior sempre será ingênuo, frente à vida. Sinto-me pequeno ante a magnitude das revelações; frágil, diante da imensidão macroscópica do que ocorre. As coisas não se elucidam com facilidade e, por serem soberbas, carecem de insinuações óbvias. Não tenho controle da maioria das coisas. Elas sucedem com proeza, trepidando suas armas, desferindo golpes doloridos, nocauteando minha saúde. Não adianta quão minha mente esteja sã, nem o quanto eu me esforce em responder. Debato-me nas dúvidas, como uma criança aprendendo a nadar.

Por vezes penso que posso mudar o caminho. Posso mudar minhas escolhas. Porém, sou passageiro, alguém conduzido pela mal traçada linha do destino. Acabo que quando me desvirtuo, sempre sou capturado novamente e colocado no meu lugar. Não é que a minha vida seja imutável, mas talvez ela seja realmente o que eu tenha desejado, ou sumariamente escolhido. Quem me captura novamente é o meu medo, o meu lado mais racional, aquele que não pretende mudar drasticamente minha rota. E talvez seja o que eu esteja necessitando, uma rota de fuga, uma maneira mais saudável de encontrar respostas; elucidações simples e perceptíveis, dentro da limitação da minha mente.

Preciso agir o mais rápido. Para que eu não me perca em ideias profundas e seja levado ao limbo das minhas ideologias. Não quero me acomodar neste sentido; ser saciado com fantasias que vez ou outra surgem para me ferir. Mesmo que eu não compreenda bem a alcance das lições, dos sentimentos que existem em mim, e de tudo o que acontece e fazem comigo, preciso aderir a determinadas atitudes, para que eu possa ver as outras e inúmeras possibilidades. Não quero estar preso a uma rota apenas. Quero mudar de estação, sair deste inverno que me persegue. Preciso de verão, de calor no coração, novas escolhas para que existam novas perspectivas. Quem sabe assim entendo a coerência dos fatos.

Preciso parar este trem. Infelizmente, ele segue apenas um caminho. E que não vai me levar para o lugar que eu quero. Pelo menos não onde me sentirei feliz. Obviamente, preciso me sentir leve. Apenas busco mais opções. Que a paisagem a se ver seja mais perceptível e consequentemente mais agradável. Quero poder entender a beleza do que passa por mim. Até mesmo compreender direito as agruras que tomam conta do meu ser. Não quero pairar num mar de certezas, nem mesmo numa imensidão de incertezas. Quero o equilíbrio. Quero continuar a ser viajante, mas ter a força necessária para ser guiado pelas próprias pernas e saber fazer uma escolha quando realmente for preciso. Mesmo que doa. Quero ser passageiro de mim. Quero apenas ser feliz.

 
 
  
 
Aspas do Autor: Algumas coisas acontecem, e eu fico sem ação, sem saber como reagir. A confusão precipita dentro do meu ser. Quero apenas aprender a confiar e a saber fazer as melhores escolhas. Para no futuro eu poder entender de forma satisfatória o que surge em mim. Bem, deixo aqui meu afeto. Um ótimo feriadão de carnaval a todos.