Antes de ser, não era. Era um nada onde até o nada era ausente. Um lugar que não era possível ouvir nada, apesar do silêncio também não existir. Algo que era, mas nunca foi. Um rascunho ou um mero pensar ainda era mais concreto que este mundo. Um mundo que se chamava de mundo, mas não tinha nada que o definia como mundo. Era apenas vazio, morando no nada, relegado do que é real e irreal. O surreal ainda era mais crível que este lugar. Sonhos impossíveis eram mais próximos, do que este mundo.
Era um lugar que nem mesmo se deveria chamar. Vazio ainda seria um título muito cheio para esta aberração oca. Se não havia, nem continha, porque existiriam elementos que o definissem? Não é possível definir o que não tem. Simplesmente não o tinha, não o era, não acolhia mais que apenas o vago vazio mais oco de todos os “nadas” juntos. Era uma brancura translúcida, que praticamente cegava. Era talvez um mundo, apenas por achar-se que ele fosse realmente mundo. Um mundo de nada. Um nada de mundo.
Vazio. Desprovido. Carente de ideias; de imagens; de qualquer conteúdo. Simplesmente um lugar ao léu, que planava na incerteza e na cegueira, na essência vã do invisível. Algo que não se podia tatear, porque não era. Este vazio era assim, simplesmente vazio, transparente tanto quanto o vento, concreto tanto quanto o amor. Um mundo onde a única presença certa era a ausência. Um mundo que na verdade era ensaio, apenas um espaço para ser preenchido; uma tela de quadro sem pintura.
Até que ele começou a ser algo, quando gotas de cor caíram no seu nada. Rios coloridos que foram bailando entre si, criando todos os espaços e ao mesmo tempo preenchendo-os com a cor da beleza. O traçado das cores parecia uma sinfonia poética, uma coesa demonstração do infinito encanto presente no que se via. Era como uma chuva de aquarela, pingando suas notas de amor, por todos os cantos. Respingos cativos da imensa doçura apaziguante que permeava a doce sensação de inventar, de dar cor ao que não era. Era simplesmente a indelével criação que se fazia, expugnando o recalque da mente, e explodindo fagulhas de arco-íris por todos os cantos.
Um lugar que se tornava lugar, porque as cores se uniam para fazê-lo. Eram pinceis manipulados por deuses, e que esboçavam um mundo crível, repleto de existência, presente sem ser ausente. Matizes de sensibilidade, que expurgavam o nada, e convidavam ao concreto sonho de se imaginar, porque se estava a pintar um mundo para existir. Uma pintura, nada mais do que desenhos de um deus, a preencher o vazio de uma tela branca, criando um universo de proporções incalculáveis. Uma dança coreografada que não unia passos, mas sim pigmentos de encanto, misturas de deleitável êxtase, e colisões de gotas coloridas, unidas para criar quilômetros de paisagens e ternura.
Um lugar onde não tinha como limite a moldura, mas a capacidade de sonhar, de acreditar e ver o quanto uma imagem podia guardar um infinito universo, rico em cenários, em cores, em belezas. A moldura apenas delimitava a visão mais superficial, mas ela era apenas uma porta para que os olhos da alma pudessem ver o mundo feito através do mesclar das cores. Olhos esses que conseguiriam viajar por entre a vastidão de um mundo encoberto pelas texturas de um mundo pintado. A tela de um quadro foi um vazio em que ao ser pintado deixou de ser vazio; pintura essa que, vista pelo coração, era possível tornar a paisagem limitada pela moldura, num mundo ilimitado de possibilidades.
Aspas do Autor: Uma historinha leve, suave e, claro, com o encanto de sempre. Porque é sempre bom escrever um pouco mais sobre beleza, e não dor; falar sobre cor e não cinza; nem de tristeza ou desamor; ou coisas impossíveis, idealizadas. Uma historinha delicada e bonita como a pintura de um quadro. Um conto pigmentado com a textura da minha emoção. Deixo aqui meu afeto a todos. Fiquem com Deus! E uma ótima semana!